Trinity É o Meu Nome: A história do herói bufão de Terence Hill (e Bud Spencer)

Trinity É o Meu Nome: A história do herói bufão de Terence Hill (e Bud Spencer)Trinity é certamente um dos cowboys mais conhecidos dentro do panteão de personagens do Western Spaghetti clássico, mesmo sendo um personagem de paródia. Interpretado por Terence Hill, acompanhado do seu parceiro contumaz Bud Spencer, o anti-herói vagabundo estreou no longa de Enzo Barboni de 1970, conhecido aqui como Trinity É Meu Nome.

A história é contada a partir da vivência do pistoleiro Trinity (ou Trinita em italiano), sujeito tão caricaturalmente preguiçoso que usa uma espécie de padiola, uma “cama índia”, arrastada por seu cavalo. Já de início é dado que o vaqueiro é tão preguiçoso e "encostado" que nem usa o equino como montaria. Durante a trama, ele se junta a outro pistoleiro trapalhão, chamado Bambino (Spencer) e a colonos mórmons, contra bandidos mexicanos, mas sempre deixa claro seu ideal de bufão e bobo da corte do reino arenoso que é o faroeste.

Nas versões estrangeiras do longa-metragem é possível encontrar o diretor sendo chamado por sua alcunha "americanizada", como E.B. Clucher, tática essa comum entre artistas do cinema italiano, a exemplo das duas estrelas do filme.

Barboni era conhecido por ser diretor de fotografia em filmes clássicos, como Django e Um Trem para Durango. Acabou se especializando como realizador de comédias dentro do gênero do faroeste, fez Chuck Mull, o Homem da Vingança, Trinity Ainda é Meu Nome, ...E Agora Me Chamam O Magnífico e Os Anjos Também Comem Feijão.

O roteiro ficou a cargo de Barboni, que teve o auxílio de Gene Luotto na escrita dos diálogos em inglês. Luotto fez o mesmo tipo de serviço em outras obras clássicas do gênero, como Escreveu Sua Vingança e Ódio por Ódio, longa esse que contém boa parte da equipe de produção desse Trintiy. O redator é conhecido por outros trabalhos grandes, como em Mansão da Morte de Mario Bava, Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza de Dario Argento. Também trabalhou na dublagem de vários desses filmes, tanto em inglês quanto em italiano.

O estúdio que propiciou a feitura da obra foi a West Film, através do produtor Italo Zingarelli, sujeito experiente filmes de ação ambientados na época do império romano, como O Gladiador Invencível e Os Sete Gladiadores, e também dramas de guerra e western como Os 7 Invencíveis.

Tem produção executiva de Roberto Palaggi (Ódio por Ódio) e tem como produtores não creditados a dupla estadunidense Joseph E. Levine e o ator Don Taylor, de Nimitz Volta ao Inferno.

Como é praxe entre filmes italianos de gênero, esse possui diversos nomes. Originalmente a alcunha era Lo chiamavano Trinità. Em países de língua hispânica é possível encontrar como Me llaman Trinity ou Mi Nombre is Trinity, já em inglês é conhecido como They Call Me Trinity.

Trinity É o Meu Nome: A história do herói bufão de Terence Hill (e Bud Spencer)

No Brasil foi batizado também como Chamam-me Trinity ou Eles me Chamam Trinity, mas é sempre possível encontrar ele apenas como o nome do personagem, em variações entre Trinita e Trinity.

O longa foi rodado em Roma, no Incir De Paolis Studios no distrito de Lazio, na pequena cidade italiana Camerata Nuova, que fica perto da fronteira com Almería-Espanha. A cidade espanhola abrigava a maioria dos filmes caros de faroeste italiano. Aqui é ligeiramente diferente, mas não perde em qualidade se comparado a obras conduzidas por Sergio Leone ou Sergio Corbucci.

Também há cenas no Monte Gelato Falls, Treja River e sequências filmadas no Campo Imperatore, L'Aquila, em Abruzzo. Todas essas cidades eram bem próximas, portanto, não houve grande deslocamento da equipe de produção.

Para protagonizar a obra foram cogitados a dupla George Eastman e Peter Martell. O diretor também pensou em chamar Franco Nero para o papel que coube a Hill, mas optou pela dupla titular, pois já tinha observado ambos em trabalhos anteriores seus, como diretor de fotografia.

Barboni trabalhou com Hill em Io non protesto, io amo, A Rainha do Gatilho e Viva Django, todos filmes de Ferdinando Baldi, e com Spencer em Exército de 5 Homens, de Don Taylor e Italo Zingarelli.

Ele sabia que a dupla funcionava, tanto que escalou os dois em outras obras como Dois Tiras Fora de Ordem (1977), Dois Contra o Oeste (1983) e Eu, Você, Ele e os Outros (1984). Esse foi o primeiro grande sucesso de bilheteria internacional da dupla. Depois desse, Hill e Spencer se tornaram superestrelas.

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Chega a ser curioso como eles não eram conhecidos por seus nomes italianos, ao contrário de Giuliano Gemma, Franco Nero e tantos outros. O nome de batismo e de Hill era Mario Girotti e de Spencer era Carlo Pedersoli. Essa foi a quinta parceria deles.

Ambos fizeram papéis pequenos em Aníbal, O Conquistador (1959) ainda com os nomes de batismo. Estrelaram Deus Perdoa... Eu Não! (1967), Os Quatro da Ave Maria (1968) e A Colina dos Homens Maus (1969) – que foi rebatizado como Trinity em vários países, depois do sucesso desse.

Essa é uma produção bastante conhecida graças a um aspecto culinário, que são os pratos de feijão. Nos Estados Unidos, a leguminosa não é um prato tão básico quanto é na cozinha brasileira, mas ainda assim era popular nas partes da fronteira do país.

A comédia usa um prato de feijão claro como um elemento narrativo importante, por ser consideravelmente barata, por dar “sustância” e uma sensação rápida de saciedade, além de ser fácil de fazer.

Trinity é mostrado comendo um grande prato de feijão já no início da trama. Hill teria jejuado 24 horas antes de filmar a cena onde seu personagem come direto da frigideira. Foi obviamente filmada em uma tomada só, com o personagem-interprete devorando tudo com vontade e velocidade.

Trinity É o Meu Nome: A história do herói bufão de Terence Hill (e Bud Spencer)

A ideia aqui era fazer uma paródia do gênero popular dos Bangue-Bangue à Italiana, mas acabou se tornando um sucesso tremendo, maior que a maioria dos filmes que “copia”. Foi o filme italiano com maior número de espectadores nos cinemas italianos até 1986.

A música foi composta por Franco Micalizzi, experiente compositor de obras como O Pistoleiro de Ave-Maria e de parcerias com o pai dos filmes canibais italianos, Umberto Lenzi, em produções policiais como O Chefão Siciliano e Operação Golden Scorpion.

Ele também esteve no cinema de horror, em especial A Maldição: Raízes do Terror. Seu trabalho foi referenciado no cinema de Quentin Tarantino, primeiro com Italia A Mano Armata, do filme de homônimo de 1976, em À Prova de Morte, além é claro do tema desse Trinity, que esteve em uma das cenas mais lembradas do épico western Django Livre.

Parte da graça do personagem é o modo preguiçoso que ele ostenta. Isso é tão importante para ele que é apresentado deitado, descansando em uma cama de madeira, popularmente chamada de travois.

Esse objeto é uma estrutura para conter cavalos, mas que é usada de maneira diferente e criativa aqui. Travois é um objeto antigo, de tradição histórica, utilizada pelos povos indígenas, notadamente os nativos das planícies da América do Norte. Servia para arrastar cargas sobre a terra.

Trinity É o Meu Nome: A história do herói bufão de Terence Hill (e Bud Spencer)

Após o sucesso de bilheteria deste filme os primeiros westerns com Terence Hill e Bud Spencer foram relançados nos Estados Unidos. Além de A Colina dos Homens Maus que mudou o nome de Boot Hill para Boot Hill: Trinity Rides Agains, outros tantos foram ou renomeados ou tiveram os personagens dos atores com nome modificado em dublagem ou legenda, virando Trinity e Bambino.

Curiosamente, nem Hill, nem Spencer e muito menos Barboni consideram que há uma série de filmes com os personagens Trinity e Bambino, embora haja filmes italianos com esses nomes, inclusive Trinity Ainda é Meu Nome que reúne os três profissionais. Não há uma ideia de cronologia muito respeitada.

A narrativa começa mostrando Trinity sendo carregado, arrastado no chão por seu cavalo. O personagem cochila enquanto "passeia" pelo deserto, absorvendo assim toda sorte de areia e sujeira, passando até por um lago.

O animal é tão bem treinado que só para perto de uma estalagem, estacionando enquanto faz barulho, para despertar o seu tutor.

Hill acorda e parece sujo, quase como um mendigo. Suas roupas estão todas rasgadas, em frangalhos, seus pés estão sujos com areia e terra. Ao se levantar ele trata de entrar em um bar, onde se nota toda a poeira que carrega, lembrança essa dos os lugares onde passou os últimos dias.

Nessa introdução já se estabelece qual é o caráter do personagem, já que ele é mostrado como alguém engraçado e como um sujeito esfomeado, já que antes de capturar o seu alvo, trata de comer seu feijão direto da panela, com um pão velho e água.

Por mais que ele esteja em um estado deplorável, imundo, com a barba por fazer e com aspecto de surrado, é difícil não sentir fome junto com ele. A cena foi tão marcante que se tornou a principal marca do personagem.

Trintiy é abordado por caçadores de recompensa, que acham seu comportamento suspeito desde a entrada. Eles são observadores, notam que ele provavelmente estava com tanta fome graças ao fato de estar em fuga.

No entanto eles não acham o rosto dele parecido com nenhum dos cartazes de procurado. A ideia de Trinity era simplesmente pegar o prisioneiro, não havia necessidade de mais nada, sua ideia era só capturar "Chico", o mexicano que estava em posse dos dois cowboys bem vestidos. O latino identifica que é o pistoleiro, o chama por seu apelido, "A Mão Direita do Diabo".

Hill é imponente, mesmo sem ser exibido. Seu personagem saca a sua Colt 45 de costas, acertando os dois encrenqueiros sem sequer olhar para eles. Trinity para em uma cidadezinha, cujo xerife é alguém familiar: Bambino, personagem de Spencer.

Ele comanda a cidade de maneira agressiva, sem ter receio de lançar a mão armada. Bambino mata arruaceiros de maneira veloz, sem esforço, os trata como se não fossem nada, algumas vezes atirando com a mão canhota, em outras simplesmente batendo neles.

Em pouco tempo é dado que ele é a outra mão do Diabo, a mão esquerda, apelido esse graças a mãe de criação, dele e de Trinity, uma mulher que comanda um prostíbulo em Nova Orleans, senhora essa tratada como o próprio diabo.

Spencer era grande, tão imponente que pegava homens adultos no colo, como se fossem crianças. É engraçado como seu velho parceiro e irmão, esfomeado também mas é menos caricato nesse sentido. Seus golpes são quase sempre de mão aberta, quando fecha a mão a usa como uma marreta.

Trinity É o Meu Nome: A história do herói bufão de Terence Hill (e Bud Spencer)

Em um filme comum de faroeste italiano é normal que as coisas sejam mais sujas, seja no visual dos cowboys ou nas atitudes que demandam caráter. Como esse é um pastiche o aspecto é ainda mais exagerado. Não é só Trinity que parece uma pessoa em situação de rua, vários homens parecem não tomar banho a semanas.

A cenografia de Enzo Bulgarelli favorece a demonstração da sujeira geral, os cenários são muito iluminados, demonstrando assim o descuido geral com a aparência das pessoas. Quase todos os personagens possuem barbas grandes e cabelos volumosos.

Outro aspecto técnico de destaque é a fotografia de Aldo Giordani, que valoriza bem as montanhas florestais de Camerata Nuova. Esse é um western verde, cujo cenário é diferenciado, assim como a ação também.

Spencer e Hill eram famosos por trazer várias cenas de luta em seus filmes, mas quase sempre com um tom cômico. É bem comum ver Bambino e Trinity dando bandas, rasteiras, pontapés e tapas de mão aberta nos capangas, golpes visualmente plásticos, mas não usuais, já que machucam menos do que um soco de mão fechada. A ideia claramente é ser mais engraçado, tanto que beira o infantil.

Existe uma trama central, mas que parece menos importante do que a construção da história de Trinity e Bambino. Um grupo de construtores de uma comunidade mórmon tenta levantar casas em um espaço verdejante, no meio do campo. Mas esse grupo sofre constantes ameaças, de bandidos mexicanos, que estão a mando de uma outra figura de autoridade local.

Trinity É o Meu Nome: A história do herói bufão de Terence Hill (e Bud Spencer)

Os mórmons são um grupo religioso cristão, membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Nesse segmento, todos são encarados como ministros, todos são investidos de poder para fazer o bem e de receber o bem feito por outros. Miram sempre cuidar do próximo.

No entanto o longa não se preocupa em explicar quem eles são, não fala muito de suas tradições e costumes. O máximo de aprofundamento nesse quesito reside na relação que as filhas do líder do grupo fazem com Trinita, falando que o grupo adere a poligamia, fato histórico, mas deslocado, uma vez que os mórmons não são mais poligâmicos. Na época do filme, provavelmente eram, afinal foi assim até próximo do fim do século XIX.

Trinity, seu irmão e dois amigos tentam preparar o povo para se defender. Se Por Um Punhado de Dólares adaptava o Yojimbo de Akira Kurosawa, esse fez o mesmo com parte da trama de Os Sete Samurais. Vale lembrar que Sete Homens e Um Destino, filme estadunidense de John Sturges estreou dez anos antes, em 1960, e é uma refilmagem mais fiel ao clássico japonês.

O filme perde força quando a trama tenta ficar séria. Seus vilões são bobos, puramente maniqueístas, especialmente o Major Harriman (Farley Granger), que é o resumo do arquétipo de homem malvado branco e de alta pose. É pomposo, covarde, visualmente fraco, um resumo de tudo o que um herói de ação não deve ser.

Mas o que impera nessa produção é ao amor a galhofa e ao mambembe. Trinity serviu de inspiração para muitos grupos de humor, seja pelos golpes plásticos, pelos arroubos de Spencer com um monte de capangas em cima dele sendo jogados para o alto quando ele levanta, ou pelas acrobacias de ginastas de Hill. Se percebe influência deles no grupo brasileiro Os Trapalhões e até nos seriados de Chespirito, em especial no Chapolim Colorado de Roberto Gómez Bolaños.

Trinity é o Meu Nome é um belo espécime do humor italiano e um dos responsáveis pela popularização dos westerns macarrônicos, sejam os sérios ou não. É um esforço conjunto de Spencer, Barboni e Hill, uma produção simpática, engraçada e extremamente divertida. É um clássico e deve ser sempre tratado como tal.

 

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