Trolls 2 é um exemplar bastante peculiar do cinema de horror do século XX. Produção lançada no início dos anos 1990, a obra é conhecida por seu orçamento ridiculamente baixo, por sua falta de qualidade atroz e por ser louvado como um dos piores filmes já produzidos da história do cinema.
Teoricamente, o longa dirigido pelo italiano Claudio Fragasso é uma sequência de Troll: O Mundo do Espanto, produção conhecida por ser um filme B, mas que tinha em si um esforço hercúleo em produzir criaturas de efeitos práticos consideravelmente bem pensadas, em especial o ser diminuto que seria Torok, o Troll.
Para esta parte dois, chamada originalmente de Troll 2 (não se sabe sinceramente porque no Brasil o nome foi para o plural) a cronologia não importa...artifício esse bastante comum dentro da carreira de Fragasso, já que na Itália costumava fazer filmes parte dois ou três sem qualquer conexão com os anteriores.
O exemplo maior desse aspecto na carreira do cineasta é Zombie 3, dirigido em parte por ele e por Lúcio Fulci, que tenta minimamente seguir os rumos de Zombie 2 (ou Zombie Flesh Eaters). Zumbi 3 ainda foi sucedido por Zombie 4, também chamado de After Death, depois veio Zombie 5 conhecido também como A Terceira Porta do Inferno.
Nenhum desses filmes respeita cronologia.
São filmes cuja temática passa minimamente pelo tema dos primeiros, mas não se aprofunda em nada, nem leva em conta os temas e eventos anteriores.
Fato é que em algum momento, o roteiro desta obra tinha o nome de Goblin, fato que faz muito mais sentido, aliás. A sinopse mira uma família, que vai passar férias em uma pequena cidade e descobre que o lugar é habitado por duendes disfarçados de homens, que planejam comê-los.
Sendo assim, o filme pode ser encarado como uma exploração de canibalismo, embora não fique claro no roteiro de Fragasso (com auxílio de Rossella Drudi), se eles são ou foram humanos algum dia.
A narrativa já apela para um clichê, com uma voz em off, contando uma história. Ele é Seth, o avô da família interpretado por Robert Ormsby, que por sua vez, conversa com Josh, o protagonista, interpretado pelo ator mirim (e atual cineasta documentarista) Michael Paul Stephenson.
A historinha falava dos goblins, e as cenas externas com eles os mostra de maneira horrorosa, com anões usando máscaras baratas, horrorosas. A maquiagem de Maurizio Trani deixa bastante a desejar quando mostra os duendes, especialmente se comparado ao visto em Troll 1.
Há de salientar que há momentos visualmente inspirados, sobretudo no que envolve a vilã que depois é apresentada, mas nas criaturas que dão nome ao filme, é tudo bem mal encaixado.
Fragasso assina com um pseudônimo americano, como Drake Floyd.
Esse artifício de fingir que era estadunidense foi bastante comum nos anos 1970-80, mas não em noventa. Fato é que na época ele mal falava inglês - diferente da atualidade, como foi visto no documental Best Worst Movie ou Trolls 2: O Melhor Pior Filme de Todos os Tempos - e ele tinha bastante dificuldade de expressar a produção o que ele queria.
Reza lenda que vários amigos de Drudi, a roteirista e esposa de Fragasso, se tornaram vegetarianos nos anos oitenta, e isso influenciou no mote da história, com ela utilizando isso como fonte de medo, já que tinha receio em ser obrigada a parar de comer carne. Desse modo, os goblins comeriam humanos na lenda, mas somente depois de transformar eles em plantas.
A narrativa segue, com a sua mãe chamando sua atenção, repreendendo ele, uma vez que o vovô Seth havia morrido semanas antes. Fosse ilusão da cabeça do menino ou realmente uma aparição, fato é que para o espectador o senhor parecia bem vivo.
A memória do neto parece ter poderes de manter o espírito do parente por ali, ou é meramente uma ilusão oriunda do luto. A princípio só o menino vê o avô, com outras aparições ocorrendo ao longo da trama, mas sempre sem qualquer sentido.
A família decide entrar em um programa de troca de casa, cedendo seu espaço para um clã do ambiente rural, enquanto eles iriam para a simpática e aprazível Nilbog.
O elenco familiar dos Waits não era composto de grandes atores. O pai Michael foi feito por George Hardy, a mãe Diana era interpretada por Margo Prey e a filha mais velha Holly foi executada por Connie Young (que na época, usava o nome Connie McFarland), além é claro do caçula, Josh, já citado na análise.
São personagens comuns, típicos americanos médios, quem parece de fato ter mais ambição e personalidade é Holly que deseja tornar-se ginasta. Ele reclama bastante já que seu namorado, Eliott (Jason Wright) é barrado da viagem basicamente por que ele...tem amigos.
Não fica claro se esses amigos cometem delitos, se são más companhias, nada do que eles fazem parece ser condenável. São apelas jovens com os hormônios a flor da pele.
Como Elliot é proibido de viajar com a namorada, ele decide se juntar aos amigos e viajar para Nilbog também, em um trailer, afinal, esses jovens não tem qualquer afazer ou compromisso.
No carro acontece a cena mais assustadora do filme, onde Joshua sonha que é cercado por goblins, que substituíram sua família, ao passo que ele expele suor verde e é atravessado por madeira através do abdômen.
Se Fragasso não consegue fazer um filme assustador, ao menos nesses pesadelos há bastante desespero. O menino tem problemas sérios, ele faz o pai parar o carro por confundir uma pessoa que pede carona com seu avô, sendo que os dois homens distintos sequer se parecem.
Antes mesmo dos monstros atacarem, o que se percebe é uma atmosfera de estranheza, começando pela premissa nonsense de duas famílias trocando de casa.
Depois, não fica claro qual é o papel do vovô Seth, já que ele parece ter poderes, conseguindo congelar o tempo sem razão aparente, mesmo sem ser visto por ninguém. Quando é conveniente, ele tem super habilidades.
Uma vez na cidade, tudo é estranho, na casa dos Presents, todos os alimentos sobre a mesa possuem uma camada verde, venenosa e estranha por cima. Na geladeira, só há um liquido branco e pastoso que é dito ser leite, mas que parece bem mais reimoso do que isso.
Ainda no núcleo familiar, o vovô avisa Josh que os alimentos são perigosos, e ele prontamente urina na comida, enquanto a família está paralisada, graças a ação do morto.
Como bronca, seu pai Michael o prende no quarto, e enquanto ele coloca de castigo, profere uma das falas mais emblemáticas do filme: "não se mija em hospitalidade".
Eliott e seus amigos viajam de trailer, e depois de comerem tudo que tem lá, acabam indo atrás de suprimentos, sendo recebidos ou pelos estranhos cidadãos, ou pela peculiar personagem que é a vilã do filme.
Entre os amiguinhos de Eliott, está Arnold, interpretado por Darren Ewing, que é o mais nervoso dos meninos. Ele foi o dono da cena mais icônica do longa-metragem, sendo testemunha de um dos ataques dos goblins.
Mas é na personagem de Deborah Reed que reside o mais pitoresco caso do filme.
Reed vive a pretensa bruxa Credence Leonore Gielgud, que diz que seus ancestrais são de Stonehenge, embora não faça qualquer diferença essa menção gratuita.
Ela mora em uma casa cujo lado externo parece uma igreja católica antigo e o interno, lembra um calabouço. Aparentemente há uma magia que transforma a percepção das pessoas a respeito do local.
Sua maquiagem é característica, faz a pele da moça parecer pálida e seus dentes são escuros na primeira aparição. Ela é a mestra dos goblins aparentemente. Pega as vítimas, transforma em planta, para que eles se alimentem.
A comunidade toda de Nilbog parece participar do culto, assim como eram os Presents, e além disso, só há homens na cidade, de meia idade, exceção claro a esposa e filha da família que trocou com os Waits (não fica claro se eles realmente eram dessa cidade ou não), toda mulher que aparece, é viajante, e o motivo disso ocorrer também não é explícito.
A dieta deles é baseada em leite, o mesmo que tem a consistência bizarra do alimento que está na geladeira da casa onde os Wait ficam. Curioso, o povo é vegetariano, mas bebe apenas leite.
É sabido que veganos não se alimentam de nada de origem animal, e que vegetarianos podem sim consumir leite, mas apenas isso, deveria ser um sinal de alerta aos personagens visitante, que obviamente não ligam para nada estranho que ocorra.
A maquiagem de Arnold como híbrido homem planta é mais bem-feita que qualquer caracterização de goblins. Foram quase 14 horas de preparo, e o uso do personagem desse jeito dura segundos em tela, ironicamente.
As atuações também não ficam por menos, são todas terríveis. É tudo muito infame, desde a seita bizarra da cidade captura o menino, e tenta alimentar o garoto com um doce que lembra bastante a substância Stuff do filme A Coisa de Larry Cohen, até os ataques dos goblins, que não parecem ameaçar ninguém.
Fragasso não leva muito na esportiva o fato das pessoas acharem seu filme péssimo. Na cabeça dele, esse é um drama familiar normal, sobre canibalismo e sobre vegetarianos. Mas ter seu filme reconhecido, para ele é um marco, mesmo que negativo.
Ele também assume que seu problema é fazer muitos filmes, e que isso é um vício. Daí pode explicar o porquê tantas produções mequetrefes, com um número tão grande de tentos, normal não acertar tanto.
Dito isso, o realizador apela para uma falta de lógica que era comum aos filmes de seu mestre Lúcio Fulci, mas sem qualquer charme, sem a ideia de explorar o lúdico e o irreal como o cineasta mais tarimbado fazia.
O embate de Josh com a vilã faz zero sentido...
Primeiro um monstrinho o ataca, depois ele clama pelo avô, que aparece e corta a mão do bicho. Ao se recolher ao espelho (que foi sua porta de entrada naquela dimensão), ele aparentemente era uma representação de Leonore, que tem sua mão imediatamente decepada.
A interferência do espirito do avô beira o Deus Ex Machina, é esquisita, não só por ele carregar um machado e um coquetel molotov (sabe-se lá tirado de onde), mas também porque o padre goblin ao expulsa-lo afirma que ele deve voltar ao inferno. Seria Seth um demônio? Não seria tão surpreendente.
De qualquer forma, Elliot e os Wait vão ser comidos, mas os residentes de Nilbog preferem que eles se entreguem voluntariamente, que eles aceitem ser comidos.
Nenhuma razão é dada para isso, possivelmente a transformação poderia ter um sabor melhor caso a entrega fosse voluntária, mas não há mitologia explorada, de forma alguma.
O filme é tão sem vergonha que possui uma quase cena quase erótica, entre um adolescente e uma bruxa, com apenas um milho entre a boca dos dois, uma tentativa nada sutil de referenciar o sexo, fechando o ciclo com o estourar de pipocas, afinal, Fragasso achou que a sequência estava sutil demais...
Os últimos dez minutos ignoram boa parte dos fatos levados até então. Não existe motivo para os goblins permitirem a família passar a tarde e noite juntos, para ser atacada só quando se aproxima a madrugada. Se houvesse uma regra para a ações apenas noturnas, tudo bem, mas é patente que essa limitação inexiste.
Se a ideia do filme era desdenhar dos vegetarianos certamente o roteiro fracassou, pois não há sequer um argumento a favor dos onívoros ante essa trama e abordagem.
Ao menos em sua morte, Gielgud consegue protagonizar uma cena visualmente desafiadora, com uma violência considerável, derretendo e exibindo uma gosma verde, tal qual os homens vegetais.
Obviamente não podemos colocar a imagem nesse post, pois o grafismo alerta o Google e penaliza o site, mas é fácil encontrar a cena, inclusive em pôsteres de divulgação do longa.
Ainda assim, seguem várias pontas soltas, o que aconteceu com os Presents, o que aconteceu com o terceiro amigo de Elliot, os goblins conseguiram derrotar Josh?
Trolls 2 é uma produção barata, que segundo Fragasso, mirava ser dramática e não cômica, mas que inevitavelmente foi redescoberto por todo um público que a venera e dá a ela a importância que tem.
De fato, não é o melhor trabalho do seu diretor - que em breve será revisitado nessa coluna - mas vale ver pelo espírito camp e completamente galhofeiro. Também se destaca o documentário que Michael Paul Stephenson fez, Best Worst Movie ou Trolls 2: O Melhor Pior Filme de Todos os Tempos, que narra histórias de gente da produção e um pouco do louvor em torno do filme trash.
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