Halloween Ends: O melancólico final da "nova" trilogia

Halloween Ends: O melancólico final da "nova" trilogiaQuando um filme de horror faz sucesso é mais do que natural que a partir dele surjam novas produções, sejam sequências ou meras inspirações. Foi o caso não só de Halloween: A Noite do Terror de John Carpenter nos idos de 1978, como com sua sequência tardia Halloween de 2018, de David Gordon Green, e a prova material de que seguir o instinto ganancioso pode ser uma má ideia é esse novo Halloween Ends, a estrear neste outubro de 2022.

Ambas produções pretéritas foram elogiadas, tiveram continuações, filhotes bastardos e outros mais bonitos.

Halloween de 1978 inaugurou a onda de Slasher Movies, sem ele produções como Sexta-Feira 13, Chamas da Morte e A Hora do Pesadelo talvez jamais ganhassem vida. Já o de 2018 gerou uma nova onda de reboot/continuações, a saber o novo (e péssimo) O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface, o quinto Pânico e até uma nova trilogia baseada em O Exorcista.

Quando chegou outubro de 2018 a expectativa em relação a nova produção era grande, e por mais que o roteiro da obra na época patinasse um pouco em alguns dos seus desdobramentos, o resultado final era de satisfação. Quando foi anunciada mais duas continuações com o filme ainda em cartaz se temeu pelo pior, e a chega de Halloween Kills reforçou esse receio.

Curiosamente a continuação veiculada em 2021 foi bastante criticada por ser irreal, distante da premissa desse novo primeiro capítulo, mas tem lá seu charme e personalidade. O mesmo é difícil de dizer deste.

Ao menos há algo genuinamente autêntico em Halloween Ends: a tentativa de modificar o status quo. A trama avança, ou pelo menos tenta avançar.

Essa produção segue duas histórias distintas, que tem em comum a localização de Haddonfield, além de uma futura interseção entre elas.

A mais óbvia é o arco de Laurie Strode, vivida mais uma vez por Jamie Lee Curtis. Aqui ela narra sua própria jornada, em alusão a um livro que ela escreve, um misto de auto ajuda, biografia e relato traumático.

A avó aparentemente superou o trauma do passado - isso não é spoiler - e vive com sua neta Allyson, mais uma vez interpretada por Andi Matichak. As duas convivem juntas, quatro anos após a última aparição de ambas, e tentam superar a trauma que foi o dia das bruxas de 2018, que vitimou Karen Strode, a mãe desta última.

Halloween Ends: O melancólico final da "nova" trilogia

Por mais que não fique claro se a superação da veterana é real ou não, o que predomina é a clara tentativa disso, de seguir em frente, de viver. Parece que o roteiro de Green, Danny McBride, Paul Brad Logan e Chris Bernier mira passar uma mensagem otimista.

Mas a trama primária na verdade mira Corey Cunningham, personagem de Rohan Campbell, um sujeito tímido, aparentemente bem-intencionado, que se envolve em um caso agressivo, e que será mais explanado ao longo da parte da análise onde falaremos mais da trama em detalhes.

O destino de Corey e Allyson se cruza, incentivado pela avó dela inclusive, que não quer que sua neta tenha os mesmos traumas dela, que deseja a superação e uma mínima normalidade a sua parente, já que não conseguiu trazer isso para sua filha.

Até esse ponto o texto é bom. E nos demais aspectos não há muito o que reclamar. A direção segue sóbria, os assassinatos têm um gore consideravelmente alto, a fotografia de Michael Simmonds segue um bom ponto, a música de Carpenter, Jody Carpenter e Daniel A. Davies também está afiada e não é usada em excesso.

O que talvez destoe um pouco é a subvalorização de personagens antigos. Will Patton retorna como o policial Frank Hawkins, mas está apagado, apesar de ser simpático. Kyle Richards parecia que teria um grande papel como uma das sobreviventes, mas mal aparece. Os outros personagens são em sua maioria genéricos, somente Corey, Laurie e Allyson tem brilho.

Bom, a partir daqui falaremos mais abertamente com spoilers. Prossiga apenas se já viu o filme ou se não se importa com isso.

Halloween Ends: O melancólico final da "nova" trilogia

Das partes inéditas e até esperadas, está o caso de culpa de Corey. O personagem tem uma construção bem peculiar, já que ele é introduzido como um estudante prestes a ir para a faculdade, mas sem falar exatamente o que ele quer cursar.

Ele é uma tela em branco, e em 2019 resolveu aceitar um trabalho de babysitter, de um menininho aparentemente calmo, mas que gosta de brincar com suas babás, provocando, usando uma linguagem ferina e até adulta, com referência a palavrões e situações sexuais.

Esse é o momento perfeito para o roteiro mostrar que sabe o que está adaptando, pois o tempo inteiro se brinca que Michael Myers matava babás, e Corey era um candidato a ser morto.

Ele então se envolve em um acidente, e é culpado pela morte do pequeno Jeremy, mesmo tendo sido uma infelicidade tremenda o caso,

Há um cuidado da direção de arte de Michael H. Ward, em construir a casa onde o menino mora como um lugar estranho, com escadas enormes, um lugar grande demais para morar ali só três pessoas, os pais e Jeremy. Além disso, antes mesmo de ocorrer a morte, se nota que o lugar grita por tragédia, clama para que algo ruim ocorra, já que as escadas parecem prever uma queda.

É como se a casa chamasse a tragédia, e como a trama é "pé no chão" fica a sensação de que o óbvio ocorrerá. Essa é a tônica do filme. Tudo o que é óbvio, toda a saída mais fácil e rápida ocorrerá.

O diferencial maior da obra não é a tentativa das Strode sobreviventes em catar os cacos e viver, e sim tentar transformar Michael Myers em um personagem de legado.

O mesmo sujeito que jamais falou ao cometer seus atos maléficos aceita de bom grado que alguém entre em seu esconderijo e aprenda com ele seus métodos homicidas.

A forçada de barra do roteiro não é a coincidência de Corey, após sair da prisão, se encontrar com Allyson. Pessoas com rotinas desgraçadas tendem a se relacionar, basta ver que gente em clínica de reabilitação namora entre si.

Halloween Ends: O melancólico final da "nova" trilogia

A coincidência forçosa é que um sujeito, que sofreu o diabo, que conviveu com todo tipo de acusação e culpa, ao ser atacado por bullys menores de idade, tem a sina de cair perto de um esgoto onde um assassino serial vive escondido, e depois dessa invasão ele sai tranquilo e vivo.

Isso chega a ofender ainda mais se comparado ao fato de que Myers se esconde do mundo e consegue gerar insumos para sobreviver, como comida, materiais de higiene, aparentemente sem sair, ou fazendo isso o mínimo possível.

Ainda consegue fazer isso convivendo com um homem também em situação de rua, e não o agride. A suspensão de descrença grita ao analisar essa sub trama, mas ainda assim é menos incômoda do que a ligação de alma que Corey e Michael acabam tendo, ainda mais se considerar que a outra pessoa pela qual Cunningham tem apreço é uma das vítimas de MM.

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Até se tenta transformar Corey em alguém complexo, mas isso esbarra em uma construção pautada demais em clichês.

Sua família é formada por gente que se importa com ele, mas ambas figuras de autoridade têm posturas obvias e erráticas. Seu  pai é um sujeito legal, mas absolutamente omisso. Já sua mãe é obsessiva e megera extremamente caricata.

O destino de Michael só vale se assistido pela curiosidade mesmo. Quando um aficionado por televisão assiste um seriado longo, há prazer em assistir o final dele, e até negação quanto a possíveis defeitos, pois o espectador empregou tempo e energia demais naquilo. No cinema, isso pode funcionar, mas com personagens de horror normalmente não ocorre.

É legal ver Jason Vorhees reviver, e querer enxergar ele como personagem complexo é tolice. Acompanhar Freddy Krueger retornando sempre é legal, já Myers é diferente, daria para se importar com ele e com seu drama, já que essa versão é mais séria.

Agora, colocar o assassino escondido no esgoto, sem comida e sem cuidados médicos mínimos é ridículo. Se fosse um filme de paródia, suavizaria a sensação de que o público está sendo enganado.

Outra tolice tremenda é a paranoia de Laurie. Ora, ela é apresentada aqui como alguém reabilitada, que parece de fato ter crescido e superado. Mas ela é tomada por um instinto de sobrevivência tão implausível que parece ser um sexto sentido, um poder extraterreno de julgar pessoas em uma característica mística de identificar quem é bom, mau ou neutro basicamente por que o texto paupérrimo quer.

Halloween Ends: O melancólico final da "nova" trilogia

Ela vira alvo de algo infantil, e isso se agrava quando a característica encontra eco em terceiros, em outros personagens que parecem acreditar que Corey mudou ao longo dos anos. Isso além de desvalorizar a personagem, tira força também da figura que poderia ser o novo vilão da saga.

Corey por sua vez não é um personagem de todo ruim. Entre as imitações de Michael ele é de fato a melhor (vale lembrar que outros assassinatos ocorrem na cidade, inspirados pelo legado de The Shape), mas até a construção longa de sua psique é desperdiçada, especialmente por conta dele mudar de postura após ter contato com o maligno.

Ele muda porque o destino quer, e vira a personificação do clichê da inspiração satânica oriunda do mal adormecido que era Michael no seu esconderijo.

Halloween Ends acaba virando uma trasheira involuntária, especialmente graças ao final "ritual", onde a mesma Haddonfield que sempre desprezou Laurie Strode, se reúne com ela para dar fim ao cadáver do vilão. Toda a complexidade de Corey, Allyson e Laurie é zerada, em nome de uma união de todas as forças com a malignidade, e o filma acaba sondo bobo, infantil até, fora o grafismo de algumas mortes, quase nada se salva desta sequência.

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