Cemitério sem Cruzes: um faroeste franco-italiano bastante contemplativo

Longa de Robert Hossein mira homenagear a Trilogia dos Dólares

Cemitério sem Cruzes: um faroeste franco-italiano bastante contemplativo

Cemitério sem Cruzes é um filme de faroeste europeu, que é lembrado por ser protagonizado, escrito e dirigido por Robert Hossein, que também compõe parte da trilha.

Longa-metragem franco-italiano, é parte da classificação dos Westerns Spaghetti, com uma trama simples em essência, já que segue uma trilha de vingança, envolvendo um atirador melancólico, uma viúva que já se envolveu emocionalmente com esse mercenário e que pratica sequestros com os parentes de seus opositores.

O roteiro é Hossein e Claude Desailly. Também participou do texto - ao menos supostamente - o mestre do horror Dario Argento.

A dupla Jean-Pierre Labatut e Jean-Charles Raffini foram produtores e produtores executivos. Toussaint Torre foi produtor não creditado e Salvatore Persichetti foi coprodutor, também sem créditos.

A ideia inicial

Robert Hossein declarou que seu filme pretendia ser uma homenagem à Trilogia dos Dólares de Sergio Leone, que inclui Por Um Punhado de Dólares, Por uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito, assim como mirava ser um veículo de protagonismo para ele e sua amiga Michèle Mercier.

A atriz buscava romper com o estereótipo de mulher objeto, graças a sua atuação como a personagem-título de Angélica, a Marquesa dos Anjos, lançado em 1964.

Hossein ainda dedicou o filme a Leone nos créditos finais.

Sobre o texto

Dario Argento é creditado como co-roteirista do filme, mas Hossein insiste que ele não escreveu o script. Ele recebe menção nas versões italianas do filme, lembrando que alguns westerns da Europa tinham histórias diferentes, de acordo com as dublagens.

Em entrevista para a versão alemã em DVD, o diretor afirmou que ele não esteve envolvido na escrita de forma alguma, mas não justifica o motivo dele ter recebido os créditos.

Estreia e nomenclatura

O longa passou primeiro na França, em 25 de janeiro de 1969. Na Itália chegou em 19 de abril. Na Turquia, estreou em dezembro de 1969. Em 1970, chegou a Alemanha Ocidental, em fevereiro. Na Dinamarca chegou em junho.

Houve uma premiere para lançamento em Blu-ray, nos Estados Unidos, em julho de 2015. Ja em outubro de 2022, o filme reestreou no Roxie Theatre, em São Francisco.

Seu título original é Une corde un Colt..., na França, enquanto na Itália, é chamado Cimitero senza croci.

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Na Argentina era chamado El cementerio sin cruces, no Chile é Cementerio sin cruces. Na Austrália é Death Valley Gunfighters, mas em outros países de língua inglesa é comumente achado como Cemetery Without Crosses.

Nos EUA também foi chamado de The Rope and the Colt, na União Soviética é Веревка и кольт, na Espanha Una cuerda, un Colt e em Portugal também se chama Cemitério Sem Cruzes.

Gravações e Locações

O filme foi rodado entre oito de janeiro e 30 de março de 1968, no deserto espanhol de Almería. As gravações incluíra Las Salinillas, no Desierto de Tabernas, na Andalucía, especialmente as cenas nos ranchos.

A cidade fantasma e os desertos de duna foram filmados no Cabo de Gata. Houveram cenas no Fort Bravo Cinema Studios/Texas Hollywood, em Almeria Paraje del Unihay, nas cenas na cidade mais populosa.

Estúdios

As companhias que fizeram o longa foram a Loisirs du Monde, Les Films Copernic e a Fono Roma.

Os distribuidores foram a Les Films Fernand Rivers na França, a Euro International Films na Itália. A Belga Films fez o serviço na Bélgica e a KGH fez o mesmo na África do Sul. A Apollo-Film GmbH distribui na parte oeste da Alemanha e na maior parte do mundo, foi levado pela Movietime.

Nos Estados Unidos, foi lançado pela Techno Film, em versão dublada, no ano de 1982. A Arrow Video fez o DVD e o Blu-ray, promovido em 2015 tanto nos EUA quanto no Reino Unido.

Quem fez:

Hossein dirigiu Os Malvados Vão para o Inferno, Você, o Veneno, O Gosto da Violência, O Diabólico Vampiro de Düsseldorf, Point de Chute, Os Miserávei.

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Ele atuou em O Repouso do Guerreiro e Retratos da Vida.

Claude Desailly escreveu Traficantes da Morte, Esta Noite as Saias Voam, Sedução da Carne, Vida Secreta de uma Loura Espetacular, Os Canalhas e A Morte de um Matador.

Argento é conhecido por seus filmes de terror, como Prelúdio Para Matar, Phenomena, Suspiria, Mansão do Inferno, O Pássaro das Plumas de Cristal, Quatro Moscas no Veludo Cinza e O Gato de Nove Caudas.

Labatut produziu apenas esse, Raffini idem, mas foi assistente de diretor em Les désaxées.

Já Torre produziu Eu Matei Rasputin, Muito para Viver...Pouco para Morrer e Os Filhos de Mata Hari.

Narrativa

A trama inicia com uma perseguição a cavalo, com a tela quase isenta de cor, em preto e branco. Um sujeito corre na frente, um bando vai logo atrás e a paleta só muda depois que a música de abertura acaba.

Esse tema foi cantado por Scott Walker (que trabalhou em filmes recentes como A Infância de Um Líder e Vox Lux) e escrito por Hal Shaper, que compôs parte da trilha de Sindicato dos Ladrões, Os Meninos do Brasil e Rambo: Programado Para Matar.

Pela areia, um homem cavalga até a cidade, tão debilitado que quase cai diversas vezes.

Quando finalmente chega ao solo, encontra uma moça. Ele se chama Ben Caine (Benito Stefanelli) já ela, é Maria, vivida por Michèle Mercier.

Os dois são um casal, que está em tom de despedida.

Agressividade

Bandidos atiram nas mãos de Ben, basicamente para afastar ele da pistola que carrega. Ele é amarrado a uma corda, que está sobre uma árvore, sendo preparado para ter um fim trágico.

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Nessa cena se percebe uma semelhança grande entre o ator e Franco Nero, o herói dos filmes Django. Parece ter sido escolhido justamente para evocar um personagem clássico, mostrando que qualquer um sucumbiria a crueldade dos personagens apresentados aqui.

Enquanto encara os olhos da bela moça, o "vilão" e perseguidor Will Rogers (Daniele Vargas) manda o cavalo que sustentava Ben andar, matando assim o sujeito, que nada fala, mesmo vendo que seu fim se aproxima.

Suas pernas balançam, no centro da tela, com a câmera cuidadosamente preparada para mostrar que ele morreu. O filme é sutil e cruel, mostrando essa morte de maneira tão incógnita que beira o eufemismo.

Efeitos colaterais

Os homens de Rogers agem como bandidos, incendeiam casas, antes mesmo de ficar claro qual é a razão dos acontecimentos até aqui. O motivo dessa caça é obviamente financeiro.

Will Rogers é o patriarca de uma rica família de criadores de gado.

Ele força os irmãos Caine - Ben, Thomas (Dan Sturkie) e Eli (Michel Lemoine) - que são criadores de ovelhas, a venderem seus rebanhos. Irritados com isso, o tria rouba um carregamento de moedas de ouro destinadas ao dono de terras.

Na perseguição, Ben é ferido, permitindo assim que Thomas e Eli cavalguem mais rapidamente.

A escolha por atacar Ben nessas condições é uma clara alusão do roteiro a forma como animais carnívoros atacam em bando, procurando sempre uma presa doente ou lesionada.

Esse cenário não é tão diferente de uma selva ou floresta selvagem.

Testemunha

A grande questão é que no rancho, Ben não é só morto, mas também linchado e humilhado.

Os homens de Rogers poderiam só executar o sujeito, mas obrigam Maria a assistir o seu marido ser executado.

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Thomas e Eli aparecem, saúdam Maria, lamentam que o irmão morreu, mas se vangloriam de ter conseguido o dinheiro que buscaram.

Ela mal olha para eles, se encarrega de enterrar o finado, enquanto os sobreviventes observam o sepultamento do fraterno deles, sem mais testemunhas, ou algo que o valha.

Deixam com ela um terço do dinheiro roubado, que seria utilizado para arquitetar planos de revanche.

Mudez parcial

Esse início quase não possui diálogos, os personagens parecem tristes, ruborizados pela vergonha de terem permitido que Ben morresse.

É dessa forma que Maria vai até a cidade, procura Manuel, seu antigo amante, que é interpretado pelo diretor. Seu ofício era o de um matador de aluguel, mas ele se aposentou, ao ponto de nem mesmo ser lembrado como tal.

Ele recusa o trabalho, mas ela insiste, deixa para ele uma sacola de dinheiro, retirado claro da parte do roubo que seu marido fez.

O sujeito faz todo um discurso sobre como o revanchismo é insaciável, deixa patente que não vai aceitar a missão, mas não recusa, pois parece ter uma dívida com Maria.

Ele então vai a outra cidade, frequenta bares, passa quase invisível por todos, de tão anônimo que é.

Age como um espião, que observa de longe os seus alvos, fingindo não estar mirando eles.

Manuel se infiltra, presencia alguns entreveros, mas passa a maior parte do tempo apenas comendo, ou bêbedo, inclusive com a família Rivers e seus capangas, diante de uma grande mesa.

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Na versão alemã do DVD, Robert Hossein disse que a cena do jantar na casa dos Rogers foi dirigida por Sergio Leone, que estava no set. Se percebe que esse momento é diferenciado, de fato.

Troça e Intimidade

O sujeito está tão ambientado, que lhe pregam uma peça, dando a ele um brinquedo, com uma pequena bruxa escondida dentro.

Ele se assusta, visto que o som da engrenagem é parecido com o de tiros. Todos riem.

O som

A ausência de diálogos é suplantada pela trilha invasiva.

Essa foi composta pelo pai do diretor, André Hossein e é muito curioso como a música ajuda a contar a história, não ao estilo das músicas de Ennio Morricone, de uma outra forma, que é quase tão emocionantes quanto os clássicos do Maestro.

Afronta

Maria vai até Rivers, apressada. Ela aparentemente acha Manuel demasiadamente lento em seu ofício, então toma as rédeas da situação.

Ela rapta a filha do especulador de terras, ataca ele onde doeria. Sua vingança é simples e impraticável para a maioria dos opositores, consiste em fazer o homem sentir o que ela sentiu.

O terço final é movimentado, Maria cansa da letargia do matador que contratou e passa a agir, parecendo assim uma representante do espectador, cansado de contemplação, ávido por violência e ação.

A emboscada que ela organiza no saloon é boa, ardilosa e agressiva.

Guerra de narrativas

Ela tenta convencer a jovem Rivers que não quer seu mal, ao passo que Diana (Anne-Marie Balin) não age como donzela, só diz que Maria morrerá na mão dos seus irmãos, mostrando assim que não aceitará ser apenas uma moeda de troca em seu jogo vingativo.

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A necessidade da Maria em ter aprovação de outra mulher esbarra na realidade. Pragmaticamente falando, é dificil diferenciar ela dos personagens malvados que ela enxerga no clã dos Morrison, afinal, um assassino que ataca seu algoz é também um assassino.

Sequência final grotesca

No terço final há momentos trágicos, com o findar da vida de vários dos personagens que eram mostrados como os protagonistas da história.

A regra da famosa Jornada do Herói não cabe aqui, visto que não há qualquer personagem correto moralmente, digno de torcida, minimamente. Ocorrem emboscadas sangrentas, tentativas de resgate, morte de donzelas nos braços dos pistoleiros.

Os arquétipos são bem utilizados, mesmo que não seja uma história clássica de mocinho e bandido.

Há uma série de surpresas no final, inversão dos papéis de perseguidos e perseguidores, resultando em uma narrativa cuja inversão é brutal.

Cemitério Sem Cruzes é dos filmes mais curiosos do movimento conhecido como Bang Bang à Italiana, já que não possui figuras de bondade claras. Chama a atenção o número pequeno de sequências de ação, mas Hossein compensa isso injetando uma aura de pessimismo e melancolia atroz.


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