They/Them: O Acampamento é um filme de horror cujo tema é bastante polêmico e pontual, já que é sobre um acampamento que promete corrigir a sexualidade não heteronormativa de seus detentos.
Original Peacock, o longa-metragem dirigido por John Longan - famoso por ser roteirista de vários projetos grandes - é uma parceria também com o estúdio especialista em fitas de horror, a Blumhouse.
O nome original, They/Them carrega o slash no nome, uma vez que essa barra se lê slash em inglês, mas a realidade é que a parte de "filme de matança" é pequena, e será abordada na parte do texto que contará com spoilers.
O início do longa mostra uma mulher com roupas masculinas em um carro à noite. Ela tem os pneus furados e percebe a sabotagem na estrada, para logo depois ser pega por um homicida, fato que deixa confusa a motivação do assassino da vez.
A fotografia de Lyn Moncrief (A Casa no Bayou e Vengeance) é bem escura, buscando esconder possíveis imperfeições de CGI, uma vez que já no início há a ousadia em colocar animais digitais em tela, e de maneira gratuita, com um cervo no meio da mata a noite. Até assusta, mas é uma tentativa meio tola.
Aqui é dado que há uma espécie de assassino mascarado, que lembra versões de Jason. Caso não tivesse uma série de materiais de divulgação, poderia ser encarado como revelação de trama.
A partir dessa imagem haverão spoilers, mas antes disso, vale dizer que o elenco quase inteiro é parte da comunidade LGBTQ +, incluindo o diretor John Logan, e além deles, há Kevin Bacon, um simpatizante da causa que serve de chamariz para o filme.
Quando um filme se baseia fundamentalmente na desconstrução de uma ideia, é preciso que o entorno do texto seja bem pensado e arquitetado, e Logan tenta isso, mostrando um cenário comum aos fãs de horror, usando o Acampamento Whistler como base, além do prestígio de Bacon, que esteve lá no filme primordial desse filão, o Sexta-Feira 13 original.
O astro de Footlose faz Owen Whistler, o líder do retiro espiritual. Ele já começa prometendo aos jovens que não vai endireitar ninguém, e assume que não tem poder ou habilidade de transformar essas pessoas em heterossexuais.
Ele apresenta sua equipe - de gente a princípio desimportante - recolhe celulares, remédios, assessórios eletrônicos, e inicia um processo de desintoxicação dos jovens.
Owen é incrivelmente respeitoso com os alunos (ou seriam prisioneiros?!), diz respeitar eles, quer que eles cheguem a conclusão da vida correta sozinhos, e até dá chance a um personagem não binário de ficar no alojamento dos rapazes, e se achasse ruim, poderia trocar para o feminino após um período de teste.
É compreensível no discurso, mas toda sua motivação mira mudar o curso da natureza sexual de pessoas.
Muita gente reclamou que o filme possui pouco da formula slasher, e tem surpresas fáceis de desvendar, e de fato o longa-metragem sofre desses dois malefícios.
Ao menos a roda de confissões dos personagens tem sua carga de emoção. Para qualquer pessoa sensível é impossível não se comover com os relatos de rejeição ou maus tratos que cada um ali passou ao longo da vida.
Tem uma cena HIPER constrangedora envolvendo Alexandra (Quei Tann), que tem seu banho invadido pela monitora loira Sarah (Hayley Grifith), e tem sua transição não dita antes exposta a força.
A sequência é extremamente invasiva, e tratada como um momento de horror, uma ótima sacada do cineasta, em tom de denúncia.
A esposa de Owen, Cora é das personagens mais deploráveis mostrados. Sua interprete Carrie Preston é uma atriz subestimada, acostumada a fazer papéis dóceis, e é o caso aqui, ao menos aparentemente.
Ela age como uma espécie de psicóloga não licenciada, que parece ser alguém capaz de ouvir um desabafo, mas que docemente solta falácias a respeito da orientação sexual das pessoas, andando na corda bamba do desrespeito e da compreensão.
Em alguns pontos, ela lembra a Missy Armitage que Catherine Keener fez em Corra, com uma voz mais suave e hipnótica, mas igualmente manipuladora.
Evidentemente que, aos poucos, os personagens vão mostrando suas reais faces e suas falhas de caráter.
O zelador Balthazar (Mark Ashwort) por exemplo é tratado como alguém estranho desde sempre, e é até meio estereotipado. Ele coleciona bonecos e marionetes, tem um computador velho, que monitora os banheiros do vestuário feminino, e claro, entra na mira do assassino.
Passada mais da metade da duração finalmente começam as sessões de tortura psicológica, onde os instrutores obrigam os personagens pretensamente sensíveis para o cachorro velho.
Curiosamente analisamos Cães de Caça, filme que fez 20 anos em 2022 e tem um momento semelhante a esse, onde a ideia era mais ou menos a mesma: zerar a consciência da pessoa através de um choque.
Ao mesmo tempo que investe em um emocional combalido, também tem um estranha esquecimento sobre os assassinatos na trama. O roteiro parece esquecer que a matança ocorreu em determinado momento, dando vazão a outros terrores, e quando retoma isso, não parece mais tão urgente.
O horror real reside nos métodos do acampamento whistler, que utilizam até iscas, tem métodos medievais que findam em um tratamento com choque nas partes íntimas quando a pessoa se excita vendo outras do mesmo sexo, em um instrumento que lembra cadeira de dragão, instrumento utilizado na Ditadura Militar do Brasil nos anos 1964.
Ao tentar ser atual, o texto acaba se perdendo, exigindo demais da suspensão de descrença. Mesmo em estados conservadores, as pessoas da comunidade deixariam Owen agir como age com os garotos, e ainda cai na besteira de colocar uma personagem, Molly (Anna Chlumsky) discutindo com ele sobre denúncias.
Em uma comunidade pequena e isolada, até se entende a cooperação com criminosos preconceituosos, mas na década de 2020 achar que todo esse conjunto de infrações sairia impune, é exigir demais da suspensão de descrença, ainda mais em uma obra que tenta parecer mais realista e palpável.
O assassino retorna exatamente em outra cena envolvendo sexo, mas claramente só pune os vilões conservadores, os que tentam corrigir os desejos homossexuais ou os que fingem ser o que não são.
O visual dele é ótimo, uma máscara cinza, velha e carcomida, costurada em cima de um corte no meio dela, que não é reto. Ela pode ser encarada como a face negada de uma identidade reprimida
Mas o personagem que faz o assassino tem uma motivação e plano esfregado na cara do vilão - e do espectador - seu caráter. Tudo bem que há trauma envolvido, mas o roteiro de Logan poderia ser menos expositivo.
They/Them: O Acampamento é uma produção confusa, que tenta abordar temas adultos, mas o faz de maneira bem atrapalhada, caindo em cima de um clichê que a população LGBT+ detesta, que a da pessoa insana basicamente por ter uma orientação não heterossexual, e como Logan é um sujeito LGBT isso se torna mais grave. A história ainda tenta dar uma lição ao assassino, mas parece apenas piegas, mal pensado e mal construída.
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