Phenomena é um filme de Dario Argento que transita pelos gêneros Giallo, Slasher e Fantasia. Entre as obras da filmografia do diretor é certamente uma das mais injustiçadas e subestimadas, especialmente por não ser levada a sério.
Lançado na metade da década de oitenta, o filme é normalmente lembrado por seus aspectos mais pitorescos, como a interação entre humanos e animais e alguns efeitos especiais que fogem do uso do digital, no entanto ele carrega em si uma mitologia particular e bem desenvolvida, além de um caráter onírico e uma das mais brilhantes trilhas originais de Claudio Simonetti e do Goblin.
A história se passa em um cenário tranquilo e campestre na Suíça, onde fica uma escola para moças. Eventos estranhos ocorrem ali, com boatos sobre um assassino misógino, que ataca as meninas que andam sozinhas pelo local, mas nem professores e nem as autoridades se movimentam para capturar o facínora.
O ponto de partida da trama central se dá com o acréscimo de uma estudante estadunidense, que é filha de um artista famoso. A menina é Jennifer Corvino, interpreta por sua vez por sua xará, Jennifer Connelly.
Ela sofre com alguns preconceitos, graças ao fato de gostar de insetos, sendo julgada só pelo fato de ter predileção por essas criaturas que as pessoas consideram nojentas, além de sofrer crises sonâmbulas.
Em suas falas ela afirma que tem uma ligação com os animais, teoricamente ela consegue se comunicar com insetos, vermes e larvas e por isso, é malquista entre as colegas, fora que vários acontecimentos macabros cercam a sua rotina.
Sua vivência no local varia entre as aulas, os momentos de sonambulismo, algumas cenas fantasiosas/idílicas e conversas "refrescantes" entre ela e um professor cadeirante, que é especialista em vida hexapoda.
Dito assim é difícil levar a obra e sua história a sério, mas ela é de fato curiosa, fantástica, bastante ligada ao que era popular na época, como literatura sci-fi e histórias de quadrinhos de terror e de super-heróis.
Coprodução entre Itália e Suíça, o longa de 1985 é dirigido, produzido por Argento. O roteiro ficou a cargo do diretor e do experiente Franco Ferrini, reúne elementos de filmes fantásticos, mas pega emprestado a narrativa de um giallo, especialmente no que tange a presença do assassino misterioso, que só é revelado no final.
Também é lembrado por ser protagonizado por uma Jennifer Connelly ainda em início de carreira, recém-saída de Era Uma Vez na América, onde trabalhou com Ferrini. Esse é apenas seu segundo filme para cinema, até então ela havia trabalhado em um seriado, Tales of the Unexpected e em um clipe do Duran Duran.
Em Phenomena ela passaria por maus bocados, especialmente com o chimpanzé com quem contracenou. Granças a um momento de descuido do diretor, ela acabou ferindo sua mão.
O animal estava de costas para a câmera do cinematógrafo Romano Albani, então Argento pediu que ela mexesse no macaco, para que se virasse. O bicho reagiu da maneira agressiva, se encheu de fúria e mordeu seu dedo, arrancando ele, que teve que correr para o hospital, para recolocar o membro.
O animal passou a ser hostil com a menina até o fim das filmagens.
O longa foi gravado em inglês e depois dublado para os seus idiomas base, entre eles, o italiano, sendo assim diferente da maioria dos gialli e demais obras italianas, que normalmente eram gravadas com os atores falando em seus idiomas originais, tendo corrigida a língua na hora da dublagem.
Foi filmado entre agosto e outubro de 1984 com cenas na Suíça e Itália. Houveram gravações em Zurique, na Wesendonck Villa - Rietberg Museum que é a Richard Wagner School, também em Kleinwald 1172, 9107 Urnasch e em Cantão de Zurique.
Também houveram cenas em Schwägalp - Kanton Appenzell-Ausserrhoden, nas cataratas de Thurfälle in Unterwasser. Algumas cenas internas foram feitas nos Elios Studios em Roma.
O estúdio por trás do filme foi a DACFILM Rome, já a distribuição da Titanus na Itália e da New Line Cinema nos EUA, que mudou o nome do filme para Creepers.
Sobre esse último, vale uma pequena nota. A New Line editou o filme severamente, cortou um bom pedaço do longa, retirando cenas mais agressivas, que juntas, somavam 20 minutos. Essa versão foi veiculada no país e passou também na Grã-Bretanha na primavera de 1986.
Essa versão atrapalhou a recepção da crítica no geral. Ao The New York Time, Jon Pareles reclamou que a primeira hora do filme não consegue causar nenhum arrepio. Por conta dos cortes ele também achou as atuações com pouca qualidade, tanto que em seu artigo afirmou que apenas o chimpanzé foi expressivo, até brincou que ele deveria receber indicação a categoria de Melhor Primata Coadjuvante nas premiações.
A remasterização recente conseguiu resgatar esse corte, mas as partes excluídas claramente não tem o mesmo nível de qualidade dos momentos que passaram em "Creepers", possivelmente graças a má preservação do material original.
Apesar de ser um filme de horror italiano, esse quase não possui variação de nomenclatura. Na maior parte do mundo se chama Phenomena. No Brasil ele também foi conhecido pela sua tradução literal, como Fenômeno, mas tanto em streaming quanto em mídias físicas tem sido chamado pelo nome original.
Na parte francesa do Canadá se chama Creepers, na Hungria é Jelenség e no Japão é Fenomina. No México foi Satánica Inocencia nos cinemas e Fenômena no lançamento em mídia física. Em alguns países da América do Sul foi chamado de Monster.
O diretor costuma citar esse como o seu filme favorito, curiosamente ele foi contratado para fazer o filme graças aos sucessos dos Filmes de Matança estadunidense, ou seja, era para fazer uma espécie e slasher movie.
A ideia original não foi sua, mas a trama em si foi pensada por ele e por seu parceiro Ferrini, que se inspiraram no fato curioso de que se usavam insetos durante investigações de homicídios.
Ferrini já vinha de grandes trabalhos. Em início de carreira, participou de obras dramáticas, como Enigma Rosso e A Cigarra, mas era realmente conhecido mais pelo já citado Era Uma Vez na América de Sergio Leone, por Demons: Filhos das Trevas de Lamberto Bava, A Catedral de Michele Soavi.
Ao longo dos anos o escritor estabeleceu uma frutífera parceria com Argento, escrevendo com ele argumento em Terror na Ópera, Trauma, Síndrome Mortal e o telefilme Você Gosta de Hitchcock. Ajudou a escrever também Occhiali Neri, o último filme do diretor, lançado em 2022.
Argento vinha de dois filmes bastante surreais e agressivos, lançando em 1980 Mansão do Inferno, a sequência de Suspiria, além do agressivo Tenebre, que chegou aos cinemas de 1982.
Apesar do insucesso de crítica no continente americano, ele serviu de inspiração para o videogame de terror Clock Tower, lançado em 1995. O jogo segue uma adolescente que está presa em uma mansão com um garoto psicótico e deformado, que carrega uma tesoura gigante. Além de se inspirar na estética e em partes da trama, a protagonista é chamada Jennifer Simpson e tem aparência semelhante à de Connelly.
A narrativa inicia em uma estrada interiorana, na Suíça. É um início tranquilo, até bucólico, já que um ônibus estaciona a fim de permitir a subida de um grande grupo de passageiros.
Como o lugar é isolado, fica claro que o espaço entre os ônibus é grande, fato que justifica a corrida de uma menina, que acaba não conseguindo embarcar. Ela é interpretada por Fiore Argento, que, obviamente é filha do diretor e de uma das atrizes do filme, Daria Nicolodi.
Ela é uma turista dinamarquesa que tem sua identidade dita depois. Se chama Vera Brandt e graças ao frio que começa a sentir, resolve procurar abrigo. Encontra então uma velha casa e entra nela, obviamente procurando abrigo, visto que o tempo parece estar virando.
É curioso como nesse ponto, parece que algo espiritual interfere nos elementos naturais, como o clima e o tempo. Ainda assim o silêncio impera, quase não se ouve trilha, pelo menos não até começar a sensação de perigo.
Vera só entra depois de perguntar se há alguém ali, como não obtém resposta ela decide ir para o interior. Um olhar indiscreto acompanha a menina, mas quem quer que seja, simplesmente permanece fora do registro da câmera.
Aqui se notam correntes sendo puxadas de maneira fonte, esticadas até o ponto de romper o concreto das paredes. É como se alguém estivesse preso, ávido por ser libertado e entrada de Brandt no raio de ação da casa simplesmente deu forças para que esse ser preso se soltasse.
Ainda assim, ninguém aparece. A menina anda pela casa, passa a ser atacada por objetos. Não se percebe nenhuma mão tacando esses em Vera. As coisas que deveriam ser inanimados parecem ter vida própria.
A corte faz acreditar que há algo fantástico de fato, como telecinese, mas a abordagem é cuidadosa ao ponto de fortificar a sensação dúbia. A moça quase é enforcada, mas perece mesmo depois que uma tesoura começa a perfurar seu corpo, primeiro, ferindo a palma de sua mão, depois, simplesmente a segue.
A perseguição ocorre até uma espécie de túnel, de caverna, que desemboca nas quedas dágua de uma cascata. Além do ambiente ser estranho, a sequência se dá em slow motion, com a tesoura entrando em seu peito.
Para fechar esse momento dantesco, a garota termina sendo misteriosamente decapitada, com a cabeça descendo pela cascata vizinha da caverna. Essa seria aliás uma marca do homicida, que sempre arranca a cabeça das vítimas.
Não demora a mostrar o macaquinho, na verdade, uma fêmea, uma chimpanzé chamada Inga, que anda ao redor do consultório do professor John McGregor, de Donald Pleasence.
Inga é cuidada pelo sujeito, é uma espécie de amiga e auxiliar de laboratório do professor. O "ator" que fez Inga foi bastante travesso durante as filmagens, além de ter atacado Connelly, também fugiu para dentro da floresta em determinado momento, fazendo atrasar as filmagens naquele dia.
O chimpanzé Tanga já havia atuado na comédia teuto-italiana Bingo Bongo de 1982. Argento reclamou bastante de trabalhar com ela, disse que era difícil dirigir o animal, especialmente por querer evitar que sua atuação parecesse cômica, já que o bicho até maneja um bisturi de maneira agressiva, possivelmente em ao conto Os Assassinatos na Rua Morgue de Edgar Allen Poe, onde um macaco comete assassinatos com uma navalha.
John McGregor é um especialista em insetos, que contribui com a polícia, já que tem especialização em análise de cadáveres. Ele é tão bom nisso, que consegue identificar a data de morte de uma pessoa graças ao tamanho das larvas de moscas que acompanham um cadáver.
O papel desse senhor foi escrito para Peter Ustinov, de Quo Vadis? e A Morte no Nilo, mas Pleasance consegue trabalhar com maestria. É discreto, simpático, carismático. É impossível não se afeiçoar a sua figura.
O docente recebe o inspetor Rudolf Geiger (Patrick Bauchau) que o procura para que ajude ele na solução do assassinato da aluna estrangeira. Como McGregor é muito ocupado com suas pesquisas, não garante que conseguirá ajudar muito, mas ele acaba sendo bastante importante na solução do caso.
Jennifer Corvino é apresentada no carro, junto a tutora a cuidadora da escola, a senhora Frau Brückner, interpretada por sua vez por Daria Nicolodi, que está bastante diferente, quase irreconhecível. Ela e a personagem de Connelly estão indo para a escola internacional pata moças Richard Wagner.
Nesse momento a menina brinca com uma abelha, que ao voar dentro do veículo assusta a cuidadora. A moça não permite que o animal seja morto, diz que gosta de insetos e ao permitir que o animal viva quase causa um acidente sério na viagem.
Nicolodi e Argento eram um casal na época do filme. Os dois tiveram uma família. Entre suas filhas está a já citada Fiore Argento, além da também atriz e diretora Asia Argento.
A questão da aluna estrangeira, que vai até a Europa para ficar em um internato guarda muitas semelhanças com a base da trama e narrativa de Suspiria, além de compartilhar a mesma fonte de inspiração, que é o clássico filme de horror A Casa dos Desejos de Chicho Ibáñez Serrador.
Em comum com a obra de 1977 está a paranoia que acompanha a personagem central e o clima hostil entre as alunas. Nas conversas, é dado que ela é filha de um ator famoso, Paul Corvino, que está em viagem as Filipinas, portanto, está incomunicável.
Ela também sobre uma relação bastante distante com sua mãe, subtrama essa que era bastante cara ao diretor, já que coincide com o seu drama pessoal. Dario é filho Elda Luxardo uma fotógrafa brasileira, sempre muito requisitada, que não tinha muito tempo em casa com ele.
O realizador usou esse aspecto para exorcizar os seus próprios demônios, coincidentemente no primeiro filme seu que não tinha como produtor o seu pai, Salvatore Argento, que morreu poucos anos depois, em 1987.
Salvatore tinha trabalhado com o filho até Tenebre, esse foi o primeiro filme de Dario sem produção do mesmo.
Estava nos planos de Argento mostrar o pai da menina, ao menos em fotografias. Ele desejava que o personagem fosse feito por Al Pacino, mas o ator não liberou o uso de sua imagem, já que achava boba a ideia de utilizar suas feições para um papel que ele não trabalharia nenhum nível de interpretação.
Ao chegar Jennifer descobre que apesar de essa ser uma escola suíça as aulas seriam ministradas em inglês. Curiosamente o release mais famoso do filme só reúne cenas em inglês nas partes mais "suaves, afinal, as versões dos EUA foram retalhadas, como dito antes.
Se destaca uma figura, uma senhora, silenciosa e de expressão rígida, que só fala depois, nas aulas. Interpretada por Dalila Di Lazzaro é creditada como Headmistress. Ela tem uma apresentação típica de vilã, mas não há nela nenhum tipo de ação necessariamente má.
Entre os momentos de aula, Jennifer conhece Sophie, uma menina francesa interpretada por Federica Mastroianni, que diz ser fã do pai da protagonista. Curiosamente, a atriz é filha de uma celebridade, no caso, Ruggero Mastroianni, que foi um dos montadores mais prolíficos do cinema italiano, tendo trabalhado em filmes de Federico Fellini como Amarcord e Ginger e Fred.
Federica ainda era sobrinha de Marcelo Mastroianni, que deve ser provavelmente o mais famoso ator de cinema da Itália.
Sophie fala abertamente sobre o assassino que espreita a escola, dá detalhes sórdidos sobre os métodos do vilão, mas a protagonista dá de ombros, parece com pressa de dormir, como se tivesse algum compromisso inadiável com o reino de Morfeu.
Na verdade, ela parece alguém alienada, aérea, esquisita até para uma adolescente.
Pode ser culpa da orientação do diretor ou do roteiro, talvez faltasse experiências a Connelly, de fato incomoda como ela parece distante do real, tanto que a sensação mais presente é que ela sofre algum distúrbio de ordem mental.
A razão para isso não se sabe exatamente, mas o fato mais notório é que ela segue blasé, quase como se estivesse alta ou dopada, age então de uma maneira muito suspeita e isso colabora com a aura de estranheza que o filme possui.
A trilha sonora é um dos aspectos mais lembrados e elogiados do filme. O esforço de Simonetti nas músicas originais é impressionante, mas Phenomena consegue apelar para os dois estilos mais populares na forma de compor trilha, já que possui canções originais, mas também se debruça sobrea a moda de colocar músicas populares.
A trilha inclui composições originais de artistas como Bill Wyman com Claudio Simonetti, com a voz soprano solo de Pina Magri. Ainda há muito heavy metal com canções de Iron Maiden e Motorhead, bem como a banda pós-punk Sex Gang Children. A mistura entre metal e rock farofa acrescentam um certo charme ao filme
Além de contribuir com músicas inéditas, há também referências a outras trilhas da banda Goblin, especialmente quando Sophie assiste televisão, onde se ouve baixinho as canções originais de O Despertar dos Mortos de George A. Romero.
Além de ter uma preferência por lidar com animais vistos como nojentos, Jennifer tem outro comportamento estranho, já que ela anda enquanto dorme.
Os momentos em que ela dá vazão ao sonambulismo tem cenas conceituais lisérgicas, que lembram o clima de Prelúdio Para Matar, mas o propósito aqui é ligeiramente diferente, já que a condição visa dar a Jennifer uma condição de superdotada, que tem sorte em sobreviver nas breves brechas de perigo dadas nesse cenário bizarro.
Vale ressaltar que esse é um filme que guarda muitas, mas muitas semelhanças com as revistas popularesdos X-Men. Jennifer é uma mistura de várias personagens femininas das revista mutantes da Casa das Ideias.
As "mutações" que ela apresenta incluem uma certa clarividência paranormal, que flerta com a onisciência, além de ter uma sorte incomum, tanta que parece alterar as probabilidades dos fatos que lhe cercam.
O cúmulo dessas manifestações ocorre logo no primeiro episódio de andança pela noite que ela protagoniza. A menina sai da escola, pela janela, depois anda por uma estrada movimentada que praticamente não possui iluminação, ela quase é atropelada várias vezes, mas não é atingida, é como se misturasse os poderes de Sina, Dominó e Feiticeira Escarlate em uma menina só.
Ela passa por maus bocados nesse primeiro episódio de andança inconsciente. Ela é socorrida por dois rapazes em um carro, que colocam ela no veículo achando que ela está passando mal. Por conta da variação de qualidade entre cenas, a sequência é confusa, já que as intenções dele parecem dúbias, eles podem só querer ajudar a moça, que se debate.
Seu comportamento é típico de quem tem medo de ser violada, mas não fica claro se ela age por instinto, se a intenção dos garotos era de fato maldosa ou se foi apenas um mecanismo de defesa.
A macaca Inga a resgata no matagal e acaba levando-a para a casa do professor cadeirante. O homem então conversa com a menina sobre o sonambulismo, onde ela revela que tinha ciência desse problema, uma vez que isso já tinha ocorrido antes.
As sessões de andança no sono seguem acompanhadas de cenas com corredores cheios de portas, onde a cor branca predomina, como se determinasse que ela adentra em um portal místico toda vez que dorme.
Como dito antes essa trilha sonora é excelente, justamente por ser bem diferenciada do que normalmente o Goblin fazia. As músicas são mais enérgicas, possui vocais lindos, com grandes variações dos acordes e temas.
O caráter frenético dos cantos é acompanhado de uma bateria intermitente reforçam o caráter psicodélico, sem tirar o lado sombrio da esquisita história que a pequena Jennifer vive.
A coisa se intensifica depois que Sophie morre. Curiosamente ela perece depois de se flertar com o seu namorado, talvez por eco das regras dos slashers da América.
Argento retribui a influência que os seus gialli fizeram ao gênero criado por John Carpenter e ainda pontua esse momento com a grande música de Simonetti, que reúne influências até das trilhas originais de Carpenter, embora sejam muito mais inspiradas.
Ao conversar com a menina McGregor cita partes dos seus estudos e do material que publicou, até mostra um de seus livros.
Segundo ele, insetos podem ter capacidades telepáticas e como ela tem muito contato com os animais e com o estágio larval deles, certamente ela teria um conhecimento maior sobre o oculto, podendo acessar assim uma dimensão não natural.
Tal qual ocorre com vários personagens do Universo X da Marvel ela é excluída e maltratada, fato que reforça a possível inspiração nos quadrinhos. Depois de sofrer perseguição das outras alunas, ela faz um grupo de insetos se amontoar contra as vidraças da escola
As tomadas que mostram um enxame de insetos cobrindo o exterior da escola foram obtidas por meio de efeitos práticos. A produção jogou borra de café em um tanque de água, colocaram uma câmera e sobrepuseram a nova filmagem às cenas de fundo existentes.
As conversas entre o professor e a garota chamam a atenção não só pelo conteúdo, mas também pela clara preocupação do docente com a menina, já que ele enxerga que ele pode ser alvo do assassino.
Entre falas sobre as capacidades extra-sensoriais dela e a predileção por insetos, o personagem de Pleasance explica que a criatura larval que ela trouxe para ele examinar é apelidada de Sarcófago, basicamente por ele se alimentar de corpos humanos, exclusivamente.
Esse animal já crescido em forma de mosca é a chave para encontrar o psicopata. Segundo a teoria do professor, o assassino mantém o corpo das vítimas por que gosta de ter contato com elas, mesmo depois de mortas. Esse palpite até se mostra correto, a grande questão é todo o resto.
McGregor sugere que Jennifer vá de ônibus atrás do caminho que a primeira vítima fez, levando junto consigo uma mosca sarcófago, em uma caixa. Ao se aproximar de um corpo o animal ficaria nervoso e se debateria, sendo esse o sinal.
A mosca poderia simplesmente ficar desesperada passando por qualquer lugar onde tenha um corpo humano morto, até em lugares comuns como uma funerária ou necrotério. O raio de 52 km é grande demais para se intuir que caso o inseto se manifestasse, era necessariamente o lugar correto. A chance de isso dar errado é enorme, mas o acaso protege a menina.
A viagem de ônibus faz ela chegar até uma casa velha e nesse ponto, a música lembra acordes da trilha de O Fantasma Da Ópera. Ela é expulsa do lugar pelo corretor que tenta negociar a residência, ou seja, aquele ou não é o lar de ninguém, ou disfarçaram bem essa questão. Logo chega ali o policial, Geiger, que basicamente se aproxima do local só para se tornar um suspeito imediatamente.
Enquanto isso, o assassino invade a casa do professor, espera ele descer pelo elevador especial e o espeta com a faca, utilizando o cabo que ensaiava manejar em todos os outros homicídios, mas que jamais foi registrado em tela, ao menos não em tantos detalhes.
Esse assassinato ocorre de maneira fria, sem grandes explicações, fato que ajuda a diferenciar esse Phenomena dos seus primos slasher. O longa se localiza melhor no movimento do giallo, já que nos filmes tipicamente americanos, haveria uma grande explicação e reflexão sobre esse assassinato.
Aqui não, ocorre simplesmente, reforça a ideia de despistar a suspeita sobre Rudolf e encerra a participação de um dos personagens mais carismáticos da fita.
A questão relacionada a escola ministrar pílulas soníferas é estranha. Apesar de haver obviamente uma rigidez comum a internatos, dar remédios e drogas para meninas parece algo bizarro, ainda mais se considerar as pautas sobre educação que atualmente permeiam o senso comum.
Jennifer toma um remédio que é dado por Frau Brückner, mas suspeita de algo, visto que o comportamento da tutora mudou repentinamente, passando a ser bem suspeito.
No entanto ela só atenta para isso quando vê larvas no banheiro.
Esse é um indício de que algo nojento está acontecendo ali, mas como Jennifer está acostumada a conviver com insetos, ela encara como um sinal de premonição, como um prenúncio, que a faz inclusive lembrar da voz do seu mentor, lembrando dos vermes de Sarcofago que McGregor dizia para ela.
Esse ponto pode evidenciar que talvez Corvino seja esquizofrênica e não superdotada, ou os dois, afinal, as larvas são apenas indícios de que há algo podre ali, que se revela depois.
Vale lembrar que inúmeros gialli terminam com uma lembrança que era forçada ao longo do filme inteiro e simplesmente vem de súbito, como é aqui. Outras obras de Argento são assim também, como O Pássaro das Plumas de Cristal.
De qualquer forma, é esse indício que a salva, já que ela força o vômito, para não ficar dopada nos momentos finais.
Essas larvas foram feitas "artesanalmente", criadas colocando vermiculita em água e adicionando chocolate líquido e essência de menta.
A escola é quase como uma fortaleza, provavelmente foi construída em um lugar que serviu de bunker durante as guerras, apesar da Suíça ser conhecida por ser um país neutro em qualquer conflito. Ela possui portões de ferro, bizarros, que fecham de acordo com o acionamento de botões.
Nesse ponto falaremos sobre o final. Haverá spoilers. O aviso está dado.
Há uma longa e reveladora linha de diálogo, que determina que Brückner teve um trauma, datado de 15 anos antes. Ela carrega uma cicatriz no peito, provavelmente de um vidro atravessado por si, em um confronto.
Nesse trecho são dados indícios de que ela teve contato com um assassino no passado, que é um clichê desse tipo de filme, mas não é mais desenvolvido que essa mera menção. Todos os trâmites e motivações são dadas de maneira bem óbvia, infelizmente.
A exposição é desnecessária, mas ao menos saciam a fome por gore do aficionado por filmes B. Os personagens são mostrados de maneira insalubre, como Geiger, que está acorrentado, sangrando, preso nas correntes, todo sujo, com muita lama em volta. Seu lugar claramente não foi feito para ele e logo é revelado que deveria estar ali.
Abaixo de si há um poço nojento, repleto de esqueletos e pedaços de corpos, pútridos, obviamente tomados por vermes e larvas. Jennifer cai e obviamente se desespera, dado que é um lugar sujo e cheio de pedaços de corpos.
Ela é perseguida pela funcionária da escola, mas consegue sair do foço, com a ajuda do policial, que quebra própria mão, para se livrar de uma das correntes.
Embora não tenha sido mostrado explicitamente em tela, o professor John McGregor compartilhou com o inspetor Geiger seu plano de fazer com que Jennifer e o Sarcófago rastreiem o covil do assassino. Geiger provavelmente estava seguindo Jennifer, que antes de morrer, deu a ele a pista para que ele protegesse a menina, afinal, ela poderia revelar quem era o assassino.
O segredo da tutora é ligado ao seu filho, uma criança que tem uma condição única, uma anomalia que o deforma e supostamente causa nele instintos assassinos. A condição é chamada de Síndrome de Patau e é uma síndrome real, causada por uma anomalia cromossômica.
Argento disse que sua ideia para o visual da criança assassina veio da doença genética, que causa severa deformação no rosto, por isso o personagem interpretado pelo anão maquiado Davide Marotta era chamado de Patau durante as filmagens.
Não há obviamente qualquer indício de que a doença causa demência ou agressividade em seus portadores. A atitude violenta da criança provavelmente tem a ver ou com preconceito a neurodivergentes ou por ter puxado traços de psicopatia da mãe dele.
O fim do personagem é bem curioso, com um apocalipse dos insetos, que mata a versão italiana de Jason criança que Dario Argento fez. Para muitos fãs, essa é a interpretação do mestre do horror italiano para o drama de Sexta-Feira 13, obviamente sendo mais violento, assustador e com muito mais gore.
Para a cena em que Patau é ataca pelas moscas também houve uma façanha de efeito prático bastante elaborada. Mais de 2 milhões de ovos foram comprados e incubados no forno, assim que nasceram, Marotta foi maquiado, vestido e foi para o set.
Para atrair as moscas recém-nascidas, suas roupas e rosto foram revestidos de glicose e as moscas foram liberadas de redes muito finas para ir na direção de seu corpo. Após finalizar a cena, a equipe abriu as janelas do estúdio para soltar todas as moscas, mas elas ficaram pela localidade e atrapalharam os comércios locais por semanas.
Os momentos finais mostram outro clichê, que é o do vilão imortal. A opositora é insistente, retorna dos mortos, decapita Morris, o auxiliar do pai de Jennifer que veio para salvá-la, mas tem sua vida encerrada pelo macaco, que enfim, consegue retribuir a referência a literatura de Poe, tão desejada pelo diretor.
Houveram planos para fazer uma sequência desse, que entraria em produção em 2001, mas foi cancelada devido ao contrato de Dario Argento com a Medusa.
Phenomena é idílico, bonito, assustador apesar dos temperos trash. Seu terror é bem pensado justamente por variar entre o imaginário inocente infantil e os delírios dos personagens insanos. Toda vez que ele flerta com a realidade, acaba soando grave e ainda há um grande acerto ao valorizar o subtexto da alienação parental como explicação para distúrbios em crianças e adolescentes. Apesar de ser encarado como uma galhofa por boa parte dos fãs de cinema de gênero, é sem dúvida alguma um clássico dos Filmes de Matança e do cinema Giallo.
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