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Com o tempo que teve em casa, Francis conseguiu dar uma atenção maior a estrutura do roteiro e tentou resolver os terríveis buracos que havia realizado no roteiro original. Sem um final ainda resolvido, Coppola continuava a bater na tecla de que se inspiraria com o que visse na selva, mas os copiões que assistia não era mais do que uma bela fotografia. As atuações não faziam sentido e tudo estava rumando para o nada. “O que esses malditos caras estão indo fazer?” Se questionava Coppola a Eleanor que gravou algumas de suas conversas com o marido. “Esse filme é um desastre de 30 milhões de dólares e digo do fundo do meu coração, o filme não ficará bom”. Eleanor rebatia: “É como um trabalho escolar, onde se tira um B ao invés de tirar um A++.” “Mas eu vou tirar um F!. Tudo que estou filmando é terrível e todos me dizem que é uma obra de arte! Porque ninguém me diz a verdade? Ficam dizendo ‘Francis trabalha melhor quando está em crise.’ Eu sou uma voz gritando ‘Me ajudem’ e ninguém vem. Acho que vou me matar!”. Gritava o diretor pela casa, em colapso nervoso.
“Ele nem de longe era o mesmo. Tinha crises de depressão e de superioridade. Eu, como esposa, só tentava apoiá-lo e não ligar para o fato de que íamos ficar sem casa.” – lembra Eleanor.
“Francis sempre teve uma coisa muito maluca em sua mente que era: ‘Se eu usar o dinheiro que eu tenho com ambição, ele se multiplicará. Ou seja, se usar 2 mil dólares sem temer os riscos, eles se parecerão 20 milhões.” – lembra Lucas. “Pena que na vida real, não é assim.”
Com os cenários reconstruídos, no final de Julho toda a equipe que teve coragem de retornar às Filipinas para a fase 2, voltou para o que seriam mais algumas semanas de filmagem. Francis queria voltar no começo de Outubro, o que não aconteceu.
Ainda sem um final e filmando de forma desesperada, tudo estava atrasado e Coppola usava a desculpa de que o filme era maior do que os dois Chefões juntos, o que era verdade, mas não justificava a degringolada da produção.
Certo dia, em meados de agosto, o advogado de Marlon Brando ligou e Eleanor pode ouvir: “Você está falando sério que Brando não quer vir filmar e ameaça ficar com o 1 milhão que está em mãos? Eu adoraria parar a produção, ir até ai e reescrever o final com ele, mas não tenho como fazer isso. O filme ainda está muito fragmentado para eu fazer isso. Não posso gravar o final agora. É pedir muito adiar por mais um ou dois meses?”. Os problemas se aglutinavam e Francis foi obrigado a criar um final e chamar Brando para as 3 semanas que tinha com ele.
Em Setembro, um gordo e careca Brando desembarcou em Manila. Ao vê-lo, Coppola levou as mãos ao rosto e disse baixinho: “Tenho de arrumar mais isso. Agora Kurtz é gordo”.
Os cenários estavam prontos. Corpos reais e restos mortais estavam espalhados por toda parte do set – mais tarde descobriram que o cara que arranjava os corpos dizendo que os conseguia em um laboratório, na verdade era um violador de sepulturas – e todos estavam a postos para gravar, mas Brando se recusava a atuar com Dennis Hopper – que estava sempre drogado e sem ter decorado suas falas – se recusava a aparecer de corpo inteiro nas filmagens, pois estava envergonhado por seu peso e não havia lido nada de “Coração das Trevas” ou estudado o roteiro. Francis escrevia enormes cartazes com as falas que eles improvisavam – pois o ator todo o tempo questionava o roteiro, que não achava bom – os colava em diferentes pontos do set e gravava por dia, rolos e mais rolos de improvisações sem sentido e que não diziam nada nobre o personagem ou a história. Deprimido, Francis desejava nunca ter começado o filme: “Eu não tenho performances, Eleanor! Estou gravando um monte de besteiras sem sentido e continuo as gravando pois não tenho nada em mãos. Marlon vai afundar o resto do filme e eu não sei o que fazer! Queria mesmo era cair de uns 5 metros e ficar aleijado ou quem sabe morrer, para fugir desse filme.”.
Mais uma vez o orçamento estourou e Francis teve um ataque epilético em uma noite após o jantar, mas assustadoramente no outro dia estava motivado outra vez.
Em um dos últimos dias de gravação com Brando, Coppola ficou tão frustrado, que entregou a direção a um dos assistentes de direção de arte, pegou seu helicóptero e foi embora. “Era o seu jeito de dizer ‘Foda-se’ a Brando.” Lembra o assistente, promovido a diretor por algumas horas.
Com o final do filme “gravado”, Francis liberou a equipe para as férias de natal em Dezembro de 1976.
Janeiro de 1977. Mais uma vez todos voltam para as Filipinas, desta vez com mais ânimo, pois achavam que em um par de dias estariam de volta às suas casas de uma vez por todas. A mídia começara a especular coisas sobre a produção, já que ninguém falava nada sobre as filmagens, colocando assim um véu de mistério no longa, que embora mais perto de ser concluído, ainda causava calafrios nos colaboradores mais próximos de Coppola.
Todos estavam exaustos. Já era Março e nada das filmagens andarem. Filmavam as cenas do barco semanas a fio até que no dia 06 de março sentiram a falta de Martin Sheen no set.
Na noite anterior, o ator sentiu fortes dores no peito, levantou, pegou um ônibus e foi deixado em um hospital precário em algum lugar em Manila. Quando fizeram contato com a equipe e direcionaram ele a um especialista, descobriram que Martin havia sofrido um forte ataque cardíaco, estava no hospital especializado e lá mesmo ficou: “No mínimo 4 semanas de hospitalização e não sei dizer se ele vai poder voltar a trabalhar tanto.” – dizia o médico a um Francis desesperado:
“Fred! Ninguém pode saber o que aconteceu com Martin, ok? Se essa fofoca chegar em Hollywood, estou acabado. Vou ser obrigado a entregar o que tenho, juntar os pedaços e terminar o filme, e ainda não tenho um filme, ok? Não mencione nada até eu falar que pode. Se Martin morrer, ok, daremos um jeito, mas antes disso acalme os ânimos por ai. Ok? Estou com medo, estou com muito medo pela primeira vez nesse filme. O médico disse que ele é jovem e talvez em 3 semanas eu possa fazer trabalhos leves com ele. É só isso que eu preciso ouvir. Por enquanto vou filmar algumas coberturas e dar um jeito, mas faça a equipe parar de ligar pra casa e dizer que Martin morreu.” – gritou Francis em uma gravação que Eleanor fez durante uma reunião.
As filmagens de planos gerais e detalhes sem Martin e com dublês no lugar do ator ocupou a todos por 3 semanas. O aniversário de 1 ano de filmagem veio, todos ignoraram tal fato e rezavam para que Martin voltasse logo e bem, o que aconteceu no começo de Abril e toda a produção foi acelerada ao máximo, pois 14 milhões eram o gasto adicional do filme e todos estavam assustados com qual seria o futuro da produção.
No meio de Maio, Francis deu por encerrada as filmagens e todos voltaram felizes para casa. O inferno apocalíptico havia terminado para alguns, mas não para Coppola.
O orçamento inicial de 13 milhões havia saltado para 31 milhões. A United Artists ficou assustada quando realizou uma reunião com Francis, que estava todo queimado com o sol das Filipinas, 45 quilos mais magro e com olheiras terríveis, então realizaram um seguro de vida para ele no valor de 1 milhão de dólares, para que em caso de sua morte, não saíssem tão prejudicados assim: “Francis costumava brincar que valia mais morto do que vivo, e era verdade” – lembra seu editor de som Jerry Ross.
Em 238 dias de filmagem, Coppola havia gravado mais de 250 horas de material e decidiu que faria uma enorme força tarefa para terminar o filme o quanto antes e contratou dezenas de editores sob a supervisão de quatro outros profissionais mais experientes e começaram a assistir todo o material nas salas da Zoetrope: “Trabalhamos meses e mais meses sem qualquer direcionamento, o que era libertador, mas como eram muitos editores, podíamos simplesmente botar tudo a perder.” Lembra um dos jovens que Coppola contratou. “Era uma loucura entregar o filme a um monte de jardineiros e desconhecidos que ele encontrava na rua, mas admito que ele deu oportunidade a muitos jovens que nunca conseguiriam entrar no ramo se não fosse essa sua loucura” – recorda Richard Marks, um dos editores chefe do longa.
Enquanto Francis perdia tempo contratando e despedindo pessoas, outros filmes eram lançados e faziam furor nos cinemas. Contatos Imediatos de Terceiro Grau de Spielberg e Star Wars de Lucas faziam milhões e estavam definindo um novo tipo de cinema para a indústria. O Franco Atirador de Michael Cimino – também sobre a guerra do Vietnam – fora lançado em dezembro de 1978 e Coppola teve de engolir as piadas constantes dos jornalistas que insistiam em chamar o filme de Cimino de Apocalypse First. O longa foi muito bem recebido e com críticas muito elogiosas, coisas que Coppola gostaria que acontecessem com seu filme que ainda permanecia congelado com apenas 30 minutos editado.
Toda noite Francis assistia às cenas do filme e viajava fumando maconha e “brisando” na cena em que todos no navio onde Martin Sheen está se divertem em águas inimigas ao som de LA Woman dos The Doors.
Meses e mais meses se passaram e o lançamento que estava agendado inicialmente para o natal de 1978, mudou para abril de 1979 e depois para Agosto de 1979.
O filme tinha finais diferentes e diversas pontas soltas e a United não ligava mais para o longa, já que estava com problemas e prestes a lançar uma nova empresa para sair do fosso, a Orion.
Tomando Lítio para a depressão e com seus complexos de grandeza indo e vindo, Coppola exibiu a cópia não finalizada ne Apocalypse Now em Cannes e levou o Palma de Ouro, o que não salvou o filme de algumas críticas negativas, tanto dos jornalistas quanto de seus amigos. Milius destruiu uma porta a socos, dizendo que Coppola arruinou seu roteiro e Lucas se queixou inúmeras vezes de ter entregado uma história na qual trabalhou por 6 anos e que Coppola havia destruído com sua “imaginação febril”.
Todos concordavam que os dois primeiros terços do longa eram impressionantes, mas o final que era bombástico e inconclusivo, não funcionava.
O filme foi bem visto e fez algum barulho, mas não agradou os executivos e decepcionou os que achavam que aquela seria a obra-prima de diretor. No fim o insucesso do filme e da filmagem tinham mais a ver com o nível de identificação de Coppola com seus personagens e sofrimento e entrega a um projeto que o consumiu do que de dólares e centavos. O filme se pagou e Francis se tornou o poeta do imperfeito, declarando inúmeras vezes que fazer filmes era como fazer vinhos. “Algumas uvas estão queimadas, outras não estão com o açúcar na dose certa, mas no fim, o suor do mestre pode fazer um bom vinho, que vai passar pelo paladar dos degustadores sem causar qualquer sensação extraordinária ou negativa”.
O filme, que no fim das contas custou bem mais de 40 milhões, arrecadou cerca de 150 milhões no mundo todo e foi indicado a alguns prêmios, mas só levou o Oscar de Fotografia, Som e Montagem.
Apocalypse se tornaria mais tarde um clássico, mas a que custo? Levou Coppola a nunca mais ousar determinadas aventuras e fazer, durante anos, filmes menores, com pouca relevância e pouca coragem. No fim a citação de Martin Scorsese veio a calhar:
“Nós colocamos tudo de nós em um filme, e se ele não fosse um sucesso, toda a nossa carreira desabava com ele. Houve diretores que depois de certos títulos não tinham mais nada, mais nenhuma vontade de lutar”. Talvez isso tenha acontecido com Coppola, que mesmo nas sessões de estreia de seus outros filmes, apareceu sempre cabisbaixo e com poucos sorrisos.
Artigo fantástico! Sempre quis saber com mais detalhes essa historia, dava até um podcast.
Que bom que curtiu, Francisco! Não deixe de conferir a primeira parte, se já não viu, e nem de conferir mais das minhas colunas – https://www.cinealerta.com.br/category/cinerama/
Grande abraço!
Muito bom!. parabéns!.