O Homem dos Olhos de Raio-X é um filme B de ficção científica, que tem em si alguns elementos do cinema de terror, embora não esteja exatamente dentro do gênero. Lançado em 1963, é lembrado por ser protagonizado por Ray Milland, por ser motivo de piada - já que a premissa é bizarra e a execução idem - e também por ter condução de Roger Corman, fato esse que reforça a confusão em relação ao seu gênero.
A trama acompanha o Dr. Xavier, um médico, pesquisador cientista especializado na função de cirurgião, que gasta seu tempo e energia trabalhando em um colírio que pretensamente aumentará o alcance da visão humana, permitindo ver além do que se considera o espectro visível.
A crença dele é que o ser humano enxerga apenas uma parcialidade do que os olhos de fato têm capacidade de ver, então ele tenta expandir essa condição, através de uma espécie de elixir, obviamente em forma de colírio.
Depois de fazer testes em animais, ele decide avançar, indo na direção de usar pessoas voluntárias como cobaias, mesmo com os resultados péssimos na ministração a símios.
O plot central gira em torno desses resultados e da irresponsabilidade dele enquanto doutor.
O longa tem roteiro de Robert Dillon e Ray Russell, baseado no argumento de Russell. Foi produzido pelo próprio Corman e tem produção executiva de Samuel Z. Arkoff e James H. Nicholson, tem como produtor associado Bartlett A. Carre.
O cineasta afirmou em entrevistas que a ideia inicial do filme foi dele. A princípio a premissa partiria da vivência de um cientista como protagonista, mas ele achou que seria um plot óbvio demais, por isso mudou a profissão dele para um músico de jazz, que havia usado muitas drogas e acabou utilizando a estranha fórmula.
Analisando essa mudança, ele chegou sozinho a conclusão de que não era boa, decidiu então voltar à estaca zero, retornando o personagem a condição do cientista utilizando a fórmula.
O doutor James Xavier é tido como um homem brilhante, um grande pesquisador, de carreira promissora e cheia de méritos.
Ele é louvado pelos seus confrades, ainda assim ele sofre com o capital para o seu projeto, que fica comprometido, por isso ele decide testar a formula em si mesmo, com ela funcionando bem inicialmente, depois de se tornando uma maldição na vida do sujeito.
O longa-metragem foi pelos estúdios Alta Vista Productions. A distribuição foi da American International Pictures (AIP) nos cinemas dos EUA em 63, no Reino Unido foi da Anglo-Amalgamated Film Distributors e pela Warner-Pathé Distributors.
A maior parte dos releases atuais tem logo da MGM Home Entertainment, que distribuiu o filme em DVD, nos Estados Unidos, a partir de 2001.
Na Espanha foi relançado em Madrid pela Metropol Artística, mas foi exibido por apenas quatro dias e apenas em versão legendada.
A fotografia especial “super visão” foi filmada pela Spectarama, com consultoria John Howard.
Os efeitos especiais são da Butler-Glouner, inc. Corman descreveu o sucesso do filme como um milagre, notável pelo uso de efeitos especiais que retratavam a visão do Dr. Xavier.
Elogiou também os efeitos do filme, que eram criativos mesmo sendo rudimentares ainda são eficazes em transmitir ao público o ponto de vista bizarro do protagonista.
Para criar as imagens do super-poder de ver através das paredes de um prédio, Corman filmou o edifício enquanto estava em construção, colocando as imagens da progressão da obra na hora da montagem. O edifício "esquelético" era o prédio do escritório geral do Departamento de Água e Energia no centro de Los Angeles.
A construção começou por volta de 1963 e foi concluída em 1965.
As filmagens do longa-metragem ocorreram em março de 1963, em três semanas. Teve filmagens em Nevada e na Califórnia, com cenas em Las Vegas e Queen of Angels Hospital - 2301 Bellevue Avenue, Los Angeles e também em Southern California.
Mesmo hoje sendo motivo de piada - especialmente pela história capenga - o longa ganhou o prêmio Astronave D'argento (que se traduz como Nave Espacial de Prata) em 1963 no primeiro Festival internazionale del film di fantascienza em Trieste, Itália.
O título original é X: Man with the X-Ray Eyes, mas o nome de trabalho era curto, apenas "X". Na Bélgica foi chamado de X-Straal Ogen no idioma local e Mister Rayons X em francês, na França era L'homme aux rayons X, no título de vídeo e L'horrible cas du docteur X nos cinemas.
Na Grã-Bretanha, o filme foi lançado no verão de 1964 em dupla com outro filme de Roger Corman, o posteriormente feito A Orgia da Morte. Ao ser exibido na televisão britânica anos depois simplesmente como X.
Em países latinos como Chile, Colômbia, Equador e Venezuela é El hombre con visión de rayos X. Na Alemanha é Der Mann mit den Röntgenaugen. Na Itália é L'uomo dagli occhi a raggi X, na Suécia é Dr X - Operation skräck e em Portugal é O Homem com Raios X nos Olhos.
Corman vinha de obras como Atlas, O Poço e o Pêndulo, Obsessão Macabra, Muralhas do Pavor, A Torre de Londres, O Corvo e Sombras do Terror.
Robert Dillon escreveu A Moderna Mata Hari, depois fez A Marca da Brutalidade e Operação França II. Ray Russell escreveu A Máscara do Horror, Obsessão Macabra, A Moeda Mágica.
Embora Corman fosse conhecido por trabalhar com orçamentos reduzidos - esse incluso obviamente nessa classificação - ele conseguiu pagar o vencedor do Oscar Floyd Crosby, conhecido diretor de fotografia de Tabu (último filme de F.W. Murnau) com uma longa e distinta carreira, tendo trabalhado em Matar ou Morrer também,
Crosby seria diretor de fotografia em vários filmes de Roger, como Destino de um Gângster, O Solar Maldito, O Poço e o Pêndulo, Obsessão Macabra, Castelo Assombrado, Sombras do Terror, O Corvo e Muralhas do Pavor. Também trabalhou em filmes de outros diretores, como Farsa Trágica de Jacques Tourneur e A Senha do Crime de Buzz Kulik.
No lançamento nos cinemas, havia um prólogo de cinco minutos sobre como funcionam os sentidos humanos, mas ele foi removido de todas as cópias do filme lançadas posteriormente após a saída dele das salas comerciais.
Aparentemente foi removido de algumas das cópias de lançamento ainda nos cinemas. Isso reduziu o tempo de execução para 79 minutos. A filmagem pode ser encontrada no Blu-ray Second Sight.
Dito isso, o início do filme é meio conceitual, mostrando um olho em foco, no centro da tela, depois um recipiente com líquido efervescente e uma imagem hipnótica, de espiral, enquanto passa os créditos de estúdio e nome dos artistas da equipe, além de obviamente referenciar o nome original da obra.
A música de Les Baxter pontua bem a introdução, até chegar a um laboratório oftalmológico, onde apareceriam dois dos personagens principais. O músico compôs a trilha de vários filmes de Roger Corman, com algumas músicas sendo até reutilizada eventualmente.
São eles James Xavier, de Ray Milland, que teve uma piora no grau de problemas óticos, além do seu oftalmologista, o doutor Sam de Harold J. Stone. O segundo dá uma bronca no primeiro, enquanto o professor X afirma que há outras formas de ver o mundo, fazendo um mistério inicial a respeito de uma das suas experiências.
Ray Milland fez O Solar das Almas Perdidas, Farrapo Humano e Disque M para Matar. Era um ator renomado, que estava em uma fase já decadente da carreira, não à toa aceitou esse papel.
A trama não demora a mostrar Xavier conversando com Diane Fairfax, uma esperta cientista, vivida por Diana Van der Vlis, atriz que estreava nos cinemas e vinha de séries como Folio e Alfred Hitchcock Apresenta. Os dois estão em um laboratório e ela não gosta de ser tratada de maneira condescendente por ele.
Os dois testam um líquido em um macaquinho pequeno e ele vê mais do que se esperava até para os dois cientistas. Acaba enxergando lâmpadas que não estão alinhadas, com uma na frente da outra.
O fim do animal é trágico, ele morre depois de ter contato com o experimento, mas nem isso liga o alerta a Xavier.
James resolve fazer experimentos consigo mesmo, mesmo depois do símio morrer depois de ter contato com o tal soro. Para aumentar a segurança ele pede ao doutor Sam para ministrar nele a substância, embora o próprio seja contra isso.
Os dois médicos cometem uma irresponsabilidade atroz, nenhum cientista em sã consciência faria a si mesmo de cobaia, é o tipo de patifaria que só se veria em um filme de monstro, em um gibi infantil de herói e em uma produção de Roger Corman.
Há de lembrar inclusive que a moda de colocar personagens cientistas tendo contato com radiação que dá poderes começou a se perpetuar nos gibis nos anos 1960, nas publicações da Marvel Comics. Também vale falar que a Gold Key publicou uma versão em quadrinhos do filme em setembro de 1963.
O efeito da parte interna da córnea mudando é sensacional, colorida e psicodélica.
O visual do soro é único, amarelado, feio e nojento. No entanto, a formula funciona, ele resolve colocar mais, a fim de conseguir um controle ainda maior sobre o que assiste e o que consegue observar através de paredes.
A cena posterior já é em uma reunião de engravatados, onde investidores ouvem uma gravação de áudio, que reporta os experimentos de X, no mesmo aparelho de som que o protagonista utilizava.
No entanto eles negam a verba que ele precisaria para seguir as experiências. Mesmo depois do projeto acabar, Xavier continua tendo contato com Fairfax. Vai inclusive até uma festinha, uma reunião social estranha, já que é frequentada por pessoas muito mais jovens que eles.
Não fica claro o motivo para isso, mas aparentemente o doutor desenvolveu uma força de sedução que antes não existia, tanto que uma das belas moças o chama para dançar, insiste com ele e parece ser desejosa de ficar com ele, mesmo que ele seja bem mais velho, mesmo sem saber do seu potencial ou algo que o valha.
Ele não é um homem indiscutivelmente sedutor, tampouco é sinônimo de masculinidade ou virilidade. É um senhor, de meia idade, meio pançudo, embora seja elegante. É nesse ponto ele começa a ver todos como se estivessem nus, não aparece nada explícito, mas é engraçado.
O cientista não tem qualquer capacidade de dança, não tem jeito para isso, não possui molejo tampouco tem ginga, mas também não se aproveita da inocência e ingenuidade da menina, tanto que nem flerta com ela, permite que ela se engrace, mas não desenvolve nada a partir daí.
Ao mostrar as partes das pessoas sem roupa há piadas sobre a coluna cervical de Diane e flertes com ela. Nesse trecho se percebe o desejo de Corman já em 1963 de mostrar pele humana. Anos mais tarde ele faria uma exploração quase pornográfica em seus filmes dirigidos e produzidos, mas aqui é bastante comedido nisso.
James enxerga melhor depois de tomar o soro. Além de conseguir separar pele e músculos de maneira bastante nítida, consegue de certa forma dissecar as pessoas que estão na mesa de operação e até nos arredores, nos setores do hospital que comportam apenas médicos e enfermeiros.
Ele utiliza bem os seus dons, melhorando consideravelmente como cirurgião. Mesmo sem o dinheiro que precisava, parecia ter arrumado uma forma de ser celebrado.
A derrocada dele se dá de maneira abrupta. Ele começa a sentir dores repentinamente, seus olhos ficam feios, vão piorando de uma maneira que faz parecer estar deformado na córnea.
Em uma cena no laboratório Xavier avisa a Sam o que aconteceu e seu amigo se preocupa com ele. Depois que o amigo dá uma bronca nele, o protagonista esbarra nele acidentalmente, sem controlar direito sua força o faz cair pela janela.
O médico acaba morrendo e Diane, que acabou de chegar, sugere que Jim fuja, mesmo que tenha feito isso sem querer.
Na fuga há uma cena bastante elaborada, de um carro em alta velocidade, que bate e se perde pela estrada. Esse seria o álibi perfeito para o sumiço de X. A rodovia que o Dr usa para viajar para Las Vegas tornou-se a Interstate 15, conhecida como US 91 na época em que ocorreram as filmagens.
Xavier começa sua fuga para Las Vegas em um Lincoln Continental azul-gelo com pneus de faixa branca e calotas Lincoln padrão, mas os destroços dos quais ele rasteja para fora da vala são de um junker pintado de azul com pneus de faixa preta sem calotas, um carro muito mais barato e que não seria destruído só para o filme.
A próxima cena dele é como atração de circo, em um parque de diversões, numa caravana itinerante. Faz o clarividente Mentallo.
Em seu número de apresentação, tira uma pessoa cética da plateia do sério, tanto que o sujeito sai. A pessoa que sai é feita por contumaz parceiro de Corman, o ator Dick Miller, acompanhado de Jonathan Haze, que ainda eram relativamente desconhecidos na época.
Os dois tiveram mais destaque em Um Balde de Sangue de 1959 e A Loja dos Horrores de 1960. Ambos se tornarem lendas do cinema cult.
O dono da tenda quer lucrar com ele. Seu nome é Crane, foi interpretado por Don Rickles. Ele tenta utilizar as capacidades de James fora do palco, embora não entenda em plenitude o que ele tem capacidade de fazer, já que jamais falaram sobre o passado do sujeito.
Quando Milland e Rickles apareceram juntos no episódio de The Tonight Show em 1972 Milland afirmou que embora este filme fosse terrível, Rickles foi brilhante nele e expressou sua admiração pela habilidade de atuação do amigo.
Os olhos de Xavier têm feridas na vista, claramente seus olhos estão prejudicados por conta do uso contínuo de seus poderes. A maior parte das cenas ele usa óculos escuros muito grossos, tapa olhos ou algo que o valha. Ele segue tomando notas, gravando seu progresso em fitas de áudio. Não desistiu de ser um pesquisador, ao menos não completamente, já que mantém esse hábito.
Nas partes finais ele tem olhos cuja íris é amarela e a esclera é bem escura fica um efeito legal. Esse é o ponto em que mais há uma proximidade com uma figura monstruosa em tela.
A perseguição final na estrada, onde ocorre a direção errática de Ray Milland ocorreu na Soledad Canyon Road, entre as cidades de Santa Clarita e Acton, na Califórnia - o mesmo lugar onde quase todo Encurralado de Steven Spielberg foi filmado.
Mais uma vez ocorre um acidente, o personagem acaba se arrastando pela areia do deserto, até chegar em uma tenda onde ocorre um culto evangélico protestante. Ele deseja que as pessoas vejam o que ele vê, termina com olhos totalmente escuros e ao ouvir a citação bíblica de Mateus 18:9, que diz
E, se seu olho o faz pecar, arranque-o e jogue-o fora. É melhor entrar na vida eterna com apenas um dos olhos que ser lançado no inferno de fogo com os dois olhos.
Nesse ponto, o filme faz crer que ele vai arrancar os olhos, ferindo a si mesmo, já que sai a cor escura e entra uma vermelha. Ao menos é isso que parece. Há alguns boatos de que uma cena final diferente foi rodada, na qual o Dr. Xavier grita “Ainda consigo ver!”. A crença geral era que esse momento foi cortado por censores. No entanto, não há nenhuma filmagem disso, nem parcial nem cena inteira excluída.
O filme termina abruptamente no momento em que o Dr. parece prestes a dizer algo. Em uma sessão de perguntas e respostas, Corman disse que a ideia de inserir esse trecho foi discutida, mas nunca foi filmada.
Antes de morrer em 2024, o cineasta considerou atualizar o filme, ou com interferências no original ou produzindo uma refilmagem. Uma das ideias pensadas teria participação de Tim Burton. O diretor teria desenvolvido um rascunho de roteiro com o escritor Bryan Goluboff, mas não foi produzido, não há também nenhuma previsão de nada, o projeto obviamente não ocorreu, ao menos não até o presente momento.
O Homem dos Olhos de Raio X ainda não era o arquétipo da formula dos filmes de Corman. Tem alguns elementos de filmes de terror da época, mas tem uma estrutura que valoriza mais os dramas humanos, embora incorra demais em tecnobaboseiras e abra mão da suspensão de descrença muito rápido. Há uma boa dose de diversão e de ficção científica especulativa, embora boa parte de suas tramas não façam muito sentido.
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