Alguns pequenos spoilers a seguir.
Quando se é jovem, um dos momentos mais vergonhosos dessa fase é proveniente das tentativas de se enturmar, muitas vezes até com grupos compostos por pessoas mais velhas. É um ritual, você quer parecer bacana e “maduro” para não ser tratado como criança e inventa histórias, geralmente envolvendo violência ou sexo, quem sabe ambos. Como o grupo do qual você quer fazer parte também é composto por gente imatura se achando crescida, acaba aceitando as proezas, na verdade bobagens, contadas. Pois é assim que Gotham tem se posicionado semana após semana e chega ao ápice em Arkham, seu quarto episódio.
A série criada por Bruno Heller chamou atenção em seu piloto. Violenta, suja, sombria e sexy. “Corajosa”, muitos pensaram. Afinal, mesmo quadrinhos não sendo coisa de criança há anos, é inevitável que um programa cuja premissa seja contar a origem dos grandes vilões da DC, atraia um público jovem. Partir para uma abordagem, em um primeiro momento, madura, significaria sacrificar um bom número de potenciais espectadores. Mas, desde semana passada, algo ficou no ar. Seria Gotham realmente “adulta” ou o uso de sexo e violência é um mero disfarce para esconder personagens extremamente caricatos e cartunescos?
Se The Balloonman não respondeu positivamente para a segunda opção, este Arkham não deixa dúvidas. Não há maturidade alguma em Gotham, a não ser que Heller e seus roteiristas acreditem realmente que para haver, basta incluir sangue e insinuações sexuais em suas tramas. É um momento mais vexatório que o outro, uma sucessão de erros que desperdiça o que seria uma boa história sobre disputas territoriais, corrupção e ascensão no crime.
Há um salto de qualidade, no entanto, na forma como o roteiro lida com o vilão da vez, mesmo que suas ações criem uma incômoda sensação de deja vu do episódio anterior. O assassino Gladwell (Hakeem Kae-Kazim) é engenhoso, tem destaque maior, com um tempo de tela superior aos seus antecessores, mas toda a trama fica meio perdida com o tempo que o episódio gasta com seus personagens unidimensionais. Alguém sinceramente ficou surpreso com o plano do Pinguim? Claro que não, e não é porque a série já fez o personagem ficar íntimo do espectador, é porque é extremamente previsível. E este deveria ser um dos vilões mais imprevisíveis do programa. Aliás, os ecos de Joel Schumacher continuam essa semana na cena com os assaltantes contratados por Oswald. A participação de Fish Mooney ficou restrita a audição para a nova cantora de sua boate. E aí entram os elementos sexuais forçados. E machistas, já que a disputa encontra uma resolução colocando duas garotas de pouca roupa para brigar.
Aliás, no viés sexual, a série é incrivelmente conservadora na forma como trata o relacionamento de Barbara e Montoya. O roteiro faz questão, pela segunda vez, de relacionar o namoro de ambas com uma fase ruim, uma besteira do passado. Isso faz sentido com as personagens de Orange is the New Black, já que uma das parceiras era traficante de drogas, mas em Gotham? Em que uma é a policial honesta e a outra é dona de uma galeria de arte? Por que esse casal deveria lembrar um passado sombrio? É uma associação caricata e preconceituosa, disfarçada pela desculpa da criação de personagens complexos. Não há complexidade alguma ali.
Ainda que a ambientação chame atenção e a qualidade técnica não desaponte (o Asilo Arkham está perfeito), Gotham vem seguindo por um caminho de decepção desde o episódio anterior. São muitas perguntas que o seriado deixa no ar e quase nenhuma delas diz respeito à evolução dos personagens, mas sim sobre onde Bruno Heller quer chegar. A trama constantemente se perde na preocupação em anunciar o futuro da cidade do Batman, sendo que o atrativo desde o começo seria a possibilidade de o espectador vislumbrar o passado. É mais importante o roteiro martelar na cabeça do espectador que daqui a 20 anos o Homem Morcego irá surgir e criminosos insanos irão assolar as ruas ou contar uma história minimamente interessante, que fuja do óbvio? Há uma referência ridícula ao Coringa, cuspida por Bullock apenas como fanservice, mas que não acrescenta nada. Enquanto os mafiosos poderiam ser mostrados como sujeitos frios, calculistas e cruéis, são caracterizados como italianos acima do peso que comemoram comendo um enorme bife com as mãos (quem achou que Dexter era o fundo do poço para o David Zayas, precisa mesmo assistir a esse episódio).
Na tentativa de parecer adulta, Gotham só entrega a falta de maturidade. Quando se faz isso para entrar em um grupo de amizades, o tempo apaga e a lembrança sempre segue com o pensamento de “como fui tolo...”. Mas quando uma série de TV se sujeita a esse vexame, está sendo acompanhada por milhões de pessoas. Todo mundo está vendo a vergonha que Bruno Heller está passando.
Comente pelo Facebook
Comentários
Comente pelo Facebook
Comentários