A 36ª Câmara de Shaolin é um filme de ação de Hong Kong conhecido por ter lançado tendências e por ter se tornado um clássico do gênero. Lançado em 1978, é lembrado graças ao fato de ter sido o primeiro filme que Gordon Liu protagonizou como herói de ação, além de ser lembrado por ser pioneiro no sentido de mostrar a crueldade e dificuldade nos treinos de Kung Fu.
A lembrança mais viva na memória dos fãs do cinema de porradaria a respeito da obra certamente são as severas sessões pelas quais passam os personagens para se instruir na arte shaolin.
Todas as trinta e cinco câmaras dos monges exigem dedicação e rigidez da parte dos alunos e pupilos, embora obviamente não sejam mostradas exatamente 35 lugares de treinos diferentes.
O tal processo de instrução na arte marcial foi tão árduo e tão bem executado que que serviu de inspiração para inúmeras obras dentro do filão do cinema chinês, além de ter sido muito bem recebido pelo público, não à toa acabou ganhando sequências como Retorno à Câmara 36, de 1980 e Discípulos da Câmara 36 de 85, além de inúmeras imitações dentro do cinema de Hong Kong.
Também inspirou obras ocidentais, desde histórias épicas e premiadas, como a duologia Kill Bill de Quentin Tarantino, como o filme de pancadaria e Kickboxer, clássico das sessões de TV que foi estrelada pelo carismático Jean-Claude Van Damme.
A história é bem simples, se baseia na jornada de San Te, um jovem rapaz interpretado por Chia-Hui Liu – ou Gordon Liu, como ficou conhecido no Ocidente – que tem sua vila atacada por gente da dinastia e governo Manchu. Depois de ver seus amigos e familiares serem mortos, ele foge, se exila em um templo budista. Algum tempo depois ele retorna totalmente mudado, após um exaustivo e intenso treinamento que o transformou fisca e espiritualmente.
A obra foi chamada originalmente de Shao Lin san shi liu fang. No Brasil também recebeu o nome A Câmara 36 de Shaolin assim que lançado em DVD. Em inglês o longa é conhecido como The 36th Chamber of Shaolin, Master Killer e 36th Chamber, Shaolin Master Killer. Vale lembrar que apesar de haver a palavra Killer em boa parte dos nomes em inglês, tirar uma vida é algo abominável para um monge.
O longa-metragem foi feito pelos estúdios Shaw Brothers, distribuído por eles em boa parte da Ásia. No Japão, foi distribuído pela Toei Company, enquanto Warner Bros e Columbia Films distribuíram na maior parte da Europa. Nos Estados Unidos, foi distribuído pela World Northal e atualmente tem distribuição da Celestial Pictures.
O filme foi rodado em Hong Kong, quase sem locações, tudo dentro de estúdio.
O diretor Chia-Liang Liu (ou Lau Kar-leung) era um praticante de artes marciais, comprometido com as tradições dos monges shaolin e tentou deixar esses momentos os mais fiéis possível. Ele trabalhou em O Lutador Espiritual, O Desafio de Mestres, Carrascos de Shaolin. Em 1994, fez A Lenda do Mestre Invencível com Jackie Chan.
O Roteiro ficou a cargo de de Kuang Ni (ou I Kuang) de O Braço de Ouro do Kung Fu (79) Os Invasores de Shaolin (83) e O Lutador Invencível (84) que também tem Gordon Liu.
Foi produzido por Run Run Shaw, que trabalhou em Cinco Dedos de Violência (72), O Tigre de Jade (77) e foi produtor não creditado em Blade Runner: O Caçador de Androides. A produtora executiva foi Mona Fong, esposa de Shaw, que trabalhou em O Espadachim Sentimental (77), Os Cinco Venenos de Shaolin (78) e centenas de outras produções.
Antes do filme ser rodado, Gordon Liu quase perdeu o papel de San Te. Ele sofreu uma rejeição, já que a ideia sobre o seu trabalho até então é o que ele não tinha o perfil de um protagonista de fita de ação.
Isso hoje é algo impensável, já que ele se tornou referência em matéria de desempenho marcial graças a obras como essa, sendo até copiado em vários pontos. A participação dele ajudou a obra a ganhar o prêmio de Melhor Filme de Artes Marciais no 24º Festival de Cinema Asiático e foi o Top 10 de sucessos de bilheteria de 1978 em Hong Kong.
Liu vinha de papeis pequenos, em obras como As Artes Marciais de Shaolin, Os Cinco Mestre de Shaolin, A Rebelião dos Boxers, Desafio de Mestres. Depois faria Heróis do Oriente, Ho, o Sujo, Dois Tiras em Apuros, além de papéis no ocidente, como Johnny Mo em Kill Bill 1 e Pai Mei em Kill Bill 2.
Antes da narrativa começar entra uma fanfarra, com som de metais anunciando o título e os créditos inicias. Depois aparece um lutador careca, sem camisa, de calças pretas, utilizando argolas nos braços. Ele faz manobras e golpes no ar, parecem golpes programadas.
Primeiro ele faz isso em um cenário vazio, branco ao fundo, depois faz o mesmo em lugares de cores básicas, depois transita para um lugar cinza, com chuva, depois um ambiente vermelho, que imita um lugar quente, com um sol atrás e rochas em volta, onde o personagem se exercita usando uma arma branca, um bastão laminado conhecido como pá de monge ou Yue Ya Chan.
Ele é San Te, um personagem lendário e figura histórica que inspirou algumas lendas. O personagem real era um monge praticante e estudioso de artes marciais que viveu no início do século XVIII.
A história segue mostrando dois homens conversando, em um tempo anterior a esse treinamento, onde aparecem o General Yin (Chia-Yung Liu) e Sr. Ho (Hung Wei), que conversam sobre as invasões que ocorrem no cenário da China, com a dinastia Manchu expandindo para o território de Cantão.
Após esse trecho já é mostrada uma grande e portentosa batalha, que demonstra que os planejamentos não é algo suficiente para proteger o povo. Ainda assim, o plano dos residentes mirava acertar um político, o inspetor geral do governo, que iria até a região.
O que ocorreu na verdade foi uma armadilha, já que a autoridade não estava no local indicado. Era apenas uma isca e não fica exatamente claro, mas possivelmente esse ataque era para matar o sujeito e depois se suicidar.
Como deu errado, vira uma batalha particular, dele contra o general Tien Ta (Lo Lieh). A luta em si é boa, bem coreografada e bem orquestrada, os combatentes usam roupas coloridas, fato que faz essa obra lembrar todo o cenário fantasioso e fabulesco do gênero wuxia.
Em uma classe da Faculdade Chomg Wen, estudantes conversam sobre a execução que ocorrerá em praça pública. Lá está Lin Zhen (Kwok-Choi Hon), rapaz que afirma gostar de ver mortes públicas.
Esse sujeito serve apenas como um contraponto, já que a maioria absoluta de personagens que retratados valoriza as perdas e as mortes, trata as pessoas que lutam pela liberdade do povo como mártires, como heróis da resistência da dinastia Han, grupo esse de princípio confucionista, que foi presente entre 206 A.C. e 220 D.C. no território chinês.
A sequência posterior é estranha, pois mostra Yin exposto, não ficando claro se ele está morto ou não. A primeira participação efetiva de San Te é a de chamar o homem exposto de herói, ato esse que é retribuído com uma humilhação pública, vinda de Lorde Tang San-Yo Wilson Tong.
A celeuma só não fica pior graças a interferência do sr. Wang (Pa-Ching Huang), que intercede por ele, para que o rapaz não seja preso. Nesse início fica claro que para sobreviver é preciso respeitar quem governa, mesmo se a autoridade for tirana.
Sr Ho manda San Te e seus amigos treinarem com grandes lutadores, a fim de fortalecer as fileiras de Cantão, já que era dado que em breve eles enfrentariam os soldados inimigos, chamados de guerreiros dos tártaros.
San Te acaba chegando ao lendário templo shaolin escondido em um recipiente de comida. É encontrado quase como um objeto de contrabando, em um barril, desacordado. Os monges se apiedam dele, cuidam de suas feridas, dão os primeiros socorros e permitem que ele fique lá por dez dias, até que finalmente desperta.
Os líderes só aceitam que ele permaneça ali se o sujeito não cultivar emoções como rancor. Um dos líderes "Abades" acha que devem permitir que San Te fique lá, acha simbólico que ele tenha chegado em coma e tenha acordado dez dias depois.
Como San Te tem simpatia pela figura de Buda, ele acha que o correto seria ser benevolente com ele. Já nos primeiros dias San Te percebe a dificuldade que viverá, já que para entrar no refeitório precisa atravessar um pequeno lago, com troncos que servem de obstáculo para ir até o outro lado.
Ele se atrapalha, se atrasa e não consegue comer. Percebe então que para ter acesso aos recursos básicos, deverá passar por provações. Sozinho o rapaz treina seu equilíbrio, não sem antes ser humilhado por seus mestres.
Negação e privação fazem parte do seu aprendizado. A ideia é tornar o treinamento difícil, para que a luta, caso um dia ocorra, seja fácil.
Depois que ele se exibe, pulando de uma perna só, os monges desamarram os troncos para dificultar ainda mais o acesso. O trabalho dele mira ter força, equilíbrio e velocidade, a união dessas é a chave para os ensinamentos shaolin e o herói consegue se destacar entre os alunos.
Tem umas táticas insanas, como levar água com os braços esticados, sem derramar água dos baldes, com os alunos fazendo o percurso com facas penduradas nos braços, quase no bícepes, dessa forma se a pessoa falhar, se cortará no abdômen. Também se destaca um treinamento com madeira quente, colocadas entre as extremidades da cabeça do aluno, para que ele treine seu equilíbrio.
O mestre manda que San Te não ajude seus companheiros, na hora que eles estiverem treinando, pois isso poderá causar problemas e fracassos para eles.
O protagonista evolui rapidamente, completa 10 câmaras em tempo recorde, no período de 25 meses. Colocando em perspectiva, fica a reflexão, o rapaz inicia seu treinamento gastando dois anos. Eram outros tempos, a antiguidade permitia que o sujeito usasse esse tempo só para se preparar.
Ele luta com espadas, com nunchakus de três seções - que ele mesmo fez - e vai bem em todas, tanto que quando ele enfim conquista as 35 câmaras, é dada a ele a chance de assumir a maestria de uma delas, com três dias para decidir.
Para surpresa geral, o abade supremo afirma que não existe a câmara número 36. San Tae quer então criá-la, no sentido de ser um lugar para treinar pessoas que não sabem lutar, a fim de democratizar os métodos de treinamento e luta.
A mera menção a isso faz ele ser punido, tendo que sair para trazer doações ao templo. Tae gosta disso, pois assim poderia ir até os seus, ver como ficaram após o seu exílio. Na sua vila a maioria das pessoas morreram ou foram levados para ser enterrados no cemitério oriental.
As técnicas dos monges eram proibidas, já que a um sacerdote não é permitida a condição de matar. No entanto, em um mundo onde um povo oprime outro, é natural que as regras se pervertam. Os mestres notaram que San Te procurava o templo shaolin graças a problemas mundanos, sabiam que ensinar ele faria o mesmo usar as técnicas e artimanhas para salvar seu povo. Fizeram vista grossa, obviamente.
San Tae acaba de deparando com Tang Sang-Yo, oprimindo os poucos que sobreviveram e que estão tentando enterrar os mortos, nem mesmo a dor do luto lhes é permitida.
O protagonista interfere na disputa entre personagens, usa de sua perícia para derrotar os capangas de Tang, que caem por sua própria pressa e burrice. Essa batalha envolve uma porção de armas, espadas, shurikens, muitos golpes secos e até tentativas de rendição.
Entre crenças de quase perfeição- comparam San Te a Bodsatva, que é um ser iluminado no budismo - ocorre enfim a ideia de treinar os moradores da antiga vila, tal qual ocorria em Os Sete Samurais e suas imitações.
A 36º Câmara de Shaolin acerta no intuito de mostrar a história da evolução das lutas e os métodos de chegar a perfeição enquanto lutador e pensador. É uma obra que antecipa os clichês de filme de porrada chinês, que tem uma boa filosofia por trás da luta e tem boas acrobacias e atuações no sentido da ação. É uma obra para consumir e indicar, residindo no panteão das obras imortais do cinema chinês.
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