Bonecas Macabras : Uma insana história de brinquedos malditos

Bonecas Macabras : Uma insana história de brinquedos malditosBonecas Macabras é um clássico do cinema de horror trash. Dirigido por Stuart Gordon, sua trama se passa em uma velha mansão que, eventualmente, recebe viajantes perdidos que por sua vez, tem a moralidade e ética posta à prova.

A casa é aparentemente um lugar comum, habitada por um casal de idosos sem filhos, mas seus cômodos são recheados de bonecas de porcelana de todos os tipos, algumas bonitas, outras muito estranhas, que guardam um estranho segredo.

Originalmente chamado de Dolls, o longa foi lançado no ano de 1986, antes de Do Além, filme que adapta um texto de H.P. Lovecraft, também dirigido por Gordon, mas que acabou saindo antes, graças a dificuldade em finalizar as cenas com as bonecas.

O filipino Brian Yuzna é o produtor aqui, retomando a parceria como diretor, que vinha desde Re-Animator: A Hora dos Mortos-Vivos e do próprio Do Além.

Possui produção executiva de Charles Band, o futuro criador da Full Moon. Essas é uma coprodução Estados Unidos e Itália, com quase todas as cenas filmadas dentro dos Empire Studios, em Roma, na divisão de filmes da Empire Pictures. A distribuição mundial ficou a cargo da MGM. Os registros quanto de arrecadação foram positivos, com uma bilheteria superior ao orçamento, mas o longa não rendeu tão bem ao ponto de tornar-se uma franquia.

Possivelmente a raiz da exploração de Band para filmes com bonecos e artigos infantis, vem desse filme. Apesar da obra não ter sido um sucesso comercial, ao menos se pavimentou um visual para a exploração desse tipo de história.

Na Full Moon ele faria algumas histórias baseadas em terror com brinquedos e/ou bonecos, fossem eles possuídos, assassinos "naturais" ou demoníacos.

Entre esses produtos, destacam-se Bonecos da Morte ou Puppet Master, Brinquedos Diabólicos ou Demonic Toys, que se tornaram franquias, fora filmes isolados, como o trash Dollman:33 cm de Altura...e Atira de Albert Pyun, diretor de Cyborg: O Dragão do Futuro e do Capitão América de 1990.

Gordon era um cineasta mais conhecido por sua especialização em adaptações de Lovecraft. Em cada obra sua havia um cuidado por sempre apresentar narrativas cuja base fosse o especulativo dramático, flertando quase sempre com o bizarro e com o grotesco. Aqui não foi diferente.

Ele decidiu utilizar um receio infantil. O jovem Stuart tinha pavor por bonecas de porcelana, a partir daí conseguiu desenvolver a trama, que combinava essas figuras assustadoras com pequenas variações, exibindo também fantoches, marionetes, animação stop-motion e animatrônicos, com sons feitos executados pelo seu grupo de amigos e familiares. Esses sons eram feitos por seus filhos e por sua esposa, Carolyn Purdy-Gordon, que também interpreta um papel importante nessa obra, como uma atriz do núcleo central de personagens.

O roteiro ficou a cargo de Ed Naha, escritor de peças do cinema B, entre elas Troll: O Mundo do Espanto, Chud: A Cidade das Sombras e Querida, Encolhi as Crianças. A história original chama a atenção por abordar o bizarro e o grotesco como centro emotivo do drama.

Isso é indicado já no início, quando um carro quase atropela uma dupla de jovens de visual punk. Quem está dirigindo é a mal-educada Rosemary Bower (Purdy-Gordon), a recém esposa de David (Ian Patrick Williams). Ao ser inquirida do porquê quase matou as moças, ela responde com uma indagação, perguntando se deveria dar meia volta para atropelar as garotas por querer dessa vez. No banco de trás está a pequena Judy, a heroína dessa jornada, interpretada por Carrie Lorraine.

A menina é alerta, elétrica, agitada e com imaginação fértil. Em sua primeira cena ela aparece segurando o seu inseparável ursinho de pelúcia Teddy, enquanto lê o clássico livro João e Maria, objeto de cena que era de posse dos filhos do cineasta.

Depois que o carro atola na lama, a família sai. Até na hora de se retirar de um veículo claramente preso, Rosemary reclama. Ela se mostra uma pessoa cada vez mais indócil, parece crescer em irritação com o passar do tempo, materializando sua insatisfação ao pegar o urso de Judy, arremessando ele longe, perto de umas árvores.

O especulativo ganha forma pela primeira vez nesse ponto, já que entra em cena um ursinho de pelúcia de quase dois metros de altura.

Gordon teve o cuidado de rodar essa cena de uma maneira diferenciada. Para todos os atores, era visto o boneco assustador, que apareceria logo depois, já com Lorraine dentro da cena só houve interação com a fantasia menos assustadora, justamente por conta de a atriz ser muito impressionável. Era preciso que ela seguisse o filme inteiro com um estado de pureza intacto, por isso ele escolheu manobrar desse jeito.

De repente sai de dentro da fantasia um ser animalesco, um urso de proporções dantescas, sendo (obviamente) uma pessoa em uma fantasia bastante legal, dado o orçamento do longa.

Bonecas Macabras : Uma insana história de brinquedos malditos

A forma como esse ser se revela é ótima, vai rasgando a superfície da fantasia, sobrando apenas patas e focinho ensanguentados. Depois disso ele se revela a imitação de urso pardo, que ataca os adultos, até se revelar que o trecho foi apenas fruto da imaginação de Judy.

Como essa sequência toda é um chiste, um devaneio da menina - que aliás, já teve momentos assim antes, segundo a reclamação do seu pai - fica o receio de que toda essa trama possa ser apenas uma fantasia infantil, oriunda de uma pessoa que não sabe verter sua alta criatividade, afinal, ela é apenas uma criança, que acabou de sair da idade de bebê.

Para todos os efeitos, é melhor para o público encarar que os elementos que ocorrem na trama são reais, por mais que eles flertem com os efeitos de uma viagem de ácido.

Elucubrações à parte, os Bower seguem até uma grande casa, uma mansão, que é o único lugar para abrigar da chuva que está vindo. Eles então entram pela porta traseira, fazendo assim uma invasão domiciliar.

Essa casa foi construída dentro do estúdio italiano da Empire que pertencia a Dino De Laurentiis e era tão grande que parecia uma residência de verdade, com dois andares, onde o elenco e os membros da equipe podiam transitar livremente. Do lado de fora havia restos de cenários e adereços de outras produções, incluindo Barbarella (1968) e Guerreiros do Fogo (1985), que inclusive inspiraram algumas das bonecas apresentadas no filme.

A família é recebida por um casal, Gabriel, interpretado por Guy Rolfe e Hilary Hartwicke, feita por Hilary Mason. Além de serem um casal idoso, ambos vivem isolados, fato que preocupa, já que pessoas da idade deles, normalmente precisam de cuidados médicos constantes.

Ali por perto não há sequer comércio, que dirá acesso a médicos, mas ainda assim eles parecem bem, saudáveis o suficiente até para acordar no meio da noite, para apontar a mira de uma espingarda para a cabeça dos invasores.

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Rolfe foi chamado para o filme graças a sua atuação em A Máscara do Horror (1961). Gordon adorava o filme e escolheu ele por ser fã de seu trabalho. O restante do elenco foi escolhido graças a já terem trabalhado com o diretor, em sua companhia de teatro.

Para fazer uma obra tão especulativa, era preciso ter teatralidade mesmo, além de um certo entrosamento, já que a história é repleta de momentos de familiaridade.

Quando percebem que a família não tem intenção maligna (daí, leia-se "Judy não tinha intenções malignas), eles oferecem abrigo para os Bower, para que fiquem ali ao menos até o amanhecer, já que uma tempestade se aproxima.

A casa é antiga, cheia de quinquilharias e objetos espalhados por quase toda a extensão dos cômodos e entre esses objetos, há principalmente brinquedos, sendo a maioria bonecos e bonecas de enfeite, alguns de porcelana, de pano e outros de plástico.

Por ser tagarela Judy aparece conversando bastante com Gabriel. Curiosamente o texto de Naha não é apressado. Os detalhes familiares são dados aos poucos, através das conversas da menina. É somente depois que ela pega alguma intimidade com o senhor que é revelado que sua mãe não é Rosemary, fato que explica a agressividade do tratamento da adulta com ela.

Percebendo que a criança é ignorada não só pela madrasta, mas também por seu pai, Gabriel dá a ela um boneco de fantoche, um bobo da corte, chamado Furador.

Logo chega Ralph Morris (Stephen Lee), molhado graças a chuva que cai do lado de fora. Com ele, vem também Isabel (Bunty Bailey) e Enid (Cassie Stuart), as mesmas que quase foram atropeladas pelos Bower.

O rapaz é claramente o personagem mais complexo do filme. Ao mesmo tempo em que ele quer parecer um candidato a conquistador para a dupla de amigas, ele não esconde que carrega uma docilidade. Seu caráter não é o que é visto tipicamente em homens cafajestes, mesmo que ele tenta parecer assim, tanto que fora o casal de velhos, ele é o único realmente simpático com a menininha.

Os idosos oferecem abrigo a todos. São muito solícitos e portanto, são bastante suspeitos também. Por ser grande, o cenário se torna um palco de encanto e de sustos, especialmente para uma criança.

Aos poucos a história se desenrola, baseada nos sentimentos de Ralph e Judy, ditados pela trilha incidental de Fuzzbee Morse e pela música tema feita por Victor Spiegel.

Aos poucos outros detalhes são revelados, como o caráter ruim de Enid e Isabel, que tencionam roubar a casa, além do motivo de David ter se casado com Rosemary, já que ela é herdeira de uma grande fortuna.

Todos os adultos parecem ter algum interesse escuso, a única pessoa digna de torcida é Judy e, talvez, Ralph, mas como ele quer se exibir para ficar as jovens, suas intenções e seu caráter estão em jogo, só ficando claro de fato quais são suas intenções próximo do final.

Não é muito segredo que os donos da casa são estranhos e bonzinhos demais, aparentam sempre estar escondendo algo. Ao longo do filme se nota que eles somem, que ficam reclusos aos seus aposentos a maior parte do tempo. São as bonecas na sala que servem de anfitriãs da mansão.

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Algumas delas são bonitinhas, até sorriem, outras são feias, possuem olhos que abrem e viram a pupila, em um tom tão realista que parecem ter até nervos, como se fossem humanas. Toda a construção do mistério é bem pensada, divertida, nutrindo bem a mitologia pitoresca de Naha e Gordon.

A construção dos fantoches é muito bem-feita. Mesmo que não tenha nenhum que se destaque mais, ainda assim há um trabalho muito bom do criador John K. Brunner. Os figurinos dos brinquedos ficaram a cargo da esposa dele, Vivian Brunner e as marionetes foram manipulados pelo casal.

A primeira morte é bizarra, Isabel é machucada por coisas que estão fora de tela. Não há mistério quanto a autoria, fica evidente que são as bonecas que puxam ela. O que assusta é como seres tão pequenos são capazes não só de acertar uma mulher adulta, como também conseguem carregá-la

O que de fato surpreende é que mesmo ilógica, a sequência é violenta, tendo bastante sangue. Essa violência certamente influenciou a percepção do público, alertando a parcela mais conservadora da população de que essa é uma obra agressiva em essência e execução.

Fica a dúvida se ocorreu ou não, pois esse momento foi testemunhado pela menina, que ao avisar o pai, é repreendida, depois que afirma que um elfo/duende a levou.

Nesse ponto David é acometido de um surto de sinceridade, assume que não gosta de estar com a menina e pede para ela não falar mais de supostos ataques de duendes, fadas, fantasmas ou princesas que permeiam sua imaginação.

Em sua grosseria, revela que Judy é rejeitada, e comete esse ato malvado justamente na frente das entidades que estão lá para proteger a inocência infantil dela.

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Há algumas cenas em que elementos do cenário assustam, mas o fazem de maneira silenciosa, em breves detalhes e sem muito alarde. Pequenas coisas se movem em fundo de cena, ajudando a fomentar a ideia de paranoia constante do filme.

No entanto há alguns sustos bastante agressivos, o mais chamativo entre eles é quando Ralph e Judy estão em um porão e uma boneca em tamanho real de uma mulher adulta, que se move como se estivesse amarrada, utilizando uma máscara. A sequência é tão bizarra que é impossível não colocar ela em cheque. Como ela foi testemunhada por um adulto também, fica claro o problema.

A trama é uma bobagem sem tamanho e segue com os hóspedes trocando farpas, desconfiando um do outro, especialmente com Ralph, que é tratado como tarado e pedófilo, mesmo não dando razão para isso.

Com 48 minutos o véu é rasgado e os ataques dos brinquedos aparecem de maneira explícita. Bonecas em efeitos de stop motion com qualidade paupérrima atacam Rosemary, que prefere pular pela janela do que ser pega pelos brinquedos malvados.

Vale lembrar que esse foi lançado dois anos antes de Brinquedo Assassino, três de O Mestre dos Brinquedos. Ele é pioneiro, mesmo sem ter sido um enorme sucesso. Foi o pontapé inicial para sagas como Anabelle e M3gan.

Segundo membros da produção, as cenas mais difíceis de realizar foram as dos bonecos atacando os personagens, pois as mãos do marionetista e os fios eram visíveis e difíceis de esconder. O diretor de fotografia Mac Ahlberg e o editor Lee Percy encontraram maneiras criativas de escondê-los, desenhando no rolo de filme elementos de cena, com marcador mágico e iluminação artificial.

Dentro dos bonecos há esqueletos e órgãos, quando a superfície da imitação de pele começa a derreter é revelado que eles têm partes orgânicas. É grotesco, especialmente por conta da maioria ser de porcelana, material frágil, que remete a gravidade quando são quebrados.

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Os brinquedos possuem muitas possibilidades de ataque, inclusive um pelotão de soldados estilo guarda britânica, que atiram de verdade e matam Enid. Também fica claro que Isabel vai sendo transformada em uma boneca, fato que ajuda a explicitar como o lugar é tão lotado de brinquedos.

As vítimas vão se transformando nos objetos, tendo suas mentes modificadas para proteger e preservar a inocência infanto-juvenil.

Curiosamente as criaturinhas não atacam mais Ralph depois que a menina reclama delas e as chama de malvadas. Aparentemente crianças tem autoridade sobre as bonecas, elas não só não atacam Judy, como devem obediência a elas.

É inegável que esse é um filme é uma mistura de terror e comédia, mas também não dá para ignorar a qualidade da maquiagem de John Carl Buechler. As partes arrancadas dos corpos, próteses e órgãos são muito bons e as cenas de violência explícita contém um trabalho com efeitos práticos bem competentes.

Em alguns pontos esse parece que será uma história de transporte de alma para outros corpos, mas parece ser mais do que isso, bizarramente. Os velhinhos não são bruxos, mas trabalham consertando as pessoas também. Seu trabalho de "modificação" beira o poético, com eles afirmando que transformam amargura em amor, tornando as pessoas em bonecos para que aprendam algo com isso.

Um diferencial em comparação com filmes de brinquedos assassinos é que esse faz com que os monstrinhos ganhem através do fator surpresa, por conta também da quantidade, se assemelhando assim as obras com zumbis, já que os mortos-vivos são burros, porém, são muitos. No cenário favorável, eles vencem, tornam a situação inescapável.

Lentos ou não os mortos são maioria, preenchem o cenário fazendo a humanidade sofrer, nessa casa, os bonecos fazem o mesmo, ganham pelo cenário e pelo volume.

Gordon consegue dirigir bem, fortifica a sensação de que os monstrinhos são tantos que se tornam onipresentes. A ideia de filmar de forma "baixa", mirando o olhar dos bonecos é uma ideia muito boa e toda a cinematografia de Mac Ahlberg favorece esse ponto de vista.

Gabriel e Hilary falam para a câmera que buscam crianças de coração puro, mas ainda assim, liberam Ralph e Judy, que vão embora sem os outros hospedes. A casa deles parece de fato ser um lugar só para breve passagem, onde as pessoas recebem uma lição de moral, graças as armadilhas que o casal implanta na estrada, podendo ser provados e aprovados, de acordo com as escolhas que fazem.

Quem passa por lá sofrerá a mesma tentação que os outros personagens. Curiosamente o filme os julga como pessoas superiores, já que eles não sofrem qualquer punição. Apesar do texto ser um pouco confuso, os aspectos visuais compensam. O horror corporal é bizarro, tão agressivo que chega a assustar.

Como a Empire Pictures queria que o filme fosse mais parecido com o filme A Hora dos Mortos-Vivos foram feitas cenas adicionais, incluindo uma para a morte de Rosemary. Uma boneca usaria um forcado para retirar os intestinos da moça, mas os produtores e o diretor decidiram deixar de fora, já que a sequência não se encaixava no tom do filme.

Havia a intenção de fazer uma sequência, onde Ralph casaria com a mãe de Judy, se tornando padrasto dela. Eles receberiam uma caixa, com bonecos de Hilary e Gabriel e uma nova trama se desenrolaria a partir daí, mas o projeto não saiu do papel.

Bonecas Macabras é uma bizarrice completa, uma história cheia de curvas dramáticas e discussões pouco usuais. Vale demais pela curiosidade e pela inventividade de Stuart Gordon e pela bizarrice de sua premissa. Infelizmente acabou não sendo o sucesso que a obra merecia, mas certamente pavimentou o caminho para outras fitas de horror com brinquedos e artigos supostamente infantis.

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