Pouco tempo após a segunda saída de seu interprete Sean Connery, o agente secreto James Bond precisaria retornar aos holofotes, e foi em 1973, ainda na mira do temível assassino da abertura clássica, que ele retornaria, notoriamente diferente já neste breve período, já que sua figura não usava mais chapéu na clássica abertura, onde é observado pelo seu antagonista. O tom mudaria, assim como todo o entorno.
A condução seria feita por uma figura conhecida no imaginário dos fãs de 007, já que Guy Hamilton havia dirigido outros dois filmes do agente. Com 007 Viva e Deixe Morrer começa referenciando atividades de negros, primeiro em um estranho funeral no Harlem, e depois em um ritual de magia em San Monique, aludindo de modo velado ao forte racismo presente no segundo livro publicado por Ian Fleming. A música de Paul McCartney, Live and Let Die, se tornaria clássica, ajudando a “dourar a pílula” em relação ao forte conteúdo.
Roger Moore, recém saído da série O Santo, só apareceria após sete minutos de exibição, e já em seus primeiros momentos, demonstraria um comportamento semelhante ao seu papel no seriado, Simon Templar, de playboy, milionário e inteligente homem, cujo humor e tiradas cômicas são marcas registradas, além, é claro, do combate em prol da justiça e senso de dever paladínico, cujo modus operandi envolve o agir de agente secreto.
Moore se diferenciava de Lazemby e Connery especialmente por não gostar muito de realizar cenas de ação. Mesmo as mais seguras eram quase todos ocorridas por dublês, exceto pelo trato com as mulheres. Já na primeira cena, Miss Caruso (Madeline Smith) tentar retirar-se incógnita, para Bond receber a visita de Moneypenny – que lhe lança um olhar recriminatório – e M. Com um gadget estilo imã, o espião abre o zíper da moça, em um dos show offs mais descarados da cinessérie, fato que se tornaria comum nessa fase de Moore.
Em Nova York, James começa a investigar junto aos gangsteres negros, em uma estética blaxploitation absurda, tendo somente a cartomante Solitaire (Jane Seymour) como elemento alvo dentro do elenco de vilões, servindo ao seu senhor Mister Big (Yaphett Kotto), um caricato chefão do crime no Harlem. A ajuda de Felix Leiter (David Heidison, quinto ator a encarná-lo) é mais uma vez bastante atrapalhada e equivocada, sem conseguir ajudar seu amigo em quase momento nenhum, pondo em sua rota até uma traidora, Rosie Carver (Gloria Hendry) a Bond Girl negra de maior destaque até então, uma mulher insegura e que não consegue nenhum de seus intentos.
Apesar de ter um desfecho rocambolesco, Viva e Deixe Morrer consegue ser um espécime engraçado dentro de sua proposta, apesar de todo o cunho preconceituoso que o filme teve, além do que foi suprimido, Moore teve uma boa introdução de seu estilo, em um filme que ao menos é bem dirigido por Hamilton.
Esta nova fase seria notória pela duração elevada de duração, quase sempre ultrapassando duas horas de exibição. Hamilton retornaria para a adaptação de 007 Contra o Homem da Pistola de Ouro, décimo terceiro romance de Fleming. O começo é curioso ao extremo, ao explorar o ideário de Scaramanga, vivido por Chistopher Lee, um exímio caçador, que desafia seus inimigos para um estranho jogo de causas assassinas em sua casa. Auxiliado por Nick Nack (Hervé Villechaize, o Tatto da Ilha da Fantasia), há sempre um número elevado de apostas. Curioso é notar que Bond demora dez minutos para aparecer, sendo a primeira imagem de Roger Moore, no filme, através de um boneco de cera, que sofre cinco tiros de Scaramanga, um em cada dedo, disparados pela pistora dourada.
O vilão envia ao MI6 uma bala, talhada com os números de 007, demonstrando o seu caráter de desafio ao agente. O peso dos anos pesa para a interprete de Moneypenny, Lois Maxwell, já aparentando uma idade que não correspondia ao intenso flerte dela com James, beirando meia década de velhice. O pitoresco no caso era notar que Maxwell tinha a mesma idade de Moore – e que era amiga pessoal deste – que por sua vez, era dois anos mais velho que Connery, e que não aparentava especialmente pela proeminente quantidade de cabelo que ostentava.
Moore segue evitando ao máximo cenas de ação que exijam esforço físico, sendo as sequências de luta as mais vergonhosas até este momento, só declinando com o passar do tempo. A busca de Bond faz relembrar o visto em Só Se Vive Duas Vezes, com uma viagem pela Ásia, atrás da origem da bala. Se no primeiro filme, houve uma exploração do tema cinema para negros, o subgênero homenageado eram os filmes de artes marciais que tiveram em Bruce Lee seu principal expoente, ainda que o tom neste seja de humor muito mais escrachado. O conjunto de bondgirls continham um número elevado de trocadilhos, como a asiática nadadora desnuda Chew Mee (Francoise Therry), e a também agente britânica Miss Mary Goodnight (Britt Ekland), que também está a caça do vilão. O subaproveitamento do papel feminino estava em voga, com mais banalização, inclusive na personificação da amante do antagonista, Miss Andrea Anders (Maud Adams), que basicamente serve de adorno à trama.
O embate com Scaramanga, apesar de muito aguardado, é bastante fraco e anti-climático, servindo até de aspecto subalterno para as interações atrapalhadas de Bond com Goodnight, somente para terminar o drama com uma piada fraquíssima com o nome da moça, e com o ator liliputiano preso no caralho (sim, o nome é esse mesmo) do navio.
A abordagem passaria a ser clássica – e mais séria – no filme seguinte, começando pelo rompimento com Hamilton, para a entrada a direção de Lewis Gilbert, que já havia feito Só se Vive Duas Vezes. Há duas marcas pontuais no filme, primeiro, esta é a produção inicial após a saída de Harry Saltzman, sobrando apenas Albert R. Broccolli como produtor, e segundo é o título, tirado do décimo livro, mas que não tem quase nada a ver com a trama reescrita por Christopher Wood e Richard Maibaum.
A exemplo de Moscou Contra 007, este é o espécime que mais possui elementos de espionagem, apesar de conter elementos fortes de galhofa, como a apresentação de Dentes de Aço (Jaws no original, vivido por Richard Kiel). Somente há duas garotas, a inominada moça da cabine, interpretada pela bela Sue Vanner, e a agente soviética XXX, a major Anya Amasova (Barbara Bach), que é uma versão visualmente muito semelhante a Goodnight, ainda que seus “dotes” sejam maiores, tanto em inteligência, quanto em beleza, levantando até a hipótese de ser este um pedido informal de desculpas pelo equívoco anterior com uma agente feminina.
A química entre os dois é funcional não somente na cama, mas também nas investigações pelo Egito, onde incrivelmente se evitam até cenas de luta, mesmo com um oponente físico formidável, como Jaws. A presença de dublês fica menos evidente, e os gadgets de Q são ainda mais inspirados, como o Lotus Espirit, o carro anfíbio. Em Espião Que Me Amava há a maior harmonia entre a suspensão de descrença e uma trama um pouco mais séria e elaborada, sendo este possivelmente o filme mais icônico de Moore, responsável por marcá-lo como 007 preferido de muitos.
Apesar de apelar para dois dos clichês mais comuns a franquia – tubarões e perseguições na neve – a construção da vilania e antagonismo é muito bem feita, com Karl Stromberg (Curd Jürgens) exercendo um poderio destrutivo semelhante ao de Blofeld nos filmes da primeira encarnação, ainda muito caucado na situação da Guerra Fria. Como era de se esperar, Moore termina o filme deitando-se com sua musa, a espera de um novo filme.
A corrida espacial e o fenômeno popular que se tornou Star Wars fizeram Broccoli e a United Artists decidirem mudar para uma trama que fizesse parte minimamente deste contexto. Gilbert retornaria para adaptar uma história que contém o mesmo nome, mas com diferenças enormes entre o original e este, tanto que o roteirista Christopher Wood lançou uma adaptação literária, chamada originalmente de James Bond and Moonraker. O começo viajandão já demonstra a total mudança de caráter e qualidade da trama, com Moore saltando sem paraquedas, extrapolando até mesmo a irrealidade antes mostrada, perseguido pelo carismático Dentes de Aço.
O espião é posto a par de mais uma situação genérica a respeito de roubos de aeronaves, sendo designado a visitar Hugo Drax (Michael Lonsdale), um homem excêntrico que já aparenta sua maldade antes mesmo de completar sua primeira frase. O caráter itinerante faz até o flerte com Corinne Dufour (Corinne Clery) ser justificado, já que é ela que prepara o translado do agente. A viagem passa pela Itália e depois abarca o Brasil, onde o agente fica com Manuela (Emily Bolton), que por sua vez é capturada por Jaws.
Pela terceira vez, Bond é acompanhado de uma mulher de ação, dessa vez é a Dra. Holly Goodhead (Lois Chiles), astrofísica que o auxilia, inclusive na tosca luta bordo dos bondinhos que ligam os morros Pão de Açúcar ao Morro da Urca. O roteiro é bastante atrapalhado, e as situações de perigo são tão risíveis quanto a noção de espaço que a produção faz do território brasileiro, já que o herói está no Rio de Janeiro e é atacado por sucuri, típicas de Amazônia, e ainda se veste com roupas típicas do Rio Grande do Sul, além dos transeuntes, que dançam um carnaval de Veneza.
O argumento envolve viagem com foguetes, bases espaciais, membros reprodutivos de ferro e um mirabolante plano de sobrevivência de uma “raça pura”, evocando ideais nazistas e fascistas por parte do vilão. Até uma batalha de astronautas, no vácuo acima da atmosfera ocorre, com direito a tiroteios em volta da estação.
Mesmo os eventos engraçados de Moonraker sejam claramente copiados de Spy Who Loved Me, desde os opositores secundários, até as homenagens e o desfecho com a bond girl mais bela. A produção, além de não apresentar nada novo, ainda reproduz porcamente um dos filmes mais clássicos do personagem, soando apenas como uma cópia barata de algo que já deu certo.
Em 1981 finalmente Somente Para Seus Olhos estreou, conduzido por John Glen, estreante na franquia mas responsável pela pentalogia subsequente. O nome foi retirado do oitavo livro de Fleming, que era um apanhado de contos, cujo homônimo era uma história sobre Bond vingando-se de inimigos de M. Tal aspecto foi usado no epílogo, onde Moore visita o túmulo de sua esposa morta e depois dá cabo do seu antigo arquirrival Blofeld, vivido por um ator genérico, que sequer mostra seu rosto, tendo um fim anti climático, absurdo e mal construído, fechando de modo tosco uma ponta aberta tempos atrás.
O preâmbulo é tão genérico que não gera grandes repercussões na trama, exceto pelo desejo de vingança de alguns personagens, como da bela Melina Havelock (Carole Bouquet), que vê seus pais sendo assassinados de modo cruel, e que tem em suas cenas a motivação necessária para executar isto.
Os temas de discussão realmente mudaram, já que se explora a questão da jovem Bibi Dahl (Lynn-Holly Johnson), cuja sonoridade do nome já anuncia seu papel de ninfeta, mas que é afastada por Bond exatamente por sua baixa idade, sinal claro dos tempos mudando e da discussão a respeito da pedofilia estar evoluindo. No entanto, o galanteio segue afiado, como com a Condessa Lisl (Cassandra Harris), resumindo a um simples interesse amoroso sem substância alguma além do mero enfeite.
O roteiro de Richard Maibaum e Michael G. Wilson contém elementos de três histórias de Fleming, sendo o conto que dá nome ao filme, outro conto, Risico, onde se investiga a ligação de russos com tráfico de drogas e alguns dos detalhes não explorados no filme Viva e Deixe Morrer. Além disso, há o uso de dois bordões da série, que são cenas em perseguições de esqui em plena neve, e o de tubarões como situação aterrorizante.
Apesar da boa premissa, falta liga ao argumento de For Your Eyes Only, apelando demais para os lugares comuns da série, mostrando claros sinais de envelhecimento temático e desgaste. Moore queria se aposentar do papel, mas foi convencido a permanecer, para mais aventuras, onde os defeitos anteriores seriam ainda mais grafados, piorados, não tendo sequer o pretexto dos bons momentos para suavizar a questão.
Robert Brown substitui Bernard Lee como M, já que o antigo ator faleceu e sequer foi utilizado no último filme, usando-se a desculpa de uma licença para isso funcionar. 007 Contra Octopussy – de péssima tradução, uma vez que Octopussy não é vilã no filme – é baseado no décimo quarto livro de Fleming, no primeiro conto deste.
Moore está claramente cansado, tanto em seus atos, quanto em sua pele, que cada vez mais cai. Mesmo as ações com as bond girls é tímida, como com Bianca (Tina Hudson), que basicamente é só uma motorista. A trama envolve um poderoso magnata, que quer destruir através de uma bomba atômica a Berlim Ocidental, e um longo arcabouço a respeito da questão. Octopussy, vivida por Maud Adams é mandatária de um grupo de mulheres fatais, que são manipuladas indiretamente pelo real opositor da trama, Kamal, vivido por Louis Jordan.
A historia passa por territórios “desconhecidos”, como a Índia, repetindo muitos dos erros vistos no filme do Brasil. O nível de galhofa também se eleva, ainda que seja cunhada em um charme muito maior do que nos outros filmes engraçadinhos de Moore, muito por causa da química entre herói e Maud Adams, uma parceira feminina mas condizente com a idade avançada do paladino, ao contrário da bela antagonista Magda (Kristina Wayborn). Bond segue em seu galanteio barato, apesar de sua forma cada vez mais digna de reclamações.
Não bastasse o último filme, em que o ator principal se arrasta. Baseado em um conto simultaneamente publicado no oitavo livro de Fleming e na revista playboy, 007 Na Mira dos Assassinos começa no Alasca, com Moore se esgueirando pela neve, a fim de derrotar seus inimigos, muito bem acompanhado pela loira Kimberley Jones (Mary Stavin), mais um enfeite para as fitas do espião.
Nesse filme Michael G. Wilson seria elevado para produtor junto a Broccolli, e não mais “só” produtor executivo e roteirista, função que já era dele desde Somente para Seus Olhos. A trama gira em torno de Max Zorin (Christopher Walken), um magnata dono de um haras, que junto a sua mulher May Day (Grace Jones), tenciona uma trama macabra a respeito de controlar o mercado de micro chips.
O argumento prioriza questões de espionagem, como a “união” com a agente russa Pola Ivanova (Fiona Fullerton) e o uso de um sobrenome falso como método de disfarce com Stacey Sutton (Tanya Roberts), uma mulher que o auxilia na busca por solucionar o intento de Zorin. O disfarce dura pouco, o que já era esperado, já que permanecer incógnito nunca foi o forte do agente. De positivo na direção de Glen.
A personificação de Roger Moore divide opiniões entre os aficionados, já que é comumente indicado como o preferido de muitos, apesar de sofrer duras críticas em relação aos roteiros tacanhos que lhe foram confiados. Há muito charme e muitas piadas com a personificação escolhida pelo ator, que pouco fez em sua carreira após a aposentadoria do smoking. Com um sotaque inglês mais evidente que seus antecessores, Moore tinha no estilo blasé, sua base de atuação, fator que disfarçava até sua canastrice, que evidentemente não o atrapalhou tanto no operar de 007.
Bonustrack – Nunca Mais Outra Vez
Lançado em 1983, enquanto Octopussy também chegava às telas, Nunca Mais Outra Vez tinha produção de Kevin McClory e Harry Saltzman, via Orion Studios, seguindo a esteira da polêmica em relação a autoria do roteiro de Thunderball. Com a direção de Irvin Kershner, o mesmo que era professor de George Lucas e que conduziu Imperio Contra Ataca, o longa traz de volta um ainda mais idoso Sean Connery que, munido de sua peruca fajuta de cor acaju, tenta exprimir o charme de seu personagem mais notório.
Connery tinha um físico invejável, especialmente para a idade que já ostentava, 53 anos, mas seu semblante chegava a ser engraçado, por ter uma forte caracterização que tencionava rejuvenescer o senhor. Uma das cenas mais controversas em Chantagem Atômica é refilmada de um modo bem diferente, retirando-se grande parte do cunho machista do filme, ao não ocorrer uma insinuação de estupro, ao contrário, com a enfermeira Patricia Fearing (Prunella Gee) fazendo chacota com a idade avançada do herói.
Curiosamente esse fator se juntaria aos muitos problemas de marca registrada que o filme teve, já que a EON Productions exigiu que não houvesse menção a 007, ou a James Bond no nome do filme, nem acesso a música tema do personagem, o que ajudou a descaraterizar ainda mais a tentativa.
O grave problema está ligado as vergonhas pelas quais o ator passa, pois o artista já tinha assumido sua calvície, e suas cenas de ação eram quase todas ocorridas com moletom, além das lutas serem bastante fracas, inferiores em 1983 até ao filme Sol Nascente, dez anos após esta fita. A trama segue semelhante ao primeiro filme que adaptou a novela, com diferenças pontuais, como o predomínio da cor vermelha, na maioria das cenas, especialmente nas que envolvem embate com Maximilian Largo (Klaus Maria Brandauer), incluindo até a disputa amorosa por Domino Petachi, vivida dessa vez por Kim Basinger, ainda no começo de carreira.
Falta tudo, falta disposição de Connery como Bond, falta personificação e identidade, faltam a maior parte dos elementos que fizeram do personagem imortal, falta o glamour do agente. A questão da idade do ator torna-se até secundário perto dos problemas do filme caça-níqueis, a comparação com os filmes clássicos do ator beira a covardia, perdendo até para seu concorrente. O fato de ter permanecido no topo das bilheterias por quatro semanas – coisa que não ocorreu com Octopussy – se devia exclusivamente pela curiosidade em ver o ator de volta ao seu mais famoso papel.
Todos os eventos que deram certo em Thunderball não funcionam neste, basicamente refazendo de maneira muito mais tosca o primeiro filme da EON que ousava em termos de efeitos especiais. Não há nem de longe o mesmo charme que ocorreu no original, e como cinema, Never Say Never Again é talvez o mais fraco produto que carrega o nome James Bond, que ainda sofreu outra tentativa de refilmagem, por parte de McClory, com Warhead 2000 A.D. que seria protagonizado por Thimoty Dalton, cujo caráter possivelmente tão tosco e sem alma quanto este, tão pobre em qualidade e anacrônico como este, resultaria apenas em um caça-níquel.
- Texto de autoria de Filipe Pereira, crítico de cinema e editor do site Vortex Cultural