Joe, O Pistoleiro Implacável: o faroeste indígena de Sergio Corbucci

Joe, O Implacável: o faroeste indígena de Sergio CorbucciO movimento conhecido como Western Spaghetti lotou as salas de cinema, ganhou o mundo dentro e fora da Europa, e deu uma sobrevida ao combalido estilo de "filme de mocinho" no velho oeste, além de ter ofertado oportunidade a muitos atores estadunidenses de brilhar pela primeira vez na tela grande, bem como a possibilidade de veteranos em ganhar os holofotes novamente.

Para a popularização desse filão, um nome é certamente fundamental: Sergio Corbucci. Chamado carinhosamente de o segundo Sérgio, em atenção ao outro cineasta famoso - e grande amigo desse - Sergio Leone, seu cinema se diferenciava bastante do xará mais famoso, por conta de violência, crueza e principalmente pela fuga do maniqueísmo.

Entre as suas criações mais famosas está o protagonista nativo americano Navajo Joe. Chamado no Brasil de Joe, o Implacável - ou Joe, O Pistoleiro Implacável - o longa foi lançado em 1966, e foi protagonizado por Burt Reynolds, que beirava os 30 anos de idade, e vinha de seriados sobre o faroeste, como Johnny Ringo, nos anos 1950 e Gunsmoke, já na década de 1960.

Apesar da idade, ele ainda não havia trabalhado no cinema em grandes papéis, e tal qual ocorreu com Clint Eastwood após a trilogia dos dólares, voltaria a sua terra para se tornar um astro de ação.

A trama é focada em Navajo Joe, um nativo americano que busca a boa e velha vingança contra o impiedoso Duncan, o líder de um bando numeroso de bandidos, que dizimou tribos inteiras dos navajos. O guerreiro mestiço (filho de uma pessoa branca e um nativo) sobrevive a um dos massacres de Duncan, e vive observando o bandido, cercando ele desde muito novo, mas sempre espreitando.

Quando Joe envelhece e tem idade (e força) para praticar a revanche contra os fora-da-lei, ele finalmente se apresenta. Nesse meio tempo, ele é avisado por prostitutas que Duncan planeja roubar um trem carregado de dinheiro governamental destinado ao banco do povoado de Esperanza.

Esse cenário demonstra quem são os aliados do anti-herói as mulheres excluídas da vida social, as escravas do sexo pago, gente que não tem quem a defenda e que são exploradas praticamente desde sempre, por seus cafetões.

Joe se oferece para enfrentar os bandidos na cidade, mas a população desarmada teme confiar em um índio, afinal, além de não conhecer a figura, também existe uma grande preocupação racial.

Corbucci não trata o povo como personagens cheios de honra e sem defeitos, no roteiro escrito por Piero Regnoli e Fernando Di Leo, com argumento de Ugo Pirro, o que se percebe são pessoas de índole discutível, imorais e sem honra. É a vida como ela é.

Tal qual ocorre com a maioria das produções italianas, esse é um filme de múltiplos nomes. É fácil acha-lo como Navajo Joe, Joe el Implacable, mas também como Red Fighter, Savage Run, Navajos’s Land.

Joe, O Implacável: o faroeste indígena de Sergio Corbucci

As cenas foram rodadas na Espanha no deserto Almería, cidade essa que concentrava em si a maioria dos bons e mais caros filmes do faroeste espaguete ou o bangue-bangue à italiana - não que essa seja uma produção pomposa, mas haviam filmes ainda mais baratos que esse.

Além de ser produzido pelo mago do cinemão italiano Dino de Laurentiis., há outro nome de grande de destaque na produção: o maestro Ennio Morricone, que aqui, utiliza seu nome "estrangeiro", como Leo Nichols.

A trilha sonora original tem um trabalho primoroso, com músicas que ficaram bastante marcadas, não só com o tema de Navajo Joe, mas em outras tantas, que foram surrupiadas por Quentin Tarantino para a trilha de Kill Bill. Esse aliás é um dos filmes preferidos do cineasta estadunidense, que em seu Django Livre, homenageia o produto mais famoso de Sergio, o assassino Django.

Como dito antes, Corbucci colocava alguns elementos em comum em todos os seus filmes, sendo o primeiro deles uma ultraviolência que foge da elegância clintiana da Trilogia do Pistoleiro sem Nome, e o segundo é o cunho político, já que os vilões normalmente eram representações do fascismo, adaptados claro para a época em que se passava cada um desses filmes.

Se há uma terceira marca certamente é que o protagonista corbucciano jamais é um herói. Joe é um vingador, e considerando a moral de tantos outros protagonistas, é um dos mais próximos do herói clássico possível. Ainda assim, é um assassino cruel, frio e que só quer saciar sua sede pelo sangue de seus inimigos.

Em toda a narrativa, desde a primeira cena, é demonstrado que os vilões são genuinamente maus, com um intento genocida. Uma moça bela e vestida como mandam as tradições navajas, é assassinada a sangue frio, basicamente porque estava recolhendo água perto de um homem branco.

Ao sorrir para ele, o sujeito atira, sem aviso, só mata e deixa ela no chão. Após executar uma pessoa indefesa, os capangas de Duncan escalpelam essa menina e tantos outros, se apropriando de métodos e da cultura dos indígenas, arrancando o tampo de sua cabeça cabeluda, levando isso como troféu de guerra.

Corbucci filma de maneira soberba, valoriza demais as montanhas espanholas, colocando-as como o grande cenário de uma batalha que promete ser sangrenta e épica.

Joe, O Implacável: o faroeste indígena de Sergio Corbucci

As imagens, unidas a urgência dos acordes de Morricone e sua banda em Silhouette of Doom, já é emocionante por si só. Ao associar a música a primeira batalha, se ganha um ar de grandiosidade, como se a luta em meio a areia fosse uma representação das batalhas romanas no Coliseu, como era em Ben-Hur ou na peça Julio Cesar de William Shakespeare.

Reza a lenda que Reynolds decidiu ir para a Itália filmar unicamente graças ao motivo financeiro. Queria ganhar um dinheiro fácil, e a proposta para ele, recém-saído dos seriados televisivos, parecia apetitosa.

Parte dessa anedota é que ele teria se confundido, achou que Corbucci era Sergio Leone, e ao descobrir essa confusão, quis sair da produção, impedido claro pela força do contrato assinado.

Diz-se também que ele fez boa parte do filme de má vontade, e por isso se nota que seu desempenho dramático não foi grandioso. O que de fato não faltou foi entrega física. Reynolds se dedicou bastante nas acrobacias, e fez ace cenas quase sem dublê, fora que ajudou a montar as ideias das cenas de luta.

Outra historieta normalmente associada ao desempenho dele, é que o ator reclamou bastante do seu visual, recusando utilizar uma peruca enorme e vermelha, que iria até perto da sua cintura.

Depois de muito brigar, optaram por um corte de cabelo estilo romano, extremamente liso, de modo tão particularmente artificial que parece escovado.

Joe, O Implacável: o faroeste indígena de Sergio Corbucci

Da parte do bando de Mervyn Vee Duncan - personagem de Aldo Sanbrell, que vinha de participações na trilogia dos Dólares e depois se tornou diretor como em Sol Sangriento (1974) e Kapax del Amazonas (1982) - há alguns momentos expostos que mostram o cotidiano dos bandidos.

Entre discussões de planos, hospedagem em lugares isolados, são mostradas interações sem importância, que não mudam o rumo dos fatos, mas ajudam a ambientar o público, em saber quem são essas pessoas.

Os personagens são tão caricaturalmente malvados que praticam até rinhas de galos e incêndios nas cabanas dos vilarejos, algumas dessas filmadas com explosões reais - essa aliás era uma prática bastante comum nos bangue-bangue à italiana.

Vale lembrar que os sets de Corbucci e outros diretores do movimento Western Spaghetti eram repletos de atores estrangeiros. Cada um falava em sua língua, e na distribuição dos filmes pelo mundo cada cinema se virava como podia, dublando para o idioma local.

Poderia se pensar que, sendo Reynolds a estrela da companhia, a versão dos Estados Unidos teria mais cuidado, mas não foi o caso, e infelizmente a forma mais fácil de achar o filme é sua versão dublada em inglês. A falta de sincronia atrapalha bastante, então apreciar o filme no idioma italiano pode fazer ganhar mais, até por conta da maioria do elenco falar essa língua.

Da ação há vários subterfúgios típicos dos filmes de bangue bangue, como troncos colocados nos trilhos ferroviários, para facilitar um assalto. Há exageros, claro, nos momentos de tiroteios, mas dado a escalada que ocorreria anos depois, as cenas de mortes no trem são comedidas e discretas.

Quase não há gente voando, os passageiros são mortos em silêncio, a ideia é focar na crueldade de Duncan, que não deixa testemunhas, e não na pirotecnia típica de outras obras do gênero.

Joe também é quieto, praticamente não fala, age sorrateiramente, aproveita das sombras para se aproximar de seus alvos. Até para usar uma espingarda ele toma cuidado.

A moral dele é discutível, e como ele é um sujeito de caráter duvidoso, seu processo de apanhar para aprender uma lição é mais intenso, uma vez que ele precisa aprender mais que o comum, precisa sofrer infortúnios para ser mais remido de seus pecados.

Ainda assim o personagem tem seus momentos de altruísmo, como quando se prontifica a proteger a cidade depois que ela fica sem comunicação, após a destruição do telégrafo.

Seus métodos se assemelham a de um bandido, colocando um capanga em seu cavalo, para enganar Duncan e seus homens, e justamente com Jeffrey, que é o menos malvado do bando de Duncan, interpretado pelo astro italiano Lucio Rosato.

Essa sequência em si virou uma piada na internet, já que nada cena em que as pessoas atiram, o cavaleiro tem cabelos escuros, mas quando cai, suas madeixas são loiras. Esse erro de continuísmo soa charmoso, apesar de ser um erro crasso.

Joe marca a cabeça de um inimigo com uma faca colocando ali um símbolo nativo, pouco antes de dar o golpe de misericórdia nele.

Joe, O Implacável: o faroeste indígena de Sergio Corbucci

Curiosamente isso seria referenciado no personagem de Tarantino, Aldo Raine em Os Bastardos Inglórios, interpretado por Brad Pitt, claro, com ele invertendo a lógica, marcando com a cruz nazista a cabeça dos inimigos que deixa vivo. Aldo diz no filme que é descendente de índios navajos, outra coincidência referencial a Corbucci.

A troca de tiros do final começa impessoal, com Joe e Duncan disparando com espingardas sem certeza se atingiriam o alvo, se escondendo nas falhas entre as rochas do cenário montanhesco, uma batalha supostamente estratégica, que termina de modo sujo, com tentativas de suborno entre eles, além de lembranças sobre os pecados no passado.

Duncan acaba emboscado, depois sofre com socos, que ferem seu rosto. Usufrui então de uma breve tortura, e quase consegue virar o resultado da luta, sacando uma pistola escondida, para acertar seu algoz.

Teria ele que morrer com uma machadinha, encravada no seu crânio, com uma arma típica dos navajos. Uma bela justiça poética.

Joe: o Implacável termina sem esperanças, vociferando contra os poderosos intolerantes, tratando os homens maus do Oeste como os fascistas armamentistas da Itália, condenando também os benfeitores que se sujam com os métodos dos bandidos. Ninguém sai impune, e essa seria uma marca de todo o cinema de Corbucci enquanto contador de história.

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