X- A Marca da Morte é um filme de horror dirigido por Ti West que se tornou o queridinho entre cinéfilos e fãs ardorosos do movimento conhecido como cinema vulgar. A trama é simplória e envolve um grupo de pessoas que faz filmes eróticos indo para o interior do Texas em busca de uma locação tranquila. Ao chegar lá as coisas ocorrem ligeiramente diferente do esperado, e gradativamente mudam, até o ponto onde a violência passa a imperar, semelhante ao que ocorre em filmes de matança ou slasher movies dos anos 1970.
Como o longa tem produção da A24, ocorreu uma "natural" adulação por parte do público "especializado", afinal a produtora tem feito boas produções em drama, romance e claro terror.
Exemplos de obras amedrontadores não faltam para a distribuidora, como A Bruxa, Hereditário e A Ghost Story, no entanto, não há garantias, tampouco fórmulas que consigam testificar de que o sucesso é certo e a grande dúvida é se West acertou nesta nova empreitada.
O início da trama é simples, mostra dois policiais investigando uma casa, se assustando com algo violento ou estranho que convenientemente não está dentro do quadro ou no escopo da câmera.
Em seguida, se observa Maxine, uma moça de roupas curtas e semblante inseguro, que precisa repetir diante do espelho que é um sexy simbol. Mia Goth está muito bem nesse e em outro papel, e boa parte do sucesso do longa é graças a sua performance.
O roteiro de West tenta fazer de Maxine uma pessoa misteriosa, cujos pensamentos são inatingíveis e difíceis de compreender, o que também pode significar uma filosofia de vida fútil, vazia e comum, semelhante a linha de raciocínio geral de todas as outras pessoas na Terra.
West disse em entrevista que a ideia original era rodar o longa em 16 milímetros, mas obviamente optou por gravar com material digital afinal, ele foi rodado já na atual década. O cineasta não desistiu por completo da ideia, tanto que optou por usar lentes que emulam o visual de obras antigas, 16mm.
Quando é mostrado o filme pornográfico que está sendo rodado a razão de aspecto é quadrada, tal qual as gravações antigas. Isso também é utilizado em uma ilusão de ótica no primeiro enquadramento que registra a casa da fazenda, onde a câmera está atrás de uma porta.
Os personagens quase enganam, pois cada um possui um visual próprio, mas a personalidade parece profunda no início, mas resulta apenas em exploração de arquétipos.
Há o produtor texano típico Wayne de Martin Henderson, os atores do filme adulto Bobby-Lynne (Britanny Snow) e o negro Jackson (Kid Cudi), e a dupla de operários do vídeo, o cameraman RJ (Owen Campbell) e sua namorada e captadora de som Lorraine, feita por outra queridinha dos fãs de horror, Jenna Ortega.
Os personagens são tratados como meros reféns das circunstâncias, e isso explicaria o fato deles não terem tanto personalidade além do superficial, especialmente os homens. Apesar de um primeiro momento eles parecerem desprezíveis, o que se vê é que há bondade na maioria, são apenas pessoas que trabalham em uma parte da indústria de vídeo que é mal quista.
O único sujeito realmente previsível (e insuportável) é RJ, que entra em cena como um sujeito impertinente e convencido de que é um grande artista, e sai de tela com uma atitude completamente infantil, incapaz de enxergar movimentos óbvios. E um resumo da pretensão de West, encarnado em um personagem único.
O filme no entanto busca algumas marcas audaciosas, como a perversão de clichês. O personagem de Kid Cudi por exemplo, parece alguém soberbo e amoral, mas é na verdade um rapaz prestativo, que recebe como pagamento da gentileza que presta uma morte agressiva e off screen. O roteiro tenta usar seu arco para se demonstrar moderno e derrubador de paradigmas, colocando o sujeito preto como alguém legal, mas transforma o mesmo em tolo e ingênuo.
Bobby-Lynne parece uma mulher burra e vazia mas tem uma boa virada no roteiro, sendo a pessoa com o senso de estética mais apurado entre todos os personagens. Lorraine também sofre uma metamorfose, deixando de lado o clichê de final girl virginal, se tornando algo que ela mesma achava digno de crítica no início da trama.
Entre as pessoas que vão filmar o filme The Farm's Daughters, o mais comum é de fato Wayne, sujeito que não tem personalidade a não ser o fato de andar só de cueca quando está na casa.
É ele quem estabelece contato com Howard, o estranho locatário da fazenda onde eles gravarão, e é com ele que ocorre a primeira cena "perigosa", ao ter uma espingarda apontada para si.
Essa sequência é um bom resumo do início de X. Nada acontece, só se trabalha a atmosfera bucólica e parte desse clima se dá pelos personagens que residem na fazenda.
Howard é feito por Stephen Ure, ator conhecido por ter feito orcs na trilogia Senhor dos Anéis -, que certamente foi contratado para este graças ao filme foi ter sido rodado na Nova Zelândia. Ele é um senhor idoso, que não gosta de interferências e nem de conversar.
Ele mora com sua esposa, a idosa Pearl, que carrega uma maquiagem maravilhosamente arquitetada pelo designer de maquiagem e próteses especiais Jason Docherty, por Frankie Karena que cuidou dos penteados e cabelos, e Jose Noriega que trabalhou com penteados, efeitos especiais e maquiagem também.
Pearl é feita por Mia Goth, mesma atriz que faz Maxine e entre elas há semelhanças ideológicas. O pouco que se fala a respeito do passado da mulher idosa - e que será explorado em Pearl, próximo filme de West - se percebe que ela tinha o sonho de trabalhar com arte, de ser bailarina.
Maxine se enxerga como uma estrela em ascensão, a detentora de um conceito meio tolo, o Fator X (ou X Factor no original), a marca que a diferenciaria do restante dos humanos. Curiosamente, esse fator também ajuda a explicar a pretensão do cineasta ao trazer a luz um filme que parece querer dizer muito, mas que estaciona nas próprias intenções.
Tudo no roteiro gira em torno de querer ser diferenciado, todos os personagens acreditam que são os maiores merecedores do sucesso e das luzes da ribalta, a exceção talvez seja Wayne, que é só um cara que ganhar dinheiro com filmes de sacanagem.
Lorraine se acha super importante, e acha que aquele trabalho é insalubre. RJ acha que é esse seria um percalço para o futuro cineasta de sucesso que ele poderia ser - tenta em vão repetir a jornada que Wes Craven, José Mojica Marins e Sean S. Cunningham fizeram, dirigindo filmes XXX, depois indo para o cinema tradicional - e até Maxine cai nessa, repetindo sempre que pode que ela será uma estrela.
Soa repetitivo e muito pretensioso.
Ao menos há ótimas cenas, um cuidado enorme por fazer com que momentos normais pareçam grandiosos. O primeiro ponto nojento da história ocorre na exibição de um bovino que foi atropelado na estrada, despedaçada pelo choque contra uma caminhonete.
Há outros tantos momentos de tensão genuinamente bem construídos, seja no lago da fazenda ou nas noites escuras, onde se brinca com o conceito de sono ultra pesado de alguns personagens, com aparições que parecem sobrenaturais mas que não são.
As boas sacadas se originam da personagem mais subestimada, Bobby-Lynne. Ela é irônica, provocativa e não aceita menos do que ser o centro das atenções. Há nela um quê de desdém, ela sabe que está em uma manifestação de arte bastante perecível, o que por si só é um comentário metalinguístico que beira a genialidade.
O texto do filme tenta esconder um vazio de ideias e para isso, enche o enredo de assuntos como assédio e banalização da nudez feminina, mas ao invés de discutir essas questões, tudo é citado, quando não se diluem em momentos mal encaixados, como o número musical jogado na segunda metade, onde sevariam tomadas com foco nos cantores, passando pela rotina dos personagens invejosos e residentes.
West acerta ao menos em um dos simbolismos, colocando uma fome assassina na mulher rejeitada, que pune a hipocrisia de um dos personagens que era pretensamente bonzinho no início, mas que se mostrou bastante individualista e egocêntrico no decorrer da trama.
Visualmente o filme é ótimo, tem dezenas de ótimas cenas, com cores avermelhadas que evocam o sentimento em tela. Mas isso é pouco.
Nem mesmo a boa ideia de focar o terror em idosos ressentidos, mostrados como os monstros devoradores de almas jovens, é desperdiçado. Inegavelmente há apelo, mas acaba caindo no velho estigma de pessoas frustradas com o sucesso que não tiveram, descontando em gente que ainda tem vida pela frente.
Se o roteiro fosse melhor trabalhado, momentos como o número de sexo próximo do final teria mais peso, e causaria no público mais do que apenas angústia, faria refletir, naturalizaria a nudez e a sexualidade na vida idosa. Aqui parece cosmético, um visual ótimo, mas sem substância, sem razão de ser.
A fala no final, entre personagens de Goth: "Somos iguais, vai acabar como eu" é uma tentativa de parecer descolado, mas soa apenas como uma expressão do cinismo. A sequência de frases de efeitos tem seu ideal demonstrado de maneira confusa, uma vez que este momento ocorre um pouco depois de outro ocorre, onde Maxine repete um mantar sobre merecimento, que está presente em uma pregação que passa na televisão, e que pode sinalizar uma ideia de sequência, a ser lançada após a prequel Pearl.
É fácil classificar X: A Marca da Morte, parafraseando uma das últimas falas do roteiro, que verbaliza que "não há nada de especial ou diferencial nos personagens", e de fato não há, tampouco é "um filme de terror f#did@", como falado por um dos policiais no final. West consegue traduzir em belas imagens uma obra com conteúdo que deixa a desejar, recheado de camadas superficiais, e é pouco, muito pouco diante da pretensão apresentada.
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