Prelúdio Para Matar é um dos filmes mais famosos do mestre do horror italiano Dario Argento. Expoente do movimento Giallo, é possivelmente o mais lembrado e elogiado do gênero, mesmo sendo lançado na década posterior ao início da projeção do estilo como principal filão do horror em seu país.
Datado de 1975, o longa italiano é conhecido também por seu belíssimo nome original, Profondo Rosso e também por possuir uma trilha sonora memorável, composta pela banda de Rock Progressiv0 Goblin (liderada por Claudio Simonetti), embora a música tenha sido “iniciada” por Giorgio Gaslini, músico que se retirou do projeto no decorrer da produção.
Escrito por Dario Argento e Bernardino Zapponi, produzido por Salvatore Argento, tem em Claudio Argento o produtor executivo.
Para muitos, esse é o giallo definitivo e como ele foi a última grande produção dentro do gênero, como reúne uma direção criativa, visual belíssimo, clima onírico, boas atuações e uma grande reviravolta, é possível dizer que sim, ele é o giallo definitivo.
Os estúdios por trás do longa são a Rizzoli Film, que “apresenta” o filme. Também financiaram a Seda Spettacoli (SEDA Spettacoli s.p.a.-Rome), Sales Representatives / ISA. Foi distribuído pela Flair Communications e California Pictures.
Segundo Dario Argento, o roteiro inicial era muito grande, com mais de 500 páginas. Quando Salvatore e Claudio -respectivamente pai e irmão do diretor - Argento leram o texto ficaram chocados com sua extensão. Temendo que o público não entendesse partes mais enigmáticas do script, o texto foi encurtado para 321 páginas, pelo cineasta.
O filme se chama Profondo Rosso no original e esse nome é tão reconhecido que muita gente prefere esse nome, ou Deep Red, que é o equivalente em inglês.
O pre-release era titulado Chipsyomega, mas o nome de trabalho mais frequentemente visto em falas sobre os bastidores era La tigre dai denti a sciabola, que traduzido, seria Tigre Dentes de Sabre. O principal motivo para não ser esse foi a irritação de Argento com as cópias de nomes de seus três primeiros filmes. Diversos filmes com nomes de animais imitaram as obras de Dario, a exemplo de A Cauda do Escorpião de Sergio Martino, Uma Lagartixa num Corpo de Mulher de Lúcio Fulci e O Ventre Negro da Tarantula de Paolo Cavara, o diretor decidiu romper com a tradição e colocou um termo inédito.
Nos Estados Unidos também é conhecido como Dripping Deep Red, foi chamado nos boxs de DVD como The Deep Red Hatchet Murders. A versão “censurada” tinha o nome The Hatchet Murders.
Na Argentina foi chamado de Rojo profundo, no Canada é Les frissons de la terreur. Na República Tcheca é Tmavě červená, na Dinamarca é Mordets Melodi.
O título francês do filme, Les Frissons de l'angoisse, que significa Os arrepios de angústia. O título alemão, Rosso - Die Farbe des Todes significa Vermelho - A Cor da Morte. Em Portugal é O Mistério da Casa Assombrada.
Outro nome curioso do filme é no Japão. Conhecido como Sasuperia Part 2, em atenção a Suspíria, filme de Argento de 1977 que foi lançado no Japão antes desse. Vale lembrar que fora as marcas do cineasta e uma ou outra presença de membros da produção, não há nenhuma ligação entre as obras, sobretudo em termos narrativos e de texto.
Houveram algumas versões cortadas do filme, pelo mundo. Depois que o filme foi licenciado para exibição, ele passou na Iugoslávia, sob o título servo-croata Tajna napustene kuce (O mistério da casa abandonada) nessa versão, quase toda menção a sangue foi cortada, o que é um fato curioso, já que durante os anos 1970 poucos filmes eram restritos ao público com mais de 15 anos e quase nunca por motivos de violência, sexo ou nudez. Esse foi uma bela exceção.
Nos Estados Unidos, foi editado de uma forma que perdeu quase meia hora, a chamada The Hatchet Murders. Considerando que a edição mais conhecida do filme tem 2 horas e 6 minutos, é grande o descarte.
A versão mais presente na rede e nas mídias físicas do filme é uma reedição com 2 horas e 6 minutos de duração, como uma remasterização bela, que incluem até cenas que eram dadas como perdidas há muito tempo.
O grande problema é que boa parte das exibições incluem o áudio todo em inglês, exceção as cenas cortadas, que tem a dublagem italiana. Isso pode deixar o espectador confuso.
A versão mais longa, presente nos mercados de home video italianos apresentavam um corte desleixado, especialmente antes da curiosa introdução do filme, que mostra um lagarto ser visto na tela com um alfinete na cabeça.
A produção começou a ser rodada em setembro de 1974 e durou dez semanas. Embora a história se passe em Roma, a maioria das cenas ao ar livre foram filmadas em Turim. As locações foram em Villa Scott, Corso Giovanni Lanza 57, Piazza C.L.N., Teatro Carignano, em Turim-Piemonte.
Também se filmou em Perugia,Umbria. Em Roma se filmou no Incir De Paolis Studios, Liceo Classico Statale Mamiani, Viale delle Milizie 30 e Saint Constance Mausoleum.
Dario havia feito a famosa (e já citada) trilogia dos animais, que incluía O Pássaro das Plumas de Cristal, O Gato de Nove Caudas e Quatro Moscas no Veludo Cinza. Após a trilogia ele conduziu episódios de La Porta sul Buio e a fracassada comédia Le Cinque Giornte. Esse é o filme imediatamente anterior a Suspiria.
Salvatore Argento havia produzido todos os filmes anteriores do filho, todos os citados antes. Também foi produtor executivo de Operação Paraíso e produtor em Mandamentos de um Gangster e A Fera Carioca. Seguiu produzindo os filmes de Dario até Tenebre, em 1982, pouco antes de sua morte.
Claudio trabalhava com o irmão sendo produtor executivo desde a comédia malfadada de 1973. Além dos filmes dirigidos pelo irmão ele também esteve na equipe da Laurel Group Production, inclusive trabalhou em Zombie: O Despertar dos Mortos de George A. Romero. Seu último trabalho creditado foi em Giallo: Reféns do Medo, de Dario Argento, lançado em 2009.
Zapponi tinha experiência com cinema de gênero, tanto que escreveu o horror As Bruxas e o western Rebelião dos Brutos antes desse Prelúdio Para Matar. Seus trabalhos mais lembrados, no entanto, são as parcerias com Federico Fellini, tendo escrito Satyricon de Fellini, Os Palhaços, Roma de Fellini, Casanova de Fellini e Cidade da Mulheres.
A trilha sonora seria feita por Giorgio Gaslini, que vinha de A Noite dos Demônios, Romance Mortal, Cinco Mulheres para o Assassino e Le Cinque Giornate. A banda Goblin, liderada por Claudio Simonetti, assumiu. Foi aqui que começou a parceria com Dario, depois fizeram juntos Suspiria, Zombie, Phenomena etc.
A narrativa já começa violenta, com um assassinato misterioso, ainda que seja tímido, já que mostra apenas uma sombra de alguém esfaqueando outra pessoa, ao som de uma música infantil. A lâmina ensanguentada cai no chão, antes dos créditos retornarem e o momento imediatamente posterior se dá já em outro lugar, em outro tempo.
Logo é mostrado outro núcleo, com o protagonista musicista tocando com amigos. Ele é Marc, na verdade Marcus (Mark, dependendo da tradução) Daly, de David Hemmings, ator britânico com experiência em Blow-Up: Depois Daquele e Beijo e Barbarella. Ele é tão insuportavelmente chato, que reclama até da boa música que ele e seus amigos executam, mesmo que seja um jazz improvisado de qualidade ímpar.
Aqui se percebe um cenário bonito, antigo e de luxo, de arquitetura barroca. O pianista já aparenta no primeiro momento em que aparece, ser muito exigente, metódico e um pouco obsessivo.
Lino Capolicchio (Escalada e A Casa das Janelas Sorridentes) foi a primeira escolha do diretor Dario Argento para o papel de Mark, mas ocorreu um acidente de carro no caminho para encontrar Argento o impediu de assumir o papel. Em entrevista, o ator lembrou que até encontrou o roteiro que o cineasta lhe enviou, ainda manchado de sangue, depois daquele dia terrível.
Logo outro núcleo aparece em um teatro enorme, todo colorido em um vermelho vivo e prevalecente (o tal vermelho profundo, do título original) ocorre uma palestra, com a sra. Ulman (Macha Méril), uma agente paranormal.
Nesse ponto é tudo tão exagerado que é impossível não achar que esse é um momento de crítica ao charlatanismo desse tipo de exploração.
Essa sensação segue até perto do final da sequência, quando ela tem uma estranha e exagerada reação, uma síncope que se confunde com uma epifania, termina acusando de haver um assassino dentro daquele recinto.
Argento e seu cinematógrafo Luigi Kuveiller tem uma câmera que passeia belamente, por um cômodo, onde mostram elementos estranhos, estátuas avermelhadas, semelhantes a totens de vodu, também armas brancas, além de uma pessoa pintando o olho com um lápis preto.
A câmera brinca de emular os olhos do homem mal, escondido entre pilastras, assentos e até nos banheiros da ópera. Trata-se claramente de um sujeito que aproveita das fragilidades e brechas dos cenários, para esconder não só sua identidade, mas também sua índole.
Mesmo sem aparecer ele é a síntese do psicopata que busca se infiltrar na sociedade, que busca se disfarçar e passar despercebido por todos, para assim espalhar seus atos criminosos sem ser impedido.
Ulman é atingida por um cutelo, antes mesmo de mostrar o invasor de sua casa. Seu grito é o anúncio de que algo errado está acontecendo, mas é tarde para maiores interferências. Ela está sozinha e indefesa, tal qual Carlo, personagem de Gabriele Lavia, que está do lado de fora do bar chique, na praça, ao lado de uma fonte, como se fosse um mendigo.
A solidão é a chave da morte, seja a literal, com Ulman ou a simbólica e sentimental, como a de Carlo.
A outra coisa em comum entre ambos é Marc, o pianista que é amigo do rapaz e que testemunha o grito da paranormal, ao longe, para logo depois ir atrás dela, quando finalmente vê a moça sendo golpeada na janela, com o pescoço sendo cortado pelo vidro, fim esse bem comum dentro da filmografia de Argento, tanto que é atribuído como uma marca do diretor.
Zapponi disse que a inspiração para as cenas violentas e de crime miravam ferimentos dolorosos com os quais o público poderia se identificar.
Passava por fugir de mortes que o espectador não tenha provado, a exemplo de tiros. Era difícil para o grande público saber qual a sensação de ser atravessado por balas, mas a maioria das pessoas em algum momento bateu acidentalmente em móveis, se cortou em vidro ou foi escaldado por água quente, por isso ele focou tanto nesse tipo de lesão ou ferimento.
Marc entra no apartamento onde a moça morreu e tem uma estranha visão, que resultaria em um esquecimento conveniente, que conversa com um dos vários clichês dos filmes gialli, que mostra o investigador - que quase nunca é um policial, normalmente é um artista - que tenta em vão lembrar de algo importante, mas simplesmente esquece, tendo a lembrança retornando quase sempre no final.
Dentro da casa ele vê uma estranha figura em um espelho, trívia essa que deve ser quase tão famosa quando o longa-metragem em si. Revendo o filme é bem fácil notar essa questão, diga-se.
O que também se nota é que no mesmo quadro aparece Carlo e o assassino. Desse modo, não poderiam ser a mesma pessoa, inclusive pelas roupas, já que o ébrio usa vestes informais escuras, enquanto o matador utiliza sobretudo, máscara e chapéu, cuidadosamente vestido para esconder quem é.
Entre grandes estátuas e monumentos da cidade de Turim, Marc encontra seu depressivo amigo Carlo, com a grande estátua de Po no centro da cena.
O acha triste e lamenta sua melancolia. No encontro entre o personagem principal e Carlo, David Hemmings passa pelo Blue Bar à noite, lugar esse que imita o estilo da famosa pintura Nighthawks, de Edward Hopper.
Curiosamente há outra referência a arte, justamente reunindo Hemmings e Gabriele Lavia em cena. Quando os dois tocam piano juntos, uma mulher de chapéu pode ser vista sentada segurando uma xícara de café.
Esta mulher tem o estilo da famosa pintura Automat, de Edward Hopper, lançada em 1927.
A versão maior do brilha demais pelo fato de se sentir ainda mais o impacto de tudo, das mortes, da melancolia geral da cidade grande, que poderia ser em Turim, Roma, São Paulo, Nova York ou Rio de Janeiro.
Até a exploração do sentimento depressivo de Carlo mira isso, visto que a condição de tristeza extrema parece ser ainda mais frequente nessas grandes cidades do mundo moderno.
Aqui se notam alguns casos curiosos, primeiro, é que Marc e Carlo tem a mesma origem, tocam piano juntos desde a escola, mas seus rumos e carreiras foram diferentes, com um se tornando um grande profissional, independente e rico, enquanto o outro ainda mora com a mãe.
Ainda assim eles carregam um laço emocional forte, graças ao passado. Um se tornou um artista profissional, bem-sucedido, o outro, não.
O segundo é que a cidade carece de uma segurança mínima, já que o protagonista entra em um prédio, pega elevadores e acerta o apartamento da morta de primeira.
Não havia qualquer impeditivo para ele, nem porteiro, nem tranca, lembrando que a vítima era de fora, ou seja, aquele devia ser um hotel turístico, não um residencial comum. Grandes problemas diplomáticos poderiam vir desse incidente.
O terceiro é que Helga pode ter poderes psíquicos, mas isso não a impediu de ser atacada, tampouco lhe deu grandes vantagens contra o matador. Marc observa enfim um homem de sobretudo, que esconde o rosto com algo como seda e um chapéu.
Em certo ponto, fica no mesmo quadro que Carlo, que sai do bar no exato momento que a pessoa adentra a rua, ou seja, para o espectador e para o "herói" era impossível achar que Carlo era o culpado.
Uma vez que a investigação começa, aparece a expansiva e extrovertida repórter Gianna Brezzi, feita pela icônica atriz Daria Nicolodi, que era a namorada do diretor, futura mãe dos filhos dele - inclusive da atriz e cineasta Asia Argento - e que começava a fazer uma parceria com o cineasta, que em Suspiria, teria o auxílio dela também na construção do roteiro.
Aqui ela auxilia Marc, na verdade o persegue, já que entende que ele como testemunha, pode ser uma boa fonte para suas matérias. Para azar dela, o sujeito passa pela conveniente amnésia típica dos personagens dos giallo.
Os dois travam algumas discussões ideológicas. Ela serve inclusive para desconstruir a misoginia dele, que se considera superior unicamente por ser homem. Argento e Kuveiller ainda brincam com isso, utilizando a misancene para mostrar ele quase sempre abaixo dela, fora as obvias referências a força física que ela tem, bastante superior a dele, fora a solução final, que mostra que ele não é tão esperto em comparação com mulheres.
A repórter vai ao enterro e fala com Marc sobre os amigos de Helga. Dá a fichaa de Giordani (Glauco Mauri), professor de psicologia, entusiasta de parapsicologia e Mario Bardi (Piero Mazzinghi), um clarividente amigo de Ulman.
Argento bate tanto nessa tecla que faz pensar que ele possivelmente já queria colocar elementos fantásticos em seus filmes, como viria a ser em Suspiria. Curiosamente o diretor sofreu muitas críticas ácidas, algumas bem-humoradas e outras não, por fazer um filme sobre espiritualidade, vindo ele da exploração desses thrillers e suspenses, que eram parte do "cinema" giallo.
A dupla tem brigas longas, algumas delas engraçadas. Marc dispensa a ajuda da moça unicamente por ela ser uma mulher sem receio de parecer alguém com desejos sexuais– aos seus olhos, é libertina, fato que atrapalharia em investigações, ao menos segundo os estudos que ele leu.
O fato dela ser uma moça independente que parece ser montada para ser o exemplo da mulher que não se dobra é tão intenso que beira a caricatura, tanto que ela desafia Mark a fazer uma queda de braço, ganhando dele. É tudo bastante gratuito.
Outro ponto curioso é uma cena dela onde ela segura uma foto da ex-namorada de Argento, no caso, Marilù Tolo, que inclusive, estrelou Le cinque giornate, dois anos antes.
Curioso que apesar da cinematografia, do roteiro e de Gianna desdenharem de Marc, ainda é construído ali um ser charmoso e irresistível, mesmo que ele seja imaturo, afinal, ele é bonito e charmoso.
Como a personagem de Nicolodi é alguém literal, há quem defenda que isso é um argumento misógino, afinal, mulheres também podem ser movidas por impulsos, também podem ser volúveis.
Há quem defenda que essa uma crítica mais pessoal, uma mensagem cifrada, que demonstra um pouco do desprezo do diretor por Nicolodi.
Não parece ser proposital, uma crítica dirigida ao seu par da vez, já que isso se manifesta de maneira subliminar, mas muitos levantam essa lebre graças as brigas públicas entre eles, especialmente depois que Daria teve seu crédito de escritora suprimido em Mansão do Inferno.
Daly vai atrás de seu grande amigo, acaba conhecendo sua mãe, Martha, personagem feita por Clara Calamai, de Obsessão e Romanticismo.
A sequência é estranha, a senhora quer conversar sobre seu passado de artista frustrada, está tão voltada para seus próprios dramas que não percebe a pressa e a falta de interesse do rapaz em suas lamúrias.
O momento imediatamente posterior é quando ele encontra Carlo, que está acompanhado de uma pessoa andrógena. O “companheiro” de Carlo, Massimo Ricci é curioso, já que é uma pessoa vestida de maneira masculina, sendo uma atriz Geraldine Hooper, dublada por um homem, tanto me inglês quanto em italiano.
Argento causa náuseas em seu público, deixando-o confuso a partir de experiências extremas, que não combinam, mas são escaladas de maneira consecutiva.
Ele parte de um trecho contemplativo, onde só há silêncio, depois faz Mark ligar para sua colega de investigação em uma cozinha lotada, com diversos barulhos, onde mal dá para pensar em paz, que dirá conversar com alguém em uma ligação.
Logo depois mostra momentos herméticos, com super closes em um olho cujos cílios são bastante maquiados.
Nos cenários onde uma das vítimas é atacada há bonecas espalhadas, penduradas como se fossem enforcadas, símbolos de uma infância possivelmente interrompida.
O simbolismo é inegavelmente forte.
Antes do assassino entrar em tela os efeitos sonoros são quase ensurdecedores, causam confusão de sentidos. É como se essa fosse a capacidade sobre humana do serial killer, uma espécie de atordoamento parcelado, através do som, que ocorre quando ele entra em cena, embalado pelo teclado, guitarras e tamborins do Goblin.
Há um impacto visual e sonoro que entretém quem assiste o filme e que é certeiro no ataque as vítimas. Da parte dos efeitos visuais práticos, há um trabalho muito bom de Giuliani Laurenti, de A Garota com a Pistola e Sou Pago Para Matar.
A versão maior tem ainda mais "interlúdios", onde toca a música tema e mostra os olhos com maquiagem forte e preta. Ao longo do tempo a sequência se torna ainda mais agressiva por se passar imediatamente antes de algum crime feminicidas.
O bandido é malvado, apaga as luzes do local, liberta dos pássaros para deixar a menina confusa e desorientada. Espera ela espetar uma ave de cor escura, para só então aparecer no quadro, atrás da moça, brincando assim com a perspectiva em primeira pessoa. Termina queimando o rosto da mulher.
Indiscutivelmente Mark é um personagem bom. Proativo, inteligente, só é curioso como ele consegue ser tão capaz de achar pistas, segredos e murais pintados em casas antigas, mas a polícia, não.
Em um lugar isolado, até se compreende que um sujeito como ele conseguisse ter tanta liberdade para fazer suas incursões - uma vez que é um suspeito forte - mas no meio de uma metrópole, essa situação não parece plausível.
A partir daqui falaremos sobre as curvas finais. Ou seja, haverá spoilers.
O filme dá inúmeras pistas, que ao reassistir, faz com que a solução final pareça óbvia. O mural e o desenho vívido, encontrado na parede é somente um deles, uma das muitas pistas que aponta o óbvio. Argento brinca com perspectivas e o faz bem.
Ainda assim há alguns elementos icônicos e misteriosos, como o boneco esquisito na bicicletinha, não tem origem definida, está lá unicamente para distrair Giordani antes de matá-lo.
Quando o protagonista acha o corpo na via Susa, é atingido por alguém, depois Gianna aparece, fazendo assim o público acreditar que ela é a culpada. Como bom fã de Hitchcock, o diretor apenas brinca com a expectativa com isso, faz dela um despiste.
Sem cerimônia, dá indícios de que a chave para entender a motivação do vilão são desenhos infantis, logo a trama leva Mark e Gianna para verificar os trabalhos de arte em uma escola.
As pistas levam a Carlo, já que quase sempre morrem mulheres, afinal, ele poderia querer ser uma - é bem natural que obras com assassinos em série retratem mal transexuais e homossexuais.
Ainda assim Argento dá a ele uma morte irônica, acidental e sofrida, sendo arrastado por um arame, preso a um caminhão, cujo ferro estava agarrado em suas partes íntimas. Não há sutileza não, mas na verdade, ele é apenas um filho tentando proteger sua mãe.
Carlo nunca machucou ninguém, apenas escondia os pecados de sua parente, da pessoa que o amava de maneira incondicional e que ele amava da mesma forma.
Há quem defenda que ele morreu da forma brutal e irônica por ser homossexual. É uma interpretação válida, especialmente se colocar em perspectiva a forma péssima como se retrata a pessoa não heteronormativa no cenário de horror do cinema no século XX, mas não parece ser essa a intenção de Argento, ao menos em níveis rasos de pensamento.
Desde a infância, Carlo encobre os crimes da mãe, tanto que é mostrado ele pequeno, remetendo assim acena inicial, que é finalmente explicada.
Na revelação final é mostrado o pequeno Carlo assistindo sua mãe matar seu pai, quando o mesmo quer interná-la.
Esse é obviamente um resquício da inspiração em Psicose, filme normalmente copiado pelo cinema gialli, aqui simbolizado pela influência maligna da mãe, que seria digerido e tornado em algo mais literal, no futuro clássico slasher Sexta-Feira 13.
O final trágico, com o cordão de pérolas preso no elevador, tão resistente que decapita a assassina e encerra a história. A sequência é forçada, claro, especialmente com a joia de pescoço, que agarra no elevador e consegue ser resistente o suficiente para arrancar o pescoço de sua usuária ao invés de naturalmente arrebentar.
Mas a força do simbolismo é maior, funciona bem para a história.
Prelúdio Para Matar é tenso, tem dramas intensos, explora belos cenários e esconde por um bom tempo o seu maior segredo. Os personagens são bem enquadrados, mesmo os que tem pouco tempo de tela e sua direção de arte é soberba. É afiado em praticamente todos os aspectos técnicos, resulta então em um dos trabalhos mais inspirados de Simonetti, Colodi e Argento.