Ghostwatch foi um experimento televisivo único, exibido em outubro de 1992, na data do Halloween, foi um programa que passou na rede aberta de televisão do Reino Unido em meio a programação comum. Como houve um grande cuidado para fazer o especial ter um aspecto de ser algo ao vivo, acabou gerando uma comoção negativa e jamais foi reexibido, graças também a reação do público em geral.
Conduzido pela diretora Lesley Manning, o especial conhecido no Brasil como Vigília Paranormal, teve uma aura de lenda urbana em torno de si por anos, até ser relançado em mídia física.
Na época de sua exibição foi bastante criticado por conta de não ficar exatamente claro que era um produto ficcional, mesmo com um aviso antes da exibição – o que não ajudava tanto, uma vez que a audiência rotativa em 1992 poderia não pegar esse informe – além de ter o selo da BBC One, que é a divisão do canal voltada para dramaturgia.
Havia também um aviso telefônico no número da BBC exibido em tela – que inclusive, era o número real do canal - mas obviamente a linha telefônica foi tão acessada que foi sobrecarregado, e não dava para ouvir o tal aviso.
A construção desse cenário de pseudo-realidade mora em seu elenco. Há atores fazendo papeis pontuais, mas a trinca de apresentadores era bastante conhecida do público, a começar por Michael Parkinson. Ele era um apresentador famoso de talk show de nome Parkinson, que foi ao entre 1971 a 1982 e de 1998 a 2007, fora isso, ele também era radialista, fato que o ajudava a manipular a plateia com poucos recursos e sem imagem.
Além dele também faz parte do programa Craig Charles, jornalista e radialista da BBC Radio 6, e Sarah Greene, apresentadora de variedades e programas infantis, inclusive o sucesso nacional Blue Peter, que foi ao ar entre 1980 e 1983, quase dez anos antes desse Ghostwatch.
As semelhanças entre a história dessa exibição e o Guerra dos Mundos narrado por Orson Welles na rádio em outubro de 1938 não param só na época, (ambas eram transmitidas no Halloween), mas também na crença de que ocorreu com aquelas pessoas/personagens, era algo real.
Ghostwatch ainda ganha da leitura de H.G. Wells pelo fato que o programa de rádio-teatro The Mercury Theatre on the Air não era tão popular quanto a programação da BBC.
A realidade dada é que a obra se tratava de um especial atuado, uma ficção cujo formato imita um documentário ou uma peça jornalística e de entretenimento.
No início a ideia era fazer uma série, mas depois de deliberar, o criador Stephen Volk decidiu fazer um único episódio, maior, com tamanho de filme de cinema, imitando o formato de uma programação comum de televisão.
A carreira de Volk é bem vasta, especialmente dentro do gênero terror/horror. Ele escreveu Gothic (1986), filme de Ken Russell baseado numa história de Lord Byron e Percy Bysshe Shelley, também fez o roteiro do canadense O Beijo Mortal (1988), de A Árvore da Maldição (1990) dirigido por William Friedkin, além de O Despertar (2011) longa com Rebecca Hall, além de ter criado a minissérie Afterlife em 2005.
Já Manning não teve tanta sorte. Ela vinha de produções para tv local e depois de Ghostwatch fez junto com Volk o seriado Ghosts (1995), dirigiu o longa-metragem Leila (2011) e fez mais trabalhos em curtas-metragens para o cinema, como The Vest e Curtain Call, lançados em 2017, e a dupla Help e Seven de 2019.
Mesmo com toda a problemática e a polêmica posterior a exibição, o especial teve muitos tentos positivos, entre eles, o de ter previsto modas. Sua estrutura lembra o clima dos reality shows atuais de polícia, mostrando as equipes de filmagem indo até os veículos da BBC, rumo ao que eles buscam mostrar como verdade, tentando definir como se deve registrar em vídeo um evento paranormal.
Paralelamente os registros das câmeras caseiras tem qualidade inferior, convenientemente, claro. Justamente é nesses cenários que ocorrem as aparições.
Parkinson tem ao seu lado no programa, a doutora Lin Pascoe (Gillian Bevan), que diz querer fazer ali um experimento científico, que provaria que fantasmas existem.
Entre o palco principal e a parte externa, está o já citado Craig Charles, repórter que vai a uma casa em Foxhill Drive, falar com a mãe deles, Pam Early (Brid Brennan). Mesmo ao lidar com um drama familiar e pessoal, ele está na frente da câmera sempre de modo faceiro e piadista, além de prometer já no início que conversaria com a médium que tentou exorcizar a casa.
A família chamava a aparição de Pipes, palavra em inglês respectiva a encanamento ou canos, e esse nome se dá graças ao som que sai exatamente desses canais da casa. As meninas Suzanne (Michelle Wesson) e Kim (Cherise Wesson) descrevem o Sr. Pipes como um homem mais velho, careca e branco, com vestido preto.
Também junto a Michael, está Mike Smith, co-apresentador, que é interpretado pelo próprio e que fica no palco, perto dos telefones. Ele é esposo de Sarah Greene, e dentro da exibição, ele e Sarah trocam alfinetadas, já que ela é mais crédula, no entanto é a ela quem dormirá em uma casa supostamente assombrada, tentando captar algo para o registro, enquanto o homem sem crença no metafísico estará no conforto do estúdio.
Sarah ainda apresenta o engenheiro eletrônico Alan Demescu (Mark Lewis), membro da Sociedade de Pesquisa Psíquica, que usaria um scanner, que vai atrás de indícios paranormais diversos. A filmagem de uma das câmeras leves usa o velho e batido esquema de filmagem infravermelha, que captura o calor corporal quando as luzes estão apagadas.
Fora todo esse aparato, a rotina dos Early é registrada como parte deum cotidiano comum. Não é raro ver as duas irmãs Kim e Suzie (que inclusive são interpretadas por atrizes irmãs) brincando com a repórter. A relação é amistosa, com as pessoas se divertindo pela casa quando não estão assustadas.
O começo é bem paradão, apela para um ritmo lento e uma abordagem meio desinteressante que visa criar uma atmosfera de espera pelo pior, e funciona.
Para piorar e favorecer as chances de estarem transmitindo uma fraude, pessoas ligam e avisam que apareceram vultos na tela. Daí a edição coloca a tal gravação repetida e no replay o vídeo não possui nada. As possibilidades são uma edição que deliberadamente oculta isso ou simplesmente se exibe a fita sem o vulto graças a uma interferência sobrenatural, uma vez que é fácil notar que há de fato algo estranho em vários trechos.
O programa é dinâmico, varia entre entrevistas do âncora com gente da família, demonstração de gravações de áudio, trotes, debates a respeito do cotidiano das vítimas e até um desabafo sobre a rotina das crianças, enfastiadas de serem tratados como mentirosas.
Vale lembrar que esse foi um especial publicado 10 anos depois de Poltergeist: O Fenômeno, e contou com diversos elementos em comum com o filme dirigido Tobe Hooper e produzido por Steven Spielberg, excetuando claro o clima familiar otimista. Aqui as relações passam por uma ética fria e crua.
Parkinson fica decepcionado, ao perceber que tentam enganá-lo, já que as câmeras pegam alguém fazendo barulho entre cômodos, abaixado, batendo na parede e nos canos. Ao sentenciar a farsa, recebe a discordância de Pascoe, que afirma que não é por conta dessa postura claramente fraudulenta, que não haja de fato algo espiritual na casa.
Há conexões com a América também e nessas interações, segue o receio daquela transmissão estar a serviço de uma farsa. O quadro muda com alguns telefonemas, que testificam a aparição de um homem velho, mas nada muito além disso.
A monotonia é quebrada com um surto de Suzanne, que aparece falando coisas estranhas e com o rosto retalhado, parecido com o que ocorreu com Regan MacNeil em O Exorcista. Ela parece entrar e sair de transes, em uns momentos parece estar possessa, já em outros, age como uma criança calma e normal, que tem de diferente apenas o receio pelo diferente de ter seus passos registrados e seus atos vigiados, além do medo de que algo malvado ronde sua casa.
Ela não parece ter ciência de que foi receptáculo de algo ruim e possivelmente demoníaco.
Os registros dentro da casa por volta dos 70 a 80 minutos são bem tensos, com panes elétricas, manifestações de vozes estranhas por parte de Suzie, aparições, grunhidos estranhos e até tombos dos membros da equipe técnica. Em determinado ponto se perde a transmissão, que só retorna instantes depois e de maneira suspeita.
Nos dez minutos finais rola uma estranha ligação, de um homem que supostamente era próximo do antigo dono da casa, dizendo que quem morava lá era um homem perturbado, que cometeu suicídio. Ele conta uma história se abuso com crianças. Pascoe quer saber mais detalhes, acha a participação dessa pessoa confusa, enquanto Parkinson fica impaciente e quer encerrar a transmissão logo.
Os momentos finais se misturam a um estranho evento. Aparentemente a equipe criou uma sessão espírita acidentalmente. Começa a ventar forte no estúdio, e na incursão, finalmente usam o recurso infravermelho.
Ao passo que a câmera volta a mostrar imagens da casa da família, em um efeito retardatário, lâmpadas estouram no estúdio. O mesmo fica escuro, como se carecesse de energia.
Termina abruptamente, depois que as luzes já não existem mais no estúdio, e Parkinson vai para a direção da câmera que restava, e fala palavras indistinguíveis, em línguas estranhas, como se estivesse possuído por algo.
A questão mais “complicada” sobre o filme, foi o caso de Martin Denham. O jovem de 18 anos era uma das pessoas que estava vendo o programa naquele dia 31 de outubro, seguiu impactado com o programa dias depois da exibição.
Impressionado, ele passou a reclamar de barulhos estranhos dos canos e do aquecedor de sua casa, segundo os seus pais. O rapaz pediu para trocar de quarto sem explicar o porquê, e somente dias depois avisou que tinha a ver com o especial.
Passados alguns dias a polícia procurou os pais dele avisando que ele havia cometido suicídio e deixou um bilhete que dizia ” Se existem fantasmas, então eu agora serei um e estarei sempre com você como um”.
A família Denham afirma que ele não tinha qualquer problema ou perturbação mental anterior com a rapaz e a repercussão do caso foi terrível para a emissora, que sofreu uma ação judicial, que levou a uma investigação da BBC pela Broadcasting Standards Comission. O resultado foi negativo para a BBC, que foi taxada.
Segundo a comissão, a empresa deveria prevenir a audiência de que tudo era uma encenação, mas, que ao invés disso, eles instauraram um senso de ameaça real que alarmou muitas pessoas.
Sabendo dessa questão é difícil se manter incólume a Ghostwatch, mas como produção midiática popular inegavelmente o valor é imenso. A solução sugerida de ser mais enfático em afirmar que aquela era uma obra de ficção certamente faria a obra perder boa parte de sua graça e toda essa aura o coloca ao lado de produções como Holocausto Canibal e Bruxa de Blair como filmes confundidos com a realidade. Seu sucesso dificilmente seria bem replicado atualmente, até por conta do excesso de informação sobre obras da cultura pop, e esse fato faz do especial um produto único, irreplicável possivelmente.
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