A Fúria do Dragão : O anti-herói e vingador de um povo imortalizado por Bruce Lee

A Fúria do Dragão : O anti-herói e vingador de um povo imortalizado por Bruce LeeA Fúria do Dragão é um filme de artes marciais de Hong Kong, protagonizado por Bruce Lee. Lançado no ano de 1972, certamente não é o mais famoso da curta filmografia do ator e mestre marcial, mas certamente é uma das mais importantes produções feitas pelo astro, um marco histórico do cinema chinês e honconguês.

A obra é mais conhecida por seu nome em inglês, Fist of Fury, em cantonês o filme é Jing wu men ou Jing Mo Mun, pode ser encontrado como O Invencível, Cinco Dedos de Fúria e Punhos em Fúria nos países de língua portuguesa. Também é chamado de Chinese Connection, School for Chivalry. No Japão tem o nome Tekken e The Iron Hand.

Ele tem produção de Raymond Chow, personagem bastante prolifico do cinema asiático, com quase 200 créditos no currículo, incluindo O Dragão Chinês, O Voo do Dragão, Operação Dragão, Police Story: A Guerra das Drogas e até trilogia As Tartarugas Ninja, dos anos 1990.

O longa-metragem foi rodado nos estúdios Golden Harvest, dirigido por Wei Lo, parceiro de Lee em O Dragão Chinês, além de ter feito também O Pântano do Dragão antes desses. Com o tempo, se especializaria em filmes de artes marciais, incluindo Massacre em São Francisco e a trilogia com Jackie Chan, O Guarda-Costas, O Templo do Dragão e Os Punhos do Dragão.

A trama acompanha a vida de um bravo lutador que retorna para escola ao saber que o seu mestre morreu faleceu subitamente, de uma doença inexplicável, uma vez que sempre foi um sujeito com saúde boa.

O tal aluno é Chen Zhen, personagem de Lee que desde o primeiro momento, se mostra emocionalmente frágil, já que age de maneira desesperada e emocionada assim que tem a certeza que seu mentor faleceu. Ele se desespera no dia do funeral, inclusive é desacordado por seus companheiros, para que não fizesse uma cena ainda pior do que fazia.

O filme teve cenas externas entre Macau, Kowlon - onde ficava os estúdios Golden Harvest - e outros pontos de Hong Kong. Aqui se percebe um upgrade em relação ao último filme de Wei e Lee, uma vez que Dragão Chinês foi rodado na Tailândia, para cortar custos.

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Apesar de esse não ser um produto que valoriza demais a trama sentimental, fato é que Chen não supera seus sentimentos. Não há qualquer digestão do luto, ele estaciona no estágio da negação, declarando com todas as letras que ele não aceita a morte do líder Ho Yuam, especialmente por não acreditar que a pessoa que o inspirou a ser quem ele é, morreria de uma simples pneumonia.

Ele decide tomar a frente das investigações sobre a morte do mestre, contrariando alguns dos membros da academia Ching Wu. Segundo o seu discurso, é óbvio que houve sabotagem, o mestre foi assassinado e não há o que o convença do contrário. Todo o drama gira em torno da ação dele tentando provar que ele não morreu por conta da doença.

No funeral aparece um sujeito debochado e arrogante, que afirma possuir um dojo japonês. Ele humilha os alunos, cospe na memória do morto e o desonra. É nesse trecho que ocorre a primeira demonstração da rivalidade dos personagens de Bruce Lee com os japoneses.

Chen lida com esse sujeito de maneira controlada a princípio, é notável que ele está nervoso, ele quer bater no sujeito, mas não reage nesse primeiro momento, guardando suas energias e golpes para um momento futuro.

Fúria do Dragão foi um marco também para a mitologia dos filmes de ação da China, uma vez que colocava como mote a rivalidade entre povos que tradicionalmente travavam guerras e brigas. Fora a questão temática, a abordagem visual diferenciada também ajudaria a pavimentar o cinema popular chinês.

A plasticidade dos registros de golpe também seria algo histórico, assim como a mistura entre estilos de filmagens. Os filmes de kung fu e artes marciais eram normalmente mais modestos, filmados com planos secos, com uma simplicidade considerável e com a câmera estática.

Aqui isso não ocorre, já que a produção opta por usar um plano holandês - conhecido como Dutch Angle ou ângulo holandês - que consiste em uma manobra simples, que inclina a câmera de um modo que a tomada composta de linhas verticais, em dois ângulos que se misturam, um apontando para o lado do quadro enquanto outro aponta para o horizonte.

O roteiro é econômico. Wei Lo assina o texto e o faz de uma maneira sucinta, partindo para a ação imediatamente. Chen logo procura Hiroshi Suzuki, personagem de Chikara Hashimoto, sujeito esse que lidera o tal dojo, mas não o acha, quando visita o lugar. Isso obviamente não o impede de travar combate com alguns dos alunos.

Na prática esses lutadores servem apenas de sparring, são capangas que estão na frente da tela basicamente para apanhar e para demonstrar a qualidade e enorme capacidade de adaptação de Chen Zhen, uma vez que eles lutam artes japonesas, entre Caratê e Judô, enquanto ele pratica Kung Fu.

Lee tinha por pensamento maior a ideia de versatilidade. Ele valorizava a capacidade de adaptação como forma de reação em uma briga. Para ele o ideal de um confronto era pensar como um brigador de rua, e em situações limite, o lutador precisa lançar mão do que tem acesso, precisa saber qual é a forma mais esperta de enquadrar o adversário.

Seu modo de ataque é sensacional, com movimentos expansivos e exagerados, que buscavam ser belos para o registro da câmera. É dado também que na hora da edição era preciso diminuir a velocidade de exibição entre os negativos dos filmes, para que o espectador conseguisse entender como eram dados os golpes dele.

Tudo é muito bem arquitetado e orquestrado, a música grave de Joseph Koo demarca a força de cada golpe e a variação de ângulos de câmera do cinematógrafo Chen Ching-chu ajuda a deixar esses momentos em algo mais grandioso ainda.

A primeira luta, onde Chen utiliza nunchakus para ferir os oponentes é visualmente maravilhosa, tão marcante que foi quase toda copiada em Kill Bill Volume 1, digerida e regurgitada para sair diferente, uma vez que no filme de Quentin Tarantino, a Noiva de Uma Thurman faz a mesma tomada, só que utiliza uma espada, para fatiar os pés dos Crazy 88.

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Aqui a sequência é ainda mais impressionante, visto que foi feita nos anos 1970, com poucos recursos. A forma de pensar cinema tinha interferência direta de Lee, que ao buscar que as cenas fossem plasticamente atrativas, acabava por cair em um pioneirismo, uma vez que filmar desse jeito se tornou tendência até em gêneros mais antigos, como os belos e coloridos Wuxia, sempre presentes na filmografia da China.

Para o público mais chato e resmungão, há coisas para reclamar, como a troca de atores por dublês mal disfarçada, flagradas pela câmera e fortalecidas pela remasterização recente. Também há um uso de bonecos bastante malfeitos, efeitos esses subalternos, claro. Quando se aprecia uma obra de outra época é preciso ter paciência e se transportar para o cenário da arte desse tempo, se não o espectador ou analista pode cair em anacronismos.

A equipe de responsáveis pelas manobras é bastante talentosa. O instrutor de lutas e acrobacias do filme foi Ying-chieh Han, que vinha de produções como O Grande Mestre Beberrão, A Tocha de Zen. Ele já havia trabalhado com Lee em O Dragão Chinês e aqui ele faz um breve papel, interpretando Feng Kwai-sher. Entre os dublês, participa também Jackie Chan, ainda em início de carreira.

A trama segue após a incursão do herói ao dojo adversário. A partir daí a paz entre os povos é abalada, começando então uma espécie guerra sino-japonesa em menor escala, saindo de cena possíveis trocas de tiros e bombas, com conflitos que ocorrem (normalmente) só com chutes, socos, pontapés e armas sem disparo.

A narrativa presente no roteiro é qualquer nota, são apenas fatos que se avolumam e servem de pretexto para preencher espaço entre as lutas e as demonstrações de força de Chen. Nesse intuito, não há muito o que reclamar.

Quase todos os momentos são de um humor involuntário, até trechos icônicos, como a cena do riquixá. Há outros trechos esquisitos, como a demonstração de striptease feita por uma moça, além de outro trecho mais humorístico, onde Lee finge ser um agente da rede de telefonia. Esse último aspecto seria bastante reprisado em obras futuras, algumas vezes feito de maneira mais inspirada, especialmente nos filmes com Chan protagonizando, outras vezes, não.

Esse talvez seja o papel mais desafiador da carreira do astro, uma vez que ele vive um anti-herói, já que ele é violento demais para ser um herói clássico, ainda que o seu motivo seja algo muito justo, para além da morte do seu mestre.

A forma preconceituosa com que os japoneses tratam ele e o restante dos chineses é abjeta. São igualados a animais até, os vilões japoneses fazem questão de bestificaram povo inteiro, tratam não só como humanamente inferior, como até inferiores aos bichos, já que tratam melhor os cães do as pessoas que nasceram na China.

Há inclusive uma placa que diz proibir a circulação de chineses e cachorros. Com o desenrolar dos fatos ela é devidamente partida por um chute de Zhen, em uma cena de simbolismo bem óbvio, mas que não deixa de ser maduro e pontual.

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Os japoneses retratados são abertamente racistas, não há qualquer pudor neles em revelar-se assim, ao contrário, se vangloriam de assim ser. Chen acaba sendo o resumo de toda a revolta do seu povo, encarnada em um guerreiro de porte magro e alto, capaz de desferir golpes emocionais e fortes, mais certeiros que os mísseis e projeteis do Japão no pré e pós-segunda guerra mundial.

Seu papel foi tão importante que transcendeu até a vida de Lee, uma vez que foi vivido por Jackie Chan em A Nova Fúria do Dragão (76), além de sequências não oficiais, protagonizados por Bruce Li. Entre as versões mais famosas estão Lutar ou Morrer (94) de Gordon Chan, que tem Jet Li como personagem central e Chen Zhen – A Lenda do Punho de Aço (2010) de Andrew Lau, com Donnie Yen no papel-título.

Em uma das muitas lutas de Zhen, ele ataca um homem com uma espada, dá um golpe tão forte que faz ela ir para o alto, caindo nas costas do adversário, como se fosse uma grande punhalada, repleta de simbolismos, ainda mais se considerar as relações entre países.

A maior parte das reclamações aos filmes de Bruce Lee é que faltam adversários a altura de sua força e pujança. Na maior parte deste A Fúria do Dragão essa crítica é justa, exceto na sequência em um jardim, onde ele enfrenta o russo Petrov, vivido pelo ator americano e dublê Robert Baker, que era aliás amigo íntimo de Lee.

Na luta, Chen usa técnicas de boxe ocidental, passos do Jet Kune Do (a arte marcial criada por Bruce) e até uma mordida. Outro ponto bastante curioso é a forma de vestir de Petrov, com trajes formais, usa até paletó pouco antes de lutar. Esse figurino certamente inspirou personagens de video game, especialmente Eagle, de Street Fighter e Hein, da franquia King Of Fighters.

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Já com Hiroshi Suzuki, a solução do conflito não é tão difícil. O vilão até consegue estender o duelo graças ao subterfúgio do uso de uma katana e de técnicas samurais. Ainda assim, Zhen o vence facilmente.

O destino de Chen é ser preso após atacar os japoneses. Aqui o filme denuncia as fragilidades do sistema jurídico burguês. Nesse ponto a justiça o oriente se assemelha a do ocidente, ignorando fatos históricos e até a violência oriunda dos poderosos, já que os japoneses mataram boa parte dos alunos da escola de Chen, não sofrendo nenhum tipo de sanção nesse sentido.

Ao se entregar para as autoridades do consulado japonês, o herói vai andando na direção da grade, com a expressão fechada. Em sua sisudez facial estão guardados vários sentimentos, inclusive a sensação de impotência de um povo, já que os nativos da China são tão desrespeitados que até os estrangeiros tem mais autoridade que os nativos.

Sua marcha rumo a prisão é também um protesto. Ele permite ser levado para poupar os poucos sobreviventes entre os seus colegas de estudo e luta. Quando ele decide pular na direção dos cônsules armados a mensagem é de um poder incomensurável, pois ali estão japoneses e ocidentais, provável ter ali europeus e estadunidenses, unidos para tentar subjugar o povo de Chen.

Teoricamente era para Zhen morrer, a despeito das muitas sequências, inclusive uma de Wo Lei dirigindo, e é melhor pensar que esse foi o fim dele, poético, forte, insubmisso diante das opressões.

Fúria do Dragão é mais que um conto sobre vingança, é um esforço artístico para fazer justiça para os chineses, mesmo que seja só dentro da ficção. Acabou se tornando não só uma das obras mais lembradas de Bruce Lee, mas também o ponto primordial dos filmes de heróis revanchistas do país mais populoso do mundo.

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