A Árvore da Maldição é um filme de horror comandado pelo cineasta William Friedkin. Lançado em 1990, a obra possui uma trama simples, pautada em um drama familiar que envolve uma babá de intenções estranhas e origens místicas.
Essa é uma produção diferente do que era comum a filmografia do cineasta. Friedkin já não gozava de tanta confiança dos grandes estúdios, tanto que vinha da condução de filmes para televisão, como Esquadrão de Ataque e Grupo Tático de Elite. Aqui ele tenta retornar ao tema do horror, gênero esse que não frequentava desde O Exorcista. O desafio foi tão grande que ele utilizou inclusive a mesma fonte do clássico nas letras dos créditos desse.
O longa-metragem foi originalmente pensado para ser conduzido por Sam Raimi, mas ele estava indisponível, dirigindo o seu Darkman: A Vingança sem Rosto. Friedkin então foi escolhido para adaptar em tela um texto baseado no livro The Nanny, do autor Dan Greenburg.
Durante a condução houveram alguns problemas com o roteiro. O texto inicialmente escrito por Stephen Volk (de Ghostwatch) foi sofrendo uma série de mudanças, que fizeram com que o profissional saísse do projeto, apesar de receber créditos de texto. O roteiro então foi tratado por Greenburg e terminado pelo diretor.
O filme tem como nome original algo genérico: The Guardian. Em Portugal tem um nome mais sugestivo, O Anjo das Sombras. Também é conhecido como La Nurse no Canadá e na França, Angél de Las Sombras no México e La Tutora na Espanha.
O longa foi rodado pela Nanny Productions, junto a Universal Pictures, que também distribuiu a obra pelo mundo. Os efeitos especiais ficaram a cargo da Cinema Research.
Ele foi filmado rodado em Valência, na Califórnia e possui uma versão suavizada, lançada para a televisão a cabo. Esse corte foi tão alterado que o crédito de direção foi dado a Alan Smithee, que é o nome genérico usado para simbolizar que o diretor não esteve presente na maior parte das decisões importantes. No entanto, Friedkin afirmava que jamais viu essa versão, jogando assim a responsabilidade para as produtoras, que mexeram no filme, deixando ele descaracterizado.
Esse corte não foi lançada em DVD ou demais formatos domésticos, mas é dado que ela possuía algumas cenas no hospital, sequências de sonhos e ângulos alternativos para algumas cenas, fora que o final é diferente, com menos sangue no último confronto.
Antes do filme de fato começar, é mostrado um letreiro, que explica a existência de uma ordem religiosa muito antiga que adora árvores. Os membros dessa ordem são conhecidos como druidas, e dentro desse culto era comum fazer sacrifícios, até humanos, as grandes árvores.
Para esses adoradores, cada árvore tem seu espírito guardião. A maioria está alinhada com a bondade e a vida, mas algumas incorporam poderes das trevas e do mal.
A partir daqui falaremos sobre a trama, incluindo também alguns spoilers.
O longa começa mostrando a família Sheridan, em um momento bem breve. Nessa curta apresentação é dado que eles têm um bebê de poucos dias, que é cuidado por uma babá chamada Diana.
Nessa sequência também é percebido que as crianças leem um livro ilustrado de Hansel and Gretel, a história de João e Maria, que foca em crianças que estão em perigo de serem comidas por uma bruxa.
Isso é obviamente um sinal, tanto para a literatura, uma vez que a trama conversa com o mesmo conceito do conto de fadas, quanto para o filme, uma vez que o livro foi um indício para um dos personagens suspeitar de que algo estava errado em sua família.
Do lado externo da casa ocorre uma correria causado pela babá, que levou a bebê para o lado perto de uma árvore antiga, elevando a neném para o alto. A imagem da criança aparece entalhada na madeira imediatamente após uma gritaria desesperada. A sequência toda ocorre rapidamente, tal qual em um pesadelo.
Três meses se passam e aparece outro núcleo familiar, baseado nos Sterling.
Phil é um jovem interpretado por Dwier Brown, que se muda para Los Angeles, a fim de conseguir o emprego dos seus sonhos. Ele e sua esposa Kate (Carey Lowell) decidem ir atrás desse sonho, largando para atrás amigos, familiares e a vida mais calma de Chicago.
Eles ficam na dúvida se deveriam ir morar em uma nova cidade, afinal, Kate acabou de descobrir que estava grávida. Decidem enfim ir para LA, e o filme não demora a mostrar ela com um barrigão.
Friedkin se permite mostrar em tela cenas do nascimento, incluindo imagens de um parto real, evocando a condição de documentarista que o diretor sempre teve. Esse aliás é o ponto mais pé no chão da trama. Como bom filme B que é, esse apela para o fantasioso e para o fantástico, de um modo até grotesco em vários pontos.
Pouco tempo depois que Jake nasce, a família decide procurar uma auxiliar, uma vez que a sra. Sterling quer voltar a trabalhar como decoradora. Eles entrevistam moças, ficam entre duas, mas uma delas acaba se acidentando de maneira bastante suspeita, sobrando então Camilla (Jenny Seagrove), uma mulher jovem, de origem estrangeira.
Apesar de ter sido a segunda opção, é um fato que a personagem é intrigante. É bonita, comportada, tem em si a pecha de ter uma criação europeia, além de que carrega um sotaque britânico que lembra os clichês de babás, como eram Nanny McPhee ou Mary Poppins.
No entanto, Seagrove ficou insatisfeita com o roteiro apresentado. Pouco depois do lançamento do filme, a atriz disse em entrevistas que achava a ideia de sua personagem ser uma babá druida muito ruim.
Ela teria implorado à Universal que ela fizesse uma babá humana, que sequestrava bebês. A desculpa do estúdio é que o público de meia-idade não compraria essa ideia e em 1992, foi lançado A Mão que Balança o Berço, fato que a fez se indignar, uma vez que a história desse se assemelha demais ao que ela considerava ideal.
Polêmicas à parte, há uma exploração gradual de um mistério familiar, não ficando claro se há ou não uma interferência mística. O pai da família acorda no meio da noite, graças a estranhos tremores, que são comuns nos arredores de Los Angeles e vai verificar se sua criança está bem. Nesse ele encontra o filho na banheira, junto a sua babá, que dá banhou nele completamente nua, sem receio de ser vista assim por Phil.
A reação dele é a de ficar em um silêncio quase catatônico. Ele não se mostra incomodado pela exibição da moça, tampouco age no sentido de se permitir seduzir. Ainda assim segue abraçando o ceticismo, mesmo que todos os estranhos eventos ocorram perto de si e não de sua esposa.
Em outro ponto, ele adormece em cima dos desenhos que faz, sonha com um livro interativo de João e Maria, depois enxerga o filho perto do caule de uma árvore antiga, vê também uma criatura monstruosa e peluda, uma versão gigante de um animal, que se assemelha a um lobo ou um urso. É despertado antes que ele ou seu filho caiam em perigo.
Boa parte das cenas se dá em momentos escuros. Isso serve para demonstrar o espírito de toda a trama, que sempre se baseia nas sombras, mas também serve obviamente ao ponto de esconder os efeitos especiais precários.
É dado que houveram duas equipes trabalhando nos efeitos especiais. Depois que uma cena com a tal árvore não funcionou bem, foi chamada uma nova leva de profissionais, que construiu outra árvore, que continha 500 galões de sangue falso e casca destacável.
A cena com a primeira equipe acabou no corte final. É nítida a diferença entre as tomadas, com a primeira sendo um momento engraçado, onde um grupo de bandidos ataca a babá que passeava pelo bosque, enquanto o segundo se dá só no final, em uma batalha grotesca e épica, onde a trasheira corre solta.
Apesar das tosquices, é indiscutível que o filme é divertido, exatamente por não se levar a sério. Fora a babá e os pais, quase todos os personagens são assumidamente caricaturais.
Isso ajuda a trama, afinal, quando eles morrem, o impacto é dado basicamente na cara de pau em exibir efeitos práticos tão ruins, não se sente pena ou dó dos que morrem, especialmente quando são bandidos.
Quase todos os momentos com a árvore são engraçados, desde o início da trama aliás. Há um largo uso de bonecos e de brinquedos, que tentam emular uma condição realística, mas esbarram na óbvia questão de serem totalmente falsos.
As cenas de combate são mega violentas, a primeira engloba cortes nos corpos dos bandidos, termina com eles sendo consumido pela madeira que tem formato de boca, outro é atravessado por um tronco em forma de estaca, o terceiro é simplesmente pego pelo fogo, enquanto o último é devorado por coiotes.
Depois dessas mortes violentas, Camilla parece saciada. De alguma forma, ela desfruta desses homicídios, como a árvore se alimentou ela também sente o deleite, em uma clara sinergia com o artefato antigo. Como ela está bela e com uma feição de plenitude, é fácil associar as suas sensações a um prazer.
Nesse trecho ela inverte o papel de presa e predador, uma vez que toma a vida daqueles que a ameaçaram instantes antes.
No dia a dia dos Sterling, a babá faz serviços mil, incluindo o de garçonete, já que ela serve os convidados da família em um jantar. Quando o faz ela está vestida de maneira impecável e sugestiva, brincando com o fato de ser bela e sensual. É um fato que ela sente prazer em se exibir, não ficando claro se ela faz isso por vaidade ou por motivação mística.
Ela chega a despertar interesse de Ned, um dos personagens amigos de Phil, interpretado por Brad Hall. Esse elenco ainda tem a presença de Miguel Ferrer, que interpreta o chefe do protagonista. No entanto ele mal tem um papel breve, bem pequeno.
É interagindo com Ned que ela dá a primeira pista física de que não está bem. Quando ela sobre o andar e vai até os seus aposentos, revela que a pele de sua barriga está uma ferida, há algo ali que assemelha a uma farpa gigante.
Como o visual do filme é precário e a fotografia de John A. Alonzo é muito escura, não fica claro se ela está se transformando em um ser vivo de madeira ou não. Algo de errado ocorre com ela, há uma transformação em curso e ela tem pressa.
Nas primeiras conversas entre babá e patroa, Camilla afirma que era importante alimentar a criança com leite materno, destacando a importância até as primeiras quatro semanas. Segundo ela, todo o sangue de um bebê mudava nesse período de 28 dias, fato que deixa o espectador em alerta.
Jake se aproxima do vigésimo oitavo dia de vida e Camilla age de maneira cada vez mais estranha. O pobre Ned se aproxima dela, querendo conversar e se engraçar com a moça, mas recebe em retribuição a perseguição de uma alcateia, a mesma que atacou os bandidos.
Ao menos os efeitos de transformação são bons. A escultura de madeira lembra mesmo o corpo e as feições de Seagrove. O problema real é que a atmosfera de suspense é praticamente inexiste. Não se cria expectativa para as ações da vilã, elas simplesmente acontecem.
Camilla é tratada como uma personagem mística e má, que tem um contato inexplicado com a natureza, sendo capaz de convocar animais e conjurar feitiços para cumprir os seus desejos.
No entanto essa sintonia com a natureza é a única semelhança com a lenda dos druidas, presente no início do longa. Não há nenhum desenrolar dramático fora essas referências rápidas e porcas.
Phil decide começar uma investigação por conta própria. Acaba encontrando Molly Sheridan (Natalia Nogulich), que imediatamente denuncia a babá que trabalhou na casa deles.
Rapidamente ela percebe o óbvio, que Camilla e Diana são a mesma pessoa, ainda acaba denunciando que a agência de babás Anjo da Guarda não cooperou com as investigações dela. Quando Molly culpa a agência, fica difícil para Phil concordar com a teoria dela, uma vez que parece mesmo algo esdrúxulo.
No entanto ele fica na dúvida, mesmo não tendo qualquer contato com o detetive particular que Molly contratou. Em alguns pontos parece que a produção economizou até em quantidade de personagens.
O pai entra em pânico ao perceber que Jake já tem 4 semanas, que é a data limite para a troca de sangue do corpo. Começa então uma caçada frenética, para entender onde estava a babá e para encontrar a tal árvore sagrada bizarra.
O último terço de filme é mergulhado na perseguição, que começa da família para com a babá, mas termina com um avanço da "bruxa" sobre os Sterling. Ela tenta pegar Jake para si, usa os seus coiotes para perseguir Phil e Kate. É nesse ponto que Friedkin retoma a perspectiva de câmera em primeira pessoa, para simbolizar a visão do monstro.
O problema aqui é que esse tipo de abordagem era novidade vinte anos antes, em 1990 já era até um clichê bem estabelecido.
Enquanto o sujeito brinca de imitar Ash Williams de Uma Noite Alucinante, serrando a árvore com força, Diana/Camilla sente os golpes refletirem em si.
Enquanto a árvore sangra, a mulher tem seus membros quebrados e retorcidos.
As cenas dão agonia, e mesmo que os efeitos soem falsos a batalha em si é muito boa
As atuações são sofríveis, quase todos os personagens estão abaixo da linha de mediocridade. São exagerados, quase teatrais em certos pontos. Reforçam a condição de filme B, até por não ter ali qualquer grande ator ou orçamento grandioso.
Friedkin daria a volta por cima na década seguinte, adaptando peças de teatro como Possuídos e Killer Joe, mas nessa época, era esse tipo de obra B que ele fazia. Não há vergonha nenhuma nisso, diga-se. Autores com carreiras longevas passam por períodos de entressafra.
Esse pelo menos é um produto divertido e engraçado, que sabe como não se levar a sério, mesmo sem ser uma comédia rasgada. Os momentos involuntariamente engraçados seguem com Camilla perseguindo a família de todas as formas possíveis.
Ela voa, flutua pela floresta no período da noite (para disfarçar os cabos), mas até a tosqueira tem seu freio, uma vez que próximo do final os efeitos de Phil Cory (Praga Infernal), ficam melhores, acertam mesmo nos trechos mais especulativos. O trabalho de maquiagem de efeitos é bem explorado também, seguindo um bom trabalho de Matthew W. Mungle, que anos mais tarde, estaria em Drácula de Bram Stoker e Albert Noobs.
A Árvore da Maldição é uma bobagem maravilhosa, uma obra que sabe de suas próprias fragilidades, que trabalha com pouco e que acerta exatamente por investir na canastrice e no horror corporal. É uma obra divertida e trash, sendo certamente um dos episódios mais engraçados da filmografia de Friedkin.