Nefarious : O filme que busca mostrar de maneira realista a possessão demoníaca

Nefarious : O filme que busca mostra de maneira realista a possessão demoníacaNefarious é um filme de terror polêmico, mas não por motivos comumente associados ao gênero. Lançado nesse ano de 2023 é uma obra dos diretores Chuck Konzelman e Cary Solomon, conhecidos por fazer trabalhar em produções de cunho religioso e esse é um filme cristão, por mais contraditório que isso possa parecer, dado que explora temas profanos.

A contradição de falar sobre o medo e sobre maldades passa pela mensagem religiosa, pela visão evangélica e protestante do cristianismo. Não é incomum que pastores, bispos, presbíteros e ministros proíbam seus fiéis de ver obras desse tipo, ou meramente aconselham a evitar isso. A ideia aqui é tomar o filão para si, se infiltrar para dar um panorama realista sobre possessão, tendo um viés de análise ligado obviamente aos preceitos evangélicos.

A sinopse fala de um sujeito, no corredor da morte, que tem que passar por uma avaliação psiquiátrica. Sem ela o homem não pode ser condenado. A grande questão é que ele afirma ser possuído por um espírito demoníaco, fato que o faz parecer obviamente louco.

O personagem diz não ser mais humano, embora tenha lapsos breves, onde sua contraparte humanizada toma o discurso. Seu discurso é o de que é a entidade de nome difícil, que ao aproximar das línguas humanas pode ser chamada ou de Nefariamus ou Nefarious.

Esse é um anjo caído, que em suas primeiras palavras, afirma que o novo psiquiatra designado para analisar o caso, cometerá três assassinatos.

O longa é uma produção do estúdio Believe Entertainment, conhecido por fazer obras baratas e de mensagens cristãs, como Deus Não Está Morto, Você Acredita e alguns telefilmes de temática semelhante, como Office Race. O longa foi distribuído pela Deo Gloria Releasing.

A dupla de diretores já trabalhou dentro e fora do filão de fitas cristãs. Juntos, conduziram o horror Insaciável: Sede de Sangue em 2006, que inclusive, traz em seu elenco Sean Patrick Flanery. Os realizadores começaram a escrever e produzir os filmes da série Deus Não Está Morto, Você Acredita, The Book of Daniel, retornando a direção no também religioso 40 Dias: O Milagre da Vida de 2019 e nesse Nefarious.

Produzido por Solomon, Sheila Hart (de 40 Dias) e Chris Jones, que fez vários filmes gospel, entre eles, Amor Incondicional: A História de Oseias. Tem produção executiva de Konzelman e Solomon, também com Lori Cramer, Robert Cramer, do romancista Steve Deace, Steven Katz, Dave Kutscher, Bob Vander Plaats, John Sullivan e Dave Van Wyk.

O elenco é bem curto, até para se acomodar dentro do orçamento pequeno. Há basicamente dois grandes personagens e outros mais acessórios, que aparecem pouco, de forma que estão mais para figurantes do que coadjuvantes.

O protagonismo varia entre o preso, Edward Wayne Brayd e o doutor James Martin, o analista designado para o caso do bandido.

Edward é feito pelo já citado Sean Patrick Flanery de Energia Pura, Santos Justiceiros e Jogos Mortais: O Final. Ele é creditado mais por ser a entidade que dá nome ao filme do que por ser Brady. Já o Dr. James Martin é feito por Jordan Belfi, de Amanhecer Violento, Substitutos e V/H/S 85.

O roteiro foi escrito pelos diretores e é uma espécie de prequela dos romances do produtor executivo Steve Deace, à saber A Nefarious Plot de 2016 e de A Nefarious Carol, lançado em 2020. Segundo o autor dos livros, o objetivo deste filme é "assustar as pessoas" e nisso acerta pouco.

Deace é uma personalidade que busca ser bastante midiática, se apresenta como alguém audacioso e até um pouco prepotente. Quando lançou seus romances, falava em entrevistas que escreveu o primeiro livro como uma sequência espiritual de The Screwtape Letters, de CS Lewis, também dizia que os demônios inspiraram Hollywood a retratar Jesus Cristo como um alvo fraco, tal qual ocorre em A Última Tentação de Cristo. Também cita que os anjos caídos odeiam filmes esperançosos, como Homem de Aço de Zack Snyder ou o nunca filmado Superman Lives, de Tim Burton com Nicolas Cage como o herói kriptoniano.

Aparentemente, na realidade que o escritor propõe, o Deus cristão é decenauta, ou o Diabo é fã da Marvel.

Deace tentava promover seus trabalhos com frases de impacto, mas esse filme não possui esse tipo de propagação só da parte dele não. O padre e reverendo Gary Thomas, cuja experiência como aprendiz de um exorcista forneceu a base para o filme O Ritual, afirmou que Nefarious foi o filme mais realisticamente preciso sobre possessão demoníaca que ele já assistiu.

Os cineastas disseram que a ideia central do longa-metragem era apelar para uma forma diferente de ministrar o cristianismo. Na ideia deles o dever do filme era retratar a teologia do ponto de vista do Inimigo, dando espaço para o que possivelmente é a visão demoníaca sobre o cristianismo e sobre a vida cristã, caso de fato exista Deus, o Demônio e seus pares. Essa é assumidamente uma obra panfletária.

Segundo Solomon, um dos motivos que o fez decidir optar por adaptar essa história foi uma pesquisa que viu, onde 7 entre 10 pessoas acreditavam ter algum tipo de transtorno mental, com 4 em cada 7 acreditando que sua desordem psíquica foi infligida por espíritos demoníacos.

Falaremos abertamente sobre a trama, com spoilers. Recomenda-se ao leitor curioso sobre a trama, que veja o longa-metragem antes de terminar a leitura.

Nefarious : O filme que busca mostra de maneira realista a possessão demoníaca

O longa se inicia com um prólogo, que mostra um sujeito caucasiano, bem-vestido, que mora em um lugar bonito e bastante caro, se aprontando para uma saída. Ele é Alan Fischer, personagem do dublê Mark De Alessandro, um homem cuja câmera gosta tanto, que mostra seus prêmios e seu diploma na parede.

Alan é um psiquiatra com doutorado, um estudioso e nesse início é dado que ele é um homem muito bem-sucedido. No entanto isso não impede de se mostrar melancólico, já que ele sobe pelo elevador para se jogar de um andar superior.

A cena que revela isso é bem montada, exibindo a situação através da câmera que permanece no mesmo lugar, registrando a queda do corpo, pelo vidro da janela. Ele tenta o suicídio e logra êxito, fato que ajuda a corroborar que há uma grave perturbação nessa narrativa.

A cena em si é competente. A fotografia assinada por Jason Head, cuja experiência passa por fazer parte da equipe de filmes como Alita: Anjo de Combate, é bem normativa, valorizando o drama pesado da cena. Visualmente o filme não foge do lugar comum, mas tem seus bons trechos, mesmo ao habitar em uma redoma de mediocridade.

Não demora até a que a trama vá para o seu local de base, em Oklahoma. Entra então uma tomada de drone, que sobrevoa o local onde fica uma penitenciária que servirá de cenário, enquanto uma voz em off, do rádio, discute sobre o julgamento de Edward Wayne Brayd.

O homem em questão matou seis pessoas, ao menos até onde a polícia conseguiu encontrar, sendo encaminhado para a sua pena mortal logo, via cadeira elétrica.

O doutor Martin, pupilo do recém-falecido Fischer, chega até a cadeia, para substituir seu mentor no caso de Edward. Não há muita cerimônia ou preparação de atmosfera, o suicídio do primeiro psiquiatra é o máximo de ambientação sombria que o filme dá, além do discurso óbvio de que o personagem de Flanery é manipulador

Edward diz estar possuído e a trama segue assim, dentro dessa condição. Todo o roteiro gira em torno desse assunto, de uma maneira tão obsessiva que se torna monotemática, não há nada além dessa discussão, até os temas subalternos orbitam em torno disso.

Como bom homem das ciências o dr James se apresenta como alguém cético, que põe em cheque sempre que pode o testemunho de Edward/Nefarious. Flanery muda ligeiramente de expressão quando assume as diferentes personalidades e isso é notável, mas não há exatamente uma mudança tão brusca ao ponto de notar que são pessoas diversas. Nesse ponto inicial, James não está incorreto.

O ser afirma ter matado inúmeras pessoas durante sua existência, mas não fica claro quantas ele assassinou usando o corpo de Wayne Brady, assim como não revela se há algum refém escondido em algum lugar. Nem James e nem os policiais se preocupam muito em tentar tirar dele qualquer verdade, em especial sobre vítimas não encontradas. Resta a dúvida se foi por descuido do roteiro de Solomon e Kozelman, ou se é pelo fato dos policiais e médicos terem cedido ao cansaço de serem sempre enrolados pelo assassino nefasto.

O longa começa com muita falação, com muitos diálogos e segue assim boa parte da duração. Não há muito respiro, ao contrário, a intenção é deixar o espectador em uma situação incômoda e claustrofóbica.

Ao menos um dos artistas gostou muito de fazer. Flanery elogiou a dupla de diretores, inclusive aceitou o papel por conta de ter gostado de trabalhar em Insatiable. Também disse que o roteiro foi tão cirúrgico que mal precisou improvisar, disse que se acrescentou duas sílabas, foi muito.

Nefarious : O filme que busca mostra de maneira realista a possessão demoníaca

Essa é mais uma obra sobre possessão de espírito imundo que associa a tomada do corpo pelo maligno graças a falta de batismo. Esse discurso conservador é no mínimo complicado, pois é reducionista, associando um preciosismo ao discurso cristão que o faz parecer tolamente virtuosista.

Curiosamente esse fica ao lado do filme supostamente progressista O Exorcista: O Devoto, do hoje criticado David Gordon Green, que em seus discurso torto, também liga a possessão ao não batismo de uma pessoa.

O filme não tem muita movimentação ou variação de local e personagens. O máximo de interação fora os dois citados são funcionários do presídio, como o diretor e um capelão, que serve de despiste para se imaginar que haverá uma sessão estilo O Exorcista, mas que jamais ocorre.

Até há um esforço para mostrar a ineficiência das leis punitivas dos Estados Unidos, exibindo elas como exageradas, mas não se aprofunda muito nisso. Paira sobre a obra um grande receio de parecer progressista ou esquerdista, então se evita refletir em pensamentos mais críticos ao status quo.

De positivo há o fato de que não se apela tanto a clichês de sustos, exceção a um momento ou outro, como quando uma lâmpada explode no local de entrevista. Quase nada é realmente assustador, exceto o discurso, que em se tratando de um filme de horror, está longe de ser pesado.

As pessoas que chamam esse filme de realista são crédulas, crentes e devotas, sendo assim, normalmente associam que filmes sobre demônios ou entidades do terror são pecaminosos só de assistir.

É bem natural que esse público tenha receio ao ver esse Nefarious, afinal, não tem muito parâmetro para determinar o que é pesado ou não. Para o espectador mais experimento, esse corre o risco de parecer monótono.

Teoricamente, todo demônio é um anjo caído, a essência de todo estudo teológico sobre os anjos dá conta disso, inclusive na Bíblia Sagrada cristã. Essa é uma informação dada em qualquer leitura bíblica superficial, no entanto, Nefariamos se diz um dos antigos anjos caídos, diz inclusive que era muito próximo de Lúcifer, a Antiga Serpente ou Diabo.

Afirmar que é um anjo caído é algo meio que óbvio para um demônio, não há nada de especial nisso, não há notícia ou uma linha sequer dentro do cânone bíblico sobre novos anjos caindo após a expulsão de Lúcifer, tampouco se falar sobre a transformação de humanos mortos em demônios, ou seja, todo demônio é um anjo caído e ponto. Portanto, ele falar dessa forma parece ser apenas bravata, ou é desconhecimento dos escritores.

É curioso como o filme tenta parecer fiel a lógica cristã protestante de possessão demoníaca, mas ignora que a maioria das vertentes evangélicas afirma que entidades infernais de alto escalão trabalham sobre nações, sobre grandes espaços de terra, espalhando dor e desgraça.

Para a maioria desses estudiosos, possessões são executadas por espíritos imundos de castas inferiores, não por grandes forças infernais. Como a natureza do Diabo é mentir, seus asseclas também poderiam fazê-lo, por isso falar de si de maneira grandiosa poderia ser um artifício, no entanto, essa possibilidade sequer é levantada, nem mesmo pelas autoridades eclesiásticas.

O filme se resume a uma entrevista entre doutor e preso, quase sempre sem grande desenvolvimento sentimental ou emocional. Só fica minimamente interessante quando a entidade dá detalhes da vida pessoal de James.

Tal qual em O Advogado do Diabo, o espírito imundo atenta contra a vaidade do protagonista humano, ferindo seu ego narcísico, tentando atingir a sua pessoalidade.

Nefarious : O filme que busca mostra de maneira realista a possessão demoníaca

Flanery não está atuando mal, mas a confecção do personagem duplo esbarra em tolices, como a construção da insegurança de Edward se resumir a tremores de pele, acompanhados eventualmente de falas gaguejadas.

Nem mesmo a descrença dos agentes carcerários é um fator valorizado. Colocar gente do povo olhando para o condenado com desdém ou desconfiança seria fundamental para tornar a obra crível. Até se flerta com essa condição, mas ela logo é deixada de lado.

O máximo que ocorre é uma crueldade banal, quando Nefarious abre mão da última refeição escolhida por seu colega de corpo. Tudo gira em torno de um discurso barato, que está presente aqui só para valorizar a ideia de que Jesus foi o fator primordial para a derrota das hordas infernais sobre a humanidade. Isso é mais do que dado, é óbvio em qualquer roda de conversa entre cristãos.

A repetição pura e simples tira força do discurso, faz irritar e faz parecer que ele é propagado sem certeza.

Mais uma vez faz perguntar o motivo do demônio ter tomado uma pessoa. É puramente para fazer show off e para demarcar território, fato que deixa o personagem parecendo patético.

Os poucos bons momentos estão nas pistas que Nefarious dá sobre seus poderes de conhecer a intimidade de quem o encara. Isso é de fato assustador, assim como as ameaças que ele faz a James, de que siga o seu plano, de publicar o livro que Edward rascunhou no cárcere, que estavam juntos inclusive de fotos e fatos sobre a infância de James.

As cenas de combate físico são poucas e não são assustadoras, por mais tensas que sejam. Edward é condenado e a cena em si é tratada com glamour e agressividade, mas se torna realmente nervosa quando o demônio se vinga, tomando as ações de James, fazendo ele roubar uma pistola, em um ambiente fechado, que só não termina com suicídio graças ao fato do homem incrédulo ter apelado a Deus, para que o ajudasse.

Há uma tentativa de manter uma dualidade, com uma cena no final, que mostra Martin dando uma entrevista em um talk show tempos depois, assumindo que a autoria do seu livro era de Edward, ou do espírito que o habitava. Esse trecho traz o radialista e apresentador de TV Glenn Beck em uma participação especial, dele que foi uma das primeiras pessoas famosas ​​a promover e defender o livro A Nefarious Plot.

Nefarious força demais na tentativa de mostrar um mundo realista com pitadas de sobrenatural. Não convence quem não acredita previamente, servindo assim ao intuito de pregar apenas para convertidos. Possui atuações medianas e aspectos técnicos medíocres, resulta assim em um filme que não traz medo e que possivelmente causará sono em quem não é parte do restrito público alvo.

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