Drácula 2000 é um filme de Patrick Lussier que ficou marcado por ser muito datado, refém do seu tempo de lançamento. Produzido pela Dimension Films e Miramax o longa-metragem inaugurou a moda de trazer a numeralha 2000 depois do nome do filme.
Outro fator "diferencial" nesse é o fato de que mistura elementos do romance de Bram Stoker com o novo testamento da Bíblia Sagrada. É uma produção assinada por W.K. Border e Joel Soisson, carregando também Wes Craven como produtor executivo, já que o mestre do horror era um grande parceiro de Lussier.
Uma curiosidade bizarra (e quase mórbida) é que em Portugal o filme se chama Drácula 2001. Como ele foi lançado em dezembro de 2000 nos Estados Unidos, naturalmente chegou em 2001 na maioria dos países. O Brasil manteve o nome original, obviamente.
A trama começa no passado em 1897, na época onde ocorre o romance original de Stoker. O aviso é dado dos créditos iniciais, com um letreiro grande, com o nome do filme em uma fonte azul, estilizada como gelo que lembra bastante uma imagem do Wordart.
Como o filme já fez mais de 20 anos, falaremos livremente sobre partes da trama. Portanto, teremos spoilers a partir da imagem abaixo.
O início mostra o navio Demeter, presente no livro de Bram Stoker, fato que já determina um conjunto de clichês junto aos clássicos filmes de Conde Drácula e de vampiro no geral, já que essa sequência está tanto em Nosferatu e até em Um Vampiro no Brooklyn, filme que Craven dirigiu em 1995.
Logo vai ao ano 2000, mostra jovens em baladas, dançando em boates e passeando pelas ruas com trajes que gritam o vestuário dos anos 2000. A exceção entre esses que curtem a vida é o estudante Simon (Jonny Lee Miller), um estudioso de antiguidades, que é pupilo do colecionador Matthew Van Helsing (Christopher Plummer), um sujeito idoso que angaria artefatos e armas antigas, que diz ser o neto do homem que inspirou Bram Stoker.
Simon apresenta para ele uma arma que dispara dardos, uma besta antiga, que poderia ser utilizado momentos mais tarde, mas é absolutamente ignorada pelo texto.
A loja onde os dois conversam parece um museu, chama-se Carfax, que é a propriedade que o Drácula compra no livro. É bem comum que durante todo o filme hajam referências em relação ao romance.
A abordagem de Drácula 2000 reúne elementos de terror, como o uso de monstros e o gore, mas ainda assim é bastante voltada a ação e explora outro filão bastante popular, que são os filmes de assalto.
Curiosamente o longa foi lançado antes de Onze Homens e um Segredo, filme que faria com que esse tipo de abordagem ficasse popular no cinema mainstream americano a partir de 2001.
O que não combina com os fatos - tampouco é explicado - é como hackers conseguem ser tão bons em invadir lugares com alta segurança e como são tão bons em destravar cofres.
Mexer em programação de computadores deve dar muitos pontos em atividades de roubo nos jogos Vampiro - A Máscara. Ou isso ou a escolha de nomes mega estilosos para os personagens (há Trick, Dax, Nightshade...) dá poderes a eles, maximizando não só a qualidade de obter códigos, algo comum a hackers, mas também qualidades de perícias tão grandes que os invasores se tornam os melhores ladinos possíveis.
Também há muitas semelhanças com cenas de Matrix, desde as poses dos personagens, até artefatos quase idênticos aos usados por Laurence Fishburne, como o artefato que copia dados pessoais de Van Helsing, copiando sua retina, que lembra a luva utilizada por Morpheus.
A edição de Lussier é bem moderna e esperta, varia bem entre momentos, pulando da tentativa dos jovens de invadir o museu, enquanto mostra o Plummer utilizando o material genético de sanguessugas, que só seria explicado mais tarde.
Também há uma cena bem curiosa, de Van Helsing abrindo seu velho arsenal, escondido em seu escritório, para tentar barrar os rapazes que ousaram entrar em seu território seguro.
Antes de chegar finalmente ao centro do roubo há armadilhas e avisos, aspectos esse que fazem esse Drácula 2000 conversar diretamente com A Múmia de Stephen Sommers, lançado em 1999.
Tanto o arsenal como o conjunto de armadilhas são aspectos de puro estilo, tão ou mais legais em essência quanto o caixão de Drácula. Há um cuidado por mostrar que quando cai sangue, o líquido é imediatamente puxado, para alimentar o ser que está ali.
Não é surpresa para ninguém que ali estava um vampiro, ao menos para o público, a surpresa do filme não era essa e sim outra, revelada bem mais a frente.
O que de fato provoca curiosidade é a facilidade com que bandidos conseguem roubar o cadáver de um vampiro secular. Até se tenta construir um mistério, meio bobo pelas evidências já dadas. Van Helsing diz a Simon para não envolver a polícia, pois escondia um grande segredo.
O design do caixão repleto de cruzes, que a princípio, afastariam o monstro da vida plena, não tem qualquer impeditivo para o personagem. Na hora do transporte da "carga", sai dele uma fumaça enevoada bizarra.
No seu interior há um corpo putrefato, com sanguessugas retirando a força vital do ser, além de uma máscara de metal, correntes e um crucifixo cravejado de rubis.
As correntes são inúteis, o que de fato parece segurar Drácula é o pequeno crucifixo, mas nem ele é tão preso no túmulo. Qualquer esbarrão certamente tiraria ele do lugar. Esse é somente um dos problemas do roteiro do produtor Soisson (baseado no argumento dele e de Lussier), mas há de se destacar o ótimo trabalho da direção artística de Elinor Rose Galbraith.
Lussier é mais conhecido por seu trabalho como montador em filmes como
Pânico, Música do Coração e Voo Noturno, todos filmes de Craven. Depois de Anjos Rebeldes 3 (2000), ele começou a conduzir seus próprios filmes, entre eles esse Drácula 2000 e Dia dos Namorados Macabro 3D, remake de Dia dos Namorados Macabro.
O visual do filme é inegavelmente a melhor coisa da produção. A versão monstruosa do vampiro e os ferimentos causados nele e por ele são representados graças ao belo trabalho de efeitos especiais práticos de Gary J. Tunnicliffe, de O Mistério de Candyman, Blade: O Caçador de Vampiros e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça.
Esse claramente é um filme influenciado pela adaptação de quadrinhos Blade, de Stephen Norrington. Se a ideia de mesclar horror com outro gênero foi copiada de A Múmia, a estética de "ação de sobretudo" e o figurino baseado no preto básico é obviamente inspirado no filme com Wesley Snipes e em Matrix.
Com o passar do tempo, Van Helsing descobre que o avião caiu perto de uma cidade pequena, chamada Clarke e faz isso em momento de absoluta conveniência, já que passa uma reportagem no aeroporto onde chega. Se nota que o senhor idoso está mal, parece envelhecer de maneira acelerada.
Essa sensação nítida é reforçada pela trilha incidental de Marco Beltrami. A música é um ponto positivo, usado de maneira bastante recorrente. Outra utilização bem comum a época em que o filme foi rodado é o largo uso do elenco feminino como chamariz.
Todo elenco feminino é cuidadosamente escolhido. As mulheres que aparecem partem do ideal de beleza caucasiano, magras e com corpos curvilíneos. Aqui há Jennifer Esposito como Solina que é uma das hackers e finge ser auxiliar de Van Helsing.
Há também a repórter Valerie feita por Jeri Ryan, a versão nova de Lucy Westenra de Collen Fitzpatrick, além de Mary, que é a protagonista feminina, feita por Justine Waddell, que vem a ser a filha do velho caçador de mortos-vivos.
Há uma tentativa de associar as mulheres as personagens do romance, tornando elas em versões das noivas de Drácula, inclusive reprisando nomes. O texto chega até a colocar o nome de um médico figurante de Seward, unicamente para fazer referência, já que ele não tem qualquer importância na trama.
Tem umas boas sacadas, como o vampiro atacando quando é claro, mas somente pelo motivo do sol já estar se pondo, além mostrar que a imagem do mesmo não aparece em gravações de vídeo, como se essa fosse a evolução do mito de que vampiros não tem reflexo no espelho.
O que de fato parece forçado é a ligação espiritual que o Conde tem com Mary. Ela percebe a aproximação dele em momentos esparsos. Parece algo sem nexo, mas tem seu sentido revelado momentos mais tarde, quando Van Helsing assume ser o aprisionador do vampiro, assim como afirma que utiliza o sangue do vilão para se manter vivo depois de décadas.
As piadas e frases de efeito também incomoda, como ocorre com Marcus (Omar Epps), que quando vê uma cruz, diz que é ateu, acompanhado de mais uma tirada satírica de Simon, quando percebe que há uma lâmina no crucifixo. O artifício beira a infantilidade.
Os momentos no passado são inspirados e bem executados, apesar de expositivos. Figurinos e cenários são legais, se referencia brevemente imagens do Vlad o Empalador, mas não defina essa como a face primária do vampiro.
Também explica como Abraham percebeu que o sangue do vilão poderia ajudar ele a viver, para pesquisar a real fraqueza dele.
Ao apreciar o filme, atentamos para uma teoria. Aparentemente, o contato com o sangue entorpeceu o herói, o tornou vulnerável e ganancioso, desejoso por viver mais, tão ensimesmado e egoísta que afastou sua filha. Van Helsing pode ter se sabotado, já que conseguindo deter Drácula, morreria junto, por ser velho.
Isso explica não só não ter encontrado a fraqueza como também deixa claro que os enigmas fracos que montou podem ter sido mal construídos propositalmente.
Outro fator que hoje parece tolo é a caracterização de Gerard Butler. Em 2000 foi uma época anterior a 300 e as comédias românticas pelas quais ele ficaria famoso.
Seu visual é genérico, com madeixas longas e roupa escura, tal qual o Morfeus que Neil Gaiman pensou para seu quadrinho Sandman.
Ele tenta ser sensual e até consegue, afinal o interprete é indiscutivelmente bonito, mas não há qualquer charme em sua presença, nem mesmo a tentativa de imitar um sotaque estrangeiro fosse ele qual fosse.
A versão millenium do vilão tem que ser descolada, tem que assumir para si a sexualidade no estilo da marca Virgin, que era uma das patrocinadoras do filme. Há a clara intenção de imitar a estética de videoclipes, inclusive com um momento onde o vampiro para e observa um clipe em um grande telão na rua
Já as mulheres vão aumentando o grau da sexualização, mas não com nudez explícita - há poucas cenas de sexo no longa, aliás - no entanto o discurso das vampiras transformadas mira seduzir, enquanto as humanas que observam o Conde são imediatamente atraídas por seu andar caricato e bizarro.
O festival de Mardi Grass é bem retratado, o que é curioso, pois Lussier rodou o filme fora dessa época. A construção da atmosfera combina com o comum a esse carnaval, o que de fato não faz nenhum sentido são as tentativas de referenciar filmes surrealistas ou de horror americano no confronto de Mary com as vampiras. Do nada entra em cena uma transformação no quarto dela, cortinas vermelhas surgem para então entrar as vampiras andando pelas paredes.
O grande problema é que o efeito é bem vagabundo, fica óbvio que aquilo foi perspectiva forçada, já que os cabelos de Wadell denunciam que ela está deitada no chão.
O filme gerou uma franquia, com sequências chamadas de Drácula 2: A Ascensão e Drácula 3: O Legado Final, ambas dirigidas por Lussier. Mas vale lembrar esse longa é auto suficiente, sua história basta em si, mesmo para quem nunca viu nenhum filme do personagem ou leu o livro do autor irlandês.
Já falamos abertamente sobre spoilers desde cedo no texto e é impossível falar desse e não abordar o plot twist, que deve ser o fato mais memorável da produção, ao menos para o público em geral.
Drácula ser o Apóstolo traidor Judas Iscariotes faz nenhum sentido, assim como a pesquisa que Mary e Simon fazem. Os dois entram em uma biblioteca antiga em Nova Orleans e isso basta para ambos terem mais sabedoria e ciência que um estudioso de 200 anos de idade.
É demais, mas se considerar a teoria levantada nesse artigo de que Abraham Van Helsing era consumido pelo sangue do inimigo e não o contrário, dá para levar em conta.
Ideias ruins à parte, os paralelos das fraquezas a prata, a cruzes e ao sol são bem pensadas quando comparadas a ideia de Judas, sem falar que alguns estudiosos de mitos bíblicos levantam a possibilidade do traidor do Messias cristão ter se tornado de fato um morto-vivo após o remorso e o suicídio.
A blasfêmia maior claramente não é misturar a Bíblia ao livro de Stoker e sim a inserção de músicas de New Metal em um festival que tradicionalmente toca jazz. O Mardi Grass poderia ter sido preservado ao menos nisso.
Outra questão que ficou meio famosa é a fraqueza a prata nos vampiros, uma vez que essa é uma inconveniência normalmente atrelada a lobisomens. Esse foi um dos filmes que assumiu essa como uma fraqueza de maneira indiscutível e seria seguido por outros filmes posteriores.
Butler falando para uma imagem em cruz que era destino dele trair Jesus, que ele precisava de um bode expiatório e que agora ele se alimenta do sangue dos seus filhos é patético.
O ator está mal, alias, como a maior parte do elenco, que se leva a sério demais. Miller e Plummer se salvam pois parecem ter um pouco de ironia em suas performances, bem lá no fundo. Talvez a novela Vamp, de Antônio Calmon consiga ser mais assertiva no sentido de brincar com elementos mitológicos de vampiro, com o mesmíssimo espírito desse, principalmente no apelo ao camp.
Drácula 2000 é artificial e teatral, tanto no início, quanto nos momentos de viagem no tempo, quanto na morte de seus vilões. A cereja no bolo de tosquice são as lutas com arame, bem no estilo do que se fazia nos clássicos Wuxia e no épico de ação e aventura das Wachowski.
Aqui ainda se carrega os momentos finais com uma libertação que o vampiro faz a sua "amada", um arrependimento genuíno para Judas.
Para estudiosos de teologia, faz nenhum sentido, assim como para os amantes do cinema a quantidade enormes de lembretes e cenas de exposição antes de cada golpe contra o vampiro. Caso o espectador durma por minutos, alguma dessas inserções servirá de recordatório.
O filme ainda mete uma cena onde a heroína diz que guardará os restos mortais de Drácula, para eventualmente impedir sua fuga.
Drácula 2000 tem uma reviravolta esdrúxula, uma estética meio tola e um design de produção soberbo. Ele se leva muito mais a sério do que deveria e tem efeitos em CGI bastante porcos, mas é charmoso exatamente graças ao seu desequilíbrio e aos seus defeitos.
Comente pelo Facebook
Comentários
Comente pelo Facebook
Comentários