O Doce Corpo de Deborah é um filme de horror italiano que normalmente é dito como parte do movimento conhecido como giallo, embora fuja um bocado do que é comum dentro do gênero. Lançado em 1968, dirigido pelo cineasta Romolo Guerrieri, é uma coprodução entre Itália e França e estrela Carroll Baker e Jean Sorel, além de um grande elenco.
A história gira em torno de um par de recém-casados, que viajam para outro país e acabam tendo um confronto com o passado do esposo. A partir daí corre uma série de eventos estranhos, que fortalecem sentimentos de paranoias e dúvidas mil.
O texto é escrito por Ernesto Gastaldi, tem argumento desse e do produtor Luciano Martino. Assina como produtor também Mino Loy, além de Tony Garnett, profissional estadunidense que não foi creditado como tal. Também participa da produção Sérgio Martino, que dirigiria clássicos giallis como A Cauda do Escorpião e Torso. Aque ele assina como general manager, mas na prática, era produtor também.
Dos estúdios Flora Film, Zenith Cinematografica e Lux C.C.F., foi distribuído pela Variety Film e teve filmagens na Suíça, especialmente em Genebra, em Lac Leman, Au Pied de Cochon - Pl. du Bourg-de-Four 4 e em Canton de Genève.
Também filmou em Nice, na França, no Hôtel Negresco - 37 Promenade des Anglais e La Grande Corniche, localizada nos Alpes Marítimos. Há cenas na Itália, em Olgiata, além de cenas de estúdios em Incir De Paolis Studios, em Roma.
O nome original do longa-metragem é Il dolce corpo di Deborah. As variações de nomenclatura são poucas, normalmente literais, como The Body, The Sweet Body of Deborah e Dulce cuerpo de Deborah. Em Portugal tem o mesmo nome do Brasil e na Alemanha, no lançamento em vídeo, foi chamado de Married to Kill.
Apesar de estar presente em diversas listas de filmes gialli, há quem defenda que essa produção é mais um suspense do que um filme de terror e de assassinato. É um fato que ele se debruça mais sobre o melodrama e sobra uma exploração de medos psicológicos.
Há quem defenda que é um thriller erótico, especialmente por não haver elementos típicos de um giallo de Mario Bava ou Dario Argento como o uso de um assassino com luvas negras e identidade escondida.
Como ele foi lançado antes de O Pássaro das Plumas de Cristal, naturalmente algumas das marcas do estilo não estavam tão solidificadas, mas uma mudança no gênero como um todo não invalida tudo que foi lançado antes.
Ele seria também um marco, o início de uma breve mudança de estilo dentro do gênero. Sergio Martino defendia que esse abria uma corrente dentro do estilo. O termo que usa era filone, que traduziria como corrente, como uma pequena variação dentro de um gênero maior.
Martino não estava errado, já que esse é um giallo mais psicológico, que depois acabou gerando um novo termo: psicogialli, em atenção também a serem parecidos com Psicose. São exemplos desse mesmo filão O Louco Desejo, Tão Doce Quanto Perversa e Os Ambiciosos Insaciáveis.
Romolo tinha experiência com cinema de ação do velho oeste. Fez Johnny Yuma e Django Mata por Dinheiro por exemplo, depois embarcou no neo noir Soldo da Corrupção, que estrelava Franco Nero. Foi assistente de direção em Minnesota Clay, um dos primeiros filmes de Sergio Corbucci.
Gastaldi escreveu mais de uma centena de obras, é possivelmente a figura mais carimbada dentro do cenário de horror italiano. Participou da redação do já citado A Cauda do Escorpião, de Libido e do faroeste Meu Nome É Ninguém.
Luciano produziu Império dos Espiões Assassinos e O Mercador de Veneza, já Mino Loy produziu Flashman, A Batalho do Deserto e Tubarão Vermelho, Garnett fez Kes e Meu Amante é de Outro Mundo.
A narrativa inicia de maneira romântica, reunindo Baker e Sorel em cena. Os atores, acostumados a fazer dramas, vinham de experiências no cinemão americano. Carroll era lembrada por ter contracenado com James Dean no épico Assim Caminha a Humanidade e em Boneca de Carne do cineasta greco-americano Elia Kazan.
Já o francês fez A Bela da Tarde e os gialli Uma Sobre a Outra e Uma Lagartixa num Corpo de Mulher, além do clássico Os Ambiciosos Insaciáveis, de Umberto Lenzi, onde voltaria a contracenar com Baker.
A dupla faz Deborah e Marcel, dois apaixonados, que casaram recentemente, os dois decidem viajar para a Suíça, de volta ao país onde Marcel viveu no passado.
Entre especialistas e estudiosos do cinema fantástico italiano e alemão, há que quem defenda que esse foi um filme idealizado para ser um romance puro, que teve inseridos momentos de tensão e suspenso. É por isso pode ser chamado também de um thriller incidental.
Os dois são um casal feliz, que vivem romanticamente os seus dias, com uma rotina tão repleta de amor e ternura que parece idealizada, não real. No entanto, durante a estadia deles em Genebra, esse estado de perfeição é abalado, especialmente depois de um dia onde os dois se deparam com Phillip, um homem conhecido de Marcel, que é interpretado por Luigi Pistilli.
O encontro se dá em uma boate, onde shows burlescos ocorrem, inclusive com um curioso número de striptease com uma mulher de pele morena, tratada como exótica unicamente pelo fato de não ser caucasiana.
Há de se lembrar que essa é uma obra dos anos 1960, onde o cenário cultural não mirava a diversidade, tampouco tratava de povos não eurocêntricos com o devido respeito e cuidado. Nos giallis também é possível notar uma forma bem misógina de tratar as histórias, para além do óbvio fato de que os assassinos normalmente matavam mulheres.
De volta à trama, Phillip evita o protagonista, verbaliza o seu incomodo e sai de perto dele, deixando claro que não deseja conversar com o sujeito. Marcel afirma que a América não o mudou, mas nenhuma tentativa de conversa amistosa o ajuda conversar com o seu conhecido.
Phillip chama Marcel de assassino, culpando-o pelo suicídio de Suzanne, a antiga amada dele. Não demora até que o personagem de Sorel confesse a sua atual esposa, que foi feliz com seu antigo par e que teve que deixá-la a força. Entra um flashback, que mostra ele apanhando de bandidos, graças a uma dívida que contraiu com agiotas.
Suzzane, interpretada por Ida Galli resolve esse débito, para que deixassem o seu amado em paz. Ele então decide viajar para a América, com a promessa de voltar. No entanto, sua ideia era a de se reinventar, de construir uma nova identidade e ele de fato conseguiu, já que acabou se casando com outra pessoa.
Um dos grandes destaques do filme está a trilha de Nora Orlandi, marcada com muito piano, órgão e voz feminina. A compositora fez A Dupla Face no Escuro e A Morte Caminha de Salto Alto.
Sua música ajuda a estabelecer uma atmosfera de desconfiança e dubiedade. Acrescenta estranheza ao caráter do filme e reforça a sensação de que algo errado está prestes a acontecer, sensação essa que permeia toda a história.
Ao perceber que seu esposo vai atrás de detalhes sobre o destino e o fim de Suzzane, Deborah fica mal, praticamente se adoenta de ciúmes. O sujeito vai até sua antiga casa, até recebe ameaças que, ele simplesmente desdenha do perigo, afirmando que não há riscos reais de morte, que estão lá apenas para assustar.
Guerrieri brinca com fantasmas, colocando Marcel ouvindo uma música conhecida, enquanto passeia pela antiga casa onde morava. O personagem fica em dúvida, não sabe se está de fato ouvindo aquilo ou se está meramente lembrando do passado. Ele então sobe, percebe que o som sai de uma vitrola e a desliga.
Além de não saber o que ou quem colocou a música, ainda é indagado por sua mulher, sobre por que o som estava sendo propagado, ainda mais em se tratando de uma manifestação artística que tem ligação com uma outra vida de Marcel.
O homem passa a acreditar estar caindo nos braços da insanidade. Gastaldi não responde tudo, ao contrário, vai dando pílulas de acontecimentos, dando apenas algumas poucas soluções para o mistério, normalmente com resoluções não fáceis.
A paranoia piora depois que os dois viajam, para a França, Marcel indaga a esposa por que foi ver Philip. É fato que a mulher estava nervosa na Suíça, desejava sair de lá até para não conviver com o fantasma da ex-amante do marido, no entanto, em novo solo, tratou ela mesma de conversar com alguém que Marcel considerava um rival.
Ele assume um papel de refém do devaneio, um escravo da paranoia. Esses momentos até são suavizados pelos dias românticos que tem com sua esposa, na nova casa que habitam, mas mesmo que o abra mão do mistério, para dar um respiro aos personagens, perto de completar uma hora ele retorna com os clichês de filmes de suspense.
Ao lado da casa deles, há um vizinho pintor, chamado Robert, o personagem de George Hilton que é bonito, esquisito, e observador Ele se assume um voyeur.
O ator vinha de obras como os faroestes como Tempo de Massacre, Vou, Mato e Volto e Com Sartana Cada Bala é Uma Cruz. Anos mais tarde, fez o giallo O Estranho Vicio da Senhora Wardth de Sergio Martino.
Nesse trecho há muitas cenas de intimidade entre o casal, algumas até reveladoras. Guerrieri mostra bastante as curvas de sua musa, mas não faz um uso muito explícito delas, ao menos não tão agressivo como seria nos filmes de Lenzi, especialmente em O Louco Desejo.
Repentinamente Marcel lembra que Philip era apaixonado por Suzanne, começa a achar que ele está tentando culpar ele, pelo que ocorreu com a mulher que ele idealizava. Ao se preocupar com os mortos, ele perde contato com os vivos, se assusta ao perceber que o voyeur dança com a sua atual esposa.
Depois, o casal dança estranhamente, um samba, com coreografias descompassadas, basicamente para tentar compensar algo. Os dois claramente buscam estabelecer uma normalidade entre eles, embora fique claro que ambos não confiam mais um no outro.
A partir desse ponto, falaremos sobre as viradas da trama. Haverão spoilers, confira o restante do texto sabendo disso.
O filme assume as características de giallo os 75 minutos, quase no final, quando Phillip ataca o casal, com uma faca.
Por pouco os apaixonados não perecem, eles matam o sujeito, mas não ligam para a polícia, com receio de serem desacreditados. Enterram o corpo, depois tentam fugir, comprando passagens para os Estados Unidos. No entanto, a música tema volta a tocar, como se fosse uma espécie de assombração.
Deborah enfim encontra Susan, encara sua rival no amor e fica assustada, afinal, ela foi dada como morta. A dubiedade não dura muito, já que o roteiro trata de explicar logo que esse foi um plano, um ardil entre Phillip e ela, onde ambos fingiram estar mortos, em momentos distintos.
Os dois armam para parecer que Deborah se suicidou e Marcel sabia de tudo, como já parecia estar acontecendo antes. Ele afirma que ainda ama Suzzane e combina de encontrá-la em Genebra.
O final é repleto de viradas, com confrontos entre o voyeur e o marido, com o primeiro assumindo um papel de anti-herói, sendo elevado, passando de um simples figurante irritante, para alguém que acaba salvando o dia.
O Doce Corpo de Deborah é uma obra visualmente bela, possui uma trama divertida e intrincada, muito bem resolvida e madura. Mostra uma história de ricos entediados, que buscam aventuras, dinheiro e ainda mais luxos. De certa forma, Guerrieri e Gastaldi desdenha desses, os mostra como pequenos, inseguros e gananciosos, atacando gente gananciosa e semelhante a eles, findando a jornada desse como algo trágico, ardiloso e envolvente demais.
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