Pânico marcou tanto sua época, nos idos anos 1990, quanto o gênero de Filme de Matança (ou Slasher Movies) estavam em baixa, muito por conta de ser preso a mesma formula moralista, que punia de maneira criativa quem transasse. Eis que da união entre o escritor e roteirista Kevin Williamson e do mestre do terror Wes Craven finalmente nasceu a melhor manifestação da desconstrução do gênero, com um começo assustador e com uma linguagem jovem, mirando a geração que curtia os videoclipes da MTV.
O início da trama é bastante promissor, mostrando a bela Casey Becker, vivida por uma Drew Barrymore atendendo um telefone sem fio, enquanto faz pipoca para provavelmente ver um filme em sua sala.
Enquanto atende a ligação ela responde a um quiz sobre curiosidades de terror, para logo depois ela mesma viver uma perseguição.
A quebra de expectativa serve bem ao intento de Craven, uma vez que ele encerra a vida de sua atriz mais famosa - e que estampa o cartaz - de uma forma bastante gráfica.
O enquadramento mostrando Casey morta lembra uma pintura clássica, com cada trecho do cenário muito bem pensado, feito para chocar a família Becker e toda a comunidade suburbana de Woodsboro.
A sensação de total insegurança é agravada claro pelo Zoom in super rápido, conduzido pelo diretor de fotografia Mark Irwin, que conduz essas tomas sensacionalistas de modo bastante fluido.
No entanto, o filme não demora a enquadrar a real protagonista, Sidney Prescott, uma menina inteligente, bela, que está se guardando e que guarda um trauma pesado, graças a morte recente e violenta de sua mãe, vítima de assassinato.
A moça é interpretada pela icônica Neve Campbell, e seus dias variam entre a tentativa de viver como uma adolescente comum e a difícil convivência com a obsessão de descobrir quem matou sua parente, isso até antes dela ter ciência que um sujeito assassino serial está chacinando jovens na comunidade.
O curioso é que mesmo tendo um corpo policial, a cidade de Woodsboro está a mercê de um homem com máscara de fantasma, que simplesmente vai assassinando pessoas. A primeira força de combate a ele são garotos e garotas sem nenhuma experiência em investigação, acompanhados de uma repórter sensacionalista, Gale Weathers, personagem de Courteney Cox, que vinha do sucesso da sitcom Friends.
Além delas também são mostrados Billy Loomis, o namorado de Sidney interpretado por Skeet Ulrich, o nerd fã de filmes de horror Randy (Jamie Kennedy), a melhor amiga da protagonista Tatum (Rose McGowan), seu namorado o abobalhado Stuart (Matthew Lillard), e o irmão de Tatum, o policial em treinamento Dewey, de David Arquette.
Wiliamson era visto na época como um prodígio na época em que seu roteiro foi comprado, conseguiu fama instantânea antes mesmo de Craven chegar ao projeto.
Os agentes do diretor convenceram o cineasta a garantir que seria o condutor do texto que até então tinha o nome Scary Movie (curiosamente, seria o nome original da paródia Todo Mundo em Pânico), e assim ele começou a parceria que se estenderia por outras obras fora até da franquia Scream.
A expectativa positiva sobre o escritor não foi à toa, pois se assiste uma perversão de clichês dos filmes populares de horror, situando isso em uma cidade fictícia do subúrbio, que por sua vez tem um conjunto de jovens que apesar de comuns, parecem reais e com características próprias.
Fora isso, o assassino contém um visual icônico e uma voz marcante, dublada por Roger Jackson, e subverte o chavão da mulher solteira procura e da final girl virginal, já que próximo do desfecho, se abre mão da condição de castidade feminina como indicativo de viés positivo e consequente fuga da morte.
A curiosidade mais legal a respeito do modo de operar do assassino é que ele é atrapalhado, capaz de tropeçar, cair e apanhar, mas também é rápido o suficiente para depois de matar a vítima, ainda construir um belo cenário, com direito a cadáveres suspensos em telas quase artísticas.
Em outros momentos, a matança é mais indiscriminada, com o "monstro" não tendo receio em ser pragmático, preciso e voraz em seu banho de sangue.
Pânico tem cenas bem violentas se considerar que foi um produto bastante comercial por parte da Miramax. Não se economizam fraturas expostas, vísceras, sangue e cortes profundos. Além disso, se referencia diretamente vários clássicos dos sustos, como Frankenstein, Sexta-Feira 13, Halloween, Grito de Horror, A Hora do Pesadelo,(inclusive com Craven utilizando a camisa verde e vermelha de Freddy Krueger, em uma breve aparição) e até O Exorcista.
Craven tem o domínio total da imagem, as cenas de perseguição com a câmera em trilhas ajudam o público a mergulhar na sensação de fim se aproximando, e assustam mais que qualquer comentário espertinho dos personagens.
Há também um bom conjunto de plots secundários, como o modo como a imprensa lida com mortes e tragédias, representado na sanha por escrever um livro que Gale protagoniza, no modo provinciano e amador como com que a polícia age, ou a má fama que a mãe de Sidney tem, basicamente porque era sexualmente ativa e tinha um apetite sexual tão intenso quanto a maioria dos homens da cidade.
Outros segmentos se destacam, especialmente no que cerca Randy, que serve não só como alívio cômico, mas também como o arquétipo do Pícaro, já que vive explicitando as regras comuns aos filmes do gênero, tal qual o clichê presente na Jornada do Herói defendida por Joseph Campbell.
Sua persona é rica mesmo sem grandes aprofundamentos, que mesmo depois que morre (nas continuações), sempre foi preciso uma substituição a sua função, em alguns pontos, com o mesmo retornando de algum modo, como em Pânico 3 onde acham uma fita VHS dele.
Outro bom tento é o investimento no carisma de Dewey, que apesar de estar armado e uniformizado, é frágil, atrapalhado e extremamente inseguro. Arquette brilha não só por ser carismático, mas também por entregar bem na função de fazer parte da solução dos mistérios mesmo tão limitado quanto é.
Não há personagem sobrando, mesmo os que tem pouco de tela são bem utilizados, e estão lá por uma função de discussão de narrativa bem estabelecida, e tanto McGowan, quanto Lillard e Ulrich acertam seu tom e representam como os millenials seriam: impacientes, distantes da geração de seus pais e alienados sentimentalmente dos mesmos.
A condição dos pais que praticamente não vigiam seus filhos remete a uma característica quase obrigatória nos filmes de Craven, que são as famílias disfuncionais, aqui representada de maneira mais sutil do que o comum, exceto obviamente pelos Prescott, que tem uma tragédia particular para lidar.
A sequência final de matança é um primor e se aproxima de ocupar toda meia hora. Por mais expositiva que fosse, é justificada já que o intuito de Pânico é fazer piada com os filmes assustadores. A estrutura de subverter clichês e perverter regras é um grande diferencial e uma boa camada. Craven faz questão de afagar o público médio ávido por violência, gore e gente bonita sendo assassinada, e faz isso explorando um conjunto de personagens que não sabe lidar com frustrações típicas do início da vida adulta e nem com os seus hormônios em ebulição, conseguindo nesse simples movimento, determinar que seus caracteres não são pessoas genéricas colocadas na trama só para morrer, como é típico em filmes de matança.
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