Black Christmas é um filme de horror histórico, que ajudou a ditar tendência e inspirou boa parte dos arquitetos do terror moderno. Produção canadense, o longa traz para si a pecha de reunir os elementos do que viria a ser a onda de filmes de matança tanto entre os slasher movies como nos giallo italianos, e também ajudou a fundamentar a tradição de fazer filmes de horror em datas festivas.
No Brasil ele recebeu o nome de Noite do Terror, fato que o faz ser bastante confundido com outras produções, uma vez que é genérico ao extremo. A trama pensada por Roy Moore é rápida e direta, foca na rotina de uma república feminina, que abriga até dez meninas, e que se localiza próxima a uma faculdade, que é invadida por um assassino.
O filme é de 1974, e sobre ele falaremos abertamente com spoilers.
Prossiga na leitura sabendo disso, é recomendável claro ver antes, uma vez que boa parte da graça dele reside em mistérios dramáticos.
A obra é dirigida por Bob Clark, de Sonho de Morte e Assassinato por Decreto e da comédia juvenil Porkys.
Quase tudo que é diferenciado e digno de nota do filme é oriundo das ideias e intenções do diretor.
A questão de inserir humor de constrangimento foi ideia do cineasta, assim como a quantidade enorme de piadas sujas, até o final ambíguo e pessimista, que ocorreu a despeito da vontade de estúdio e que possivelmente foi uma das razões dele não ter feito tanto sucesso financeiro.
A identidade incógnita do assassino foi um diferencial, e foi uma sugestão do diretor já com as gravações praticamente finalizadas, não estava presente o roteiro.
Ele quis deixar a obra com um clima de desesperança, que claramente não foi bem digerida pelo público na época, uma vez que mesmo tendo potencial de virar uma franquia, não ocorreu, uma vez que não houve sequência, somente duas refilmagens no século XXI, que pouco aproveitam do material original, diga-se.
Ainda assim o longa tem uma importância sui generis, para o cinema de gênero e para os filmes de matança, já que serviu de inspiração para John Carpenter em Halloween, a começar pela cena inicial, em primeira pessoa, onde o homicida observa uma vítima, no interior da casa.
Houve um trabalho hercúleo no trecho inicial, já que Billy, o assassino, escala pelos degraus repletos de plantas, na lateral da casa. A sequência só ocorreu pelo esforço do diretor de fotografia, Reginald H. Morris (na época, assinava Reg Morris), que criou um artefato para amarrar no próprio ombro, assim ele "atuava" e registrava ao mesmo tempo.
Além de ser perigoso, ainda se tem a poesia irônica de mostrar o homem violento entrando na república cheia de jovens tal qual Papai Noel entraria nas casas de famílias pela parte de cima, atribuindo a ele a condições de um bom velhinho pervertido, invasivo e falido.
Para as moças quase adultas, é o que é merecido, uma manifestação do moralismo exacerbado e hipócrita que os Sexta-Feira 13 e afins teriam no final dos anos 1970 e 80.
As meninas recebem uma ligação estranha, com um barulho que parece o de uma voz masculina e que varia entre a agonia e a taradice.
Não fica claro se o sujeito está se auto flagelando, se masturbando ou fingindo tudo. Ele termina falando indecências, digeridas de formas diferentes por parte das mulheres que habitam a casa, curiosamente com Barb (personagem de Margot Kidder), a mais beberrona e pretensamente adulta entre elas, se sente ofendida pelo modo chauvinista e machista que ele fala.
Um dos pontos altos do roteiro é a questão da falsa protagonista. Visto hoje, é fácil associar o papel principal a Clare (Lyne Griffin), já que ela é recatada e virginal, obviamente isenta da maldade. Quando ela se torna a primeira vítima, sendo morta de maneira cruel, com um saco plástico que a impede de respirar, isso se torna uma grande surpresa.
Logo, o seu pai, o senhor Harrison de James Edmond é mostrado, aguardando a moça que obviamente não chega. O responsável por ela tem poucas informações, sabe apenas que ela é da fraternidade Pi Kappa Sig.
Entre pedidos de informação e especulação, a polícia e o próprio Harrison acreditam que um amigo da moça, chamado Chris Hayden é um possível nome para o culpado.
Mas o protagonismo de fato recai sobre uma outra moradora da república, Jess, personagem de Olivia Hussey. Ela é sexualmente ativa, e não a pudica moça virginal, e se distancia tanto disso que está grávida, que é a prova cabal de que já fez sexo.
Além de ficar claro que não é virgem, a moça discute com seu namorado Peter (Keir Dullea), sua gravidez indesejada, além de explicitar claramente o desejo de abortar, fato polêmico atualmente, imagine nos idos dos anos 70.
Já Peter quer o inverso, deseja ter o filho mesmo que ambos sejam muito jovens. A postura dela bate de frente com o ideal pró família e conservadorismo, resultando assim no exato inverso da garota final ideal.
O filme tenta parecer americano, mas na hora de mostrar o esporte típico dos estudantes, opta por Hockey no gelo, e não basquete, futebol americano ou algo que o valha...
A partir disso, não adianta entupir cenários de delegacia com dezenas de bandeiras dos EUA.
Até mesmo Barb, que parece mais madura e capaz de fazer comentários sexuais bem espirituosos é percebida como alguém fragilizada, com receio pelo sumiço da companheira, com medo de que a pessoa que telefonou e falou sandices seja de fato um homem capaz de matar.
O curioso é que demora muito a achar o cadáver no sótão, e ninguém, nem mesmo a polícia, tem a ideia de ir até o local onde o homicida se esconde junto ao número de cadáveres que vai aumentando.
Aparentemente os humanos tem alergia a esse cômodo, já que é o gato, Claude, que acha a menina, isso com quase metade do filme ocorrido.
Depois de matar a beberrona senhora Mac (Marian Waldman), de maneira criativa e eximia, com um gancho, Billy geme, como se estivesse gozando, enfim chegando ao êxtase, ao ápice sexual.
Fica sugerida uma incapacidade, uma falta de libido ou impotência mesmo, de modo que perfurar carne feminina substitui a capacidade de foder.
Billy não tem um interprete seu. Na maioria das vezes, é o diretor de fotografia que faz o dublê de corpo. Já a voz é feita entre homens e mulheres, variando entre Albert J. Dunk, Nick Mancuso além do próprio diretor do filme, Bob Clark.
Sua motivação é confusa, uma das teorias mais aceitas é que ele provavelmente matou Agnes, possivelmente sua irmã e quando era apenas um bebê. Assassinar mulheres seria uma tentativa de repetição da sensação desse assassinato.
Outra possibilidade é que Agnes pode ser uma cúmplice do assassino, como é utilizado em um dos remakes, o dirigido por Glen Morgan em 2006, cujo nome brasileiro é Natal Negro.
O texto brinca com o fato de Peter provavelmente ser o assassino, colocando-o em posição suspeita sempre.
O personagem além de ter um motivo – não quer o aborto do filho inesperado - tem algumas cenas onde seus olhos aparecem na luz e o resto do rosto está escuro, semelhante ao visto com Billy quando ele mata as moças.
O caráter dúbio é alimentado ao permitir que o público acreditasse, pela metade, que encontraram finalmente o cadáver de Clare, para revelar que na verdade, as pessoas viram uma outra moça assassinada, no parque próximo.
Isso também ajuda a mostrar que os policiais têm muito trabalho, e é difícil lidar com tantas questões criminais.
Noite do Terror possui bons coadjuvantes, como o icônico John Saxon, que faz um chefe de polícia, que impressionantemente não é um completo inútil.
Mesmo entre as meninas, há destaque. Cada uma das que estão na casa tem características e personalidades diferenciadas, algumas mais emotivas, como Phyl (Andrea Martin), outras mais indiferentes, como Barb e até Jess. Elas não são o suco de clichê, comum aos personagens desse tipo de filme.
A morte de Barb é o ápice da qualidade de narrativa e violência. Há um número simbólico, com o esfaqueamento ocorrendo em primeira pessoa, se valendo o fato dela estar dormindo por estar ébria, enquanto as vozes infantis do coro natalino no lado externo da casa confundem a percepção do público.
A voz de Barb é abafada e sufocada, enquanto caem enfeites natalinos lindos, de coloração transparente, que parecem frágeis como o gelo, pontuados por seus membros ensanguentados.
O efeito de maior violência ao segmento é pontuado com mais uma ligação, que Jess atende, agora sob vigilância do grampo policial, mas ainda incapaz de identificar de onde vem.
Billy é cruel, imita um choro de bebê, e repete a máxima que Peter afirmou antes, pedindo para que Jess não retire o seu filho, não o aborte e não o trata como uma verruga, afinal ele é um ser vivo.
Ao se perceber como última sobrevivente, Jess tem um desempenho que impressiona. Hussey manda muito bem, variando entre o desespero, a desolação e a preocupação com as amigas e colegas de maneira bem natural.
Ela transita como poucas atrizes por um conjunto de sensações conflitantes, mostra o desespero de uma sobrevivente como poucas pessoas, e ainda retribui com agressividade o vilão.
Não há final feliz, tampouco uma solução tranquila para A Noite do Terror, ao contrário, uma vez que possivelmente a protagonista foi deixada pela polícia para morrer, sozinha na casa, com o assassino, que termina telefonando, tal qual fez em cada um dos atos da chacina.
Tirando uma conveniência ou outra, o que se percebe é uma obra tensa, agressiva e desoladora, como os clássicos do horror do século.
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