Exorcismo Negro é um filme brasileiro de horror que faz 50 anos nesse 2024. Escrito, dirigido e protagonizado por José Mojica Marins, é uma obra cinematográfica metalinguística que põe frente a frente criador e criatura, já que mostra Mojica como personagem central, lidando com uma interferência (supostamente) espiritual ligada ao personagem de Zé do Caixão.
Essa é mais uma das parcerias de Rubens Francisco Lucchetti - ou R.F. Lucchetti - com o diretor. A dupla assina o argumento dessa obra, que conta com roteiro e diálogos de Adriano Stuart e Marins.
O longa foi produzido por Anibal Massaini Neto e é parte de uma série contínua de filmes, embora não seja oficial, a chamada trilogia lisérgica, que inclui Ritual dos Sádicos (ou Despertar da Besta) de 1970, esse filme de 1974 e Delírios de um Anormal de 1978.
A versão que atualmente se encontra no mercado é uma cópia remasterizada pelo Canal Brasil, trabalho de resgate muito bem-feito por sinal, com qualidade de imagem e som absurdamente limpo.
A trama é simples, pelo menos no princípio, se tornando rocambolesca com o decorrer do tempo. Mojica Marins grava um filme, logo depois passa por uma entrevista, onde desdenha de sua criação, Zé do Caixão.
A fim de arrumar inspiração para escrever, decide ir para um lugar isolado, a casa de campo da família de um amigo, em época de fim de ano. Sua viagem calha de "terminar" na véspera do natal, ele passaria os feriados na casa de seu chegado, mas a paz é quebrada por fenômenos paranormais, por supostas possessões, eventos que podem ser encarados como poltergeist ou efeitos de casa assombrada.
Aos poucos os segredos da família são revelados, brigas entre vizinhos ocorrem enquanto chega a tal "noite feliz". Além disso, há um vislumbre sobre o inferno, em uma versão tão criativa quanto o que foi visto em Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver.
O ponto de partida do filme certamente é a forma curiosa com que o diretor se retrata. A versão de Mojica Marins é mais pomposa, exagerada, blasé, quase pseudo-intelectual. Aqui o cineasta se leva muito mais a sério do que na realidade, tanto no modo de vestir, como no tratar a imprensa e até em sua busca para inspiração.
Todo o resto, as visões, delírios e suposta manifestações espirituais, parecem oriundas do conflito cerebral interno do artista, que orgulhoso ou não, não nega suas aspirações, inspirações e afins.
O título internacional do filme varia entre The Bloody Exorcism of Coffin Joe, Black Exorcism of Coffin Joe e The Black Exorcism. Na França se chama Exorcisme noir.
O estúdio por trás do longa-metragem foi o Cinedistri, com distribuição nacional pela CIC Vídeo. Recentemente houve um resgate de parte da filmografia de Mojica, em mídia física pela Arrow, no entanto Exorcismo Negro não estava entre eles.
Mojica vinha de O Estranho Mundo de Zé do Caixão, O Ritual dos Sádicos, Finis Hominis: O Fim do Homem, Sexo e Sangue na Trilha do Tesouro e Quando os Deuses Adormecem, também A Virgem e o Machão, que é referenciado no início desse, na cena de introdução.
Já Lucchetti escreveu o texto de quase todos os filmes de Mojica na década passada e no presente, tanto na série Além, Muito Além do Além de 1967, quanto em Trilogia de Terror, O Estranho Mundo de Zé do Caixão, O Ritual dos Sádicos, Finis Hominis - O Fim do Homem e tantos outros. Por essa época também escreveu A Marca da Ferradura de Nelson Teixera Mendes em 1971.
Já Stuart era mais conhecido como diretor. Trabalhou em obra de comédia, especialmente, como o divertido ripoff de Tubarão chamado Bacalhau, a paródia de Guerra nas Estrelas com Didi e sua turma em Os Trapalhões na Guerra dos Planetas e na adaptação para o cinema do sucesso televisivo Fofão, a Nave Sem Rumo.
Anibal Massaini Neto produziu obras como Corisco, O Diabo Loiro, A Infidelidade ao Alcance de Todos, Histórias que Nossas Babás Não Contavam, O Cangaceiro de 1997 e o documentário Pelé Eterno. Conhecido também por ter dirigido Super Fêmea.
A sequência inicial é sensacional, Mojica filma uma cena de invasão domiciliar, no meio de um ato de intimidade dos atores. Uma transformação ocorre com o casal, que se torna um par de velhos, pouco antes da moça ser atacada de forma agressiva sexualmente.
Depois de filmar o diretor concede entrevistas para a imprensa. É cercado de jornalistas, de gente curiosa sobre os rumos de sua carreira. Curiosamente o diretor não era tão paparicado em seu país, ao menos não dessa forma.
Havia quem o admirasse, claro, até gente da arte, como alguns cineastas famosos, como Carlos Reichenbach e Luís Sérgio Person. Parte da fama e do reconhecimento de Mojica como realizador só foi ganha de fato quando suas fitas atravessaram o mundo, para serem exibidas no exterior.
Esse "José" é um personagem cansado, uma versão mais "afrescalhada" do Mojica real, um sujeito que tenta parecer mais erudito do que é, dado a sofisticações de linguagem, cheio de comentários sobre como fazer arte e como conduzir histórias de horror e fantasia.
Mojica era taxado como um ignorante, portanto, ele se junta a Lucchetti e Stuart para desdenhar dessa noção preconceituosa sobre sua figura e sobre seu trabalho, fazendo uma versão irônica de si, colocando em cheque a figura do Zé do Caixão, discutindo inclusive qual é o papel de personagens icônicos antes mesmo do desgaste de fórmulas baseadas em personagens.
Na fala desse Mojica há uma noção de que se abusar demais da figura de Zé do Caixão, ele será desgastado. Ele acaba tendo mais dignidade com o seu personagem do que os estúdios tiveram com Michael Myers, Jason Vorhees, Freddy Krueger e Pinhead em suas respectivas franquias.
Nas falas das entrevistas - e em tantas outras discussões pelo filme - ele reduz o popular Josefel Zanatas a uma mera criatura feita por ele. Diz que ele não existe, que apenas usou o corpo dele, enquanto ator, para transmitir uma ideia.
Enquanto exibe um troféu de um festival francês, ele dribla a fala de um repórter, que pergunta para ele o motivo de não usar unhas postiças, mantendo as mesmas grandes, tal qual as de Zé. Sua resposta é simples e prática, afirma que faz aquilo para ter autenticidade, afinal, sua prioridade é a arte.
Antes de ir rumo as férias, ele fala do filme que escreverá, cita o nome Tirador de Demônios, obviamente em atenção ao lançamento de O Exorcista de William Friedkin, que chegou aos cinemas mundiais em 1973, no ano anterior.
Na promoção do filme, Marins se apresentava na porta dos cinemas, vestido com cartola e sobretudo, dizendo que o brasileiro sabe tratar melhor do diabo que o estrangeiro, a fim de "roubar" o protagonismo do blockbuster de Friedkin.
Nessa versão o personagem central é dublado por João Paulo Ramalho, o mesmo que deu voz a Mojica em Delírios de um Anormal. Ele era especialista em dublar Chuck Norris, como em O Voo do Dragão, Comando Delta e Aventureiros do Fogo. Fez o Zorro de 1957, também dublou Marlon Brando em Apocalipse Now e Lúcifer em Cavaleiros do Zodíaco: Os Guerreiros do Armageddon.
O restante da trama dá conta do personagem/contador de histórias indo passar a folga de final de ano na casa da família de um velho amigo seu, onde pode descansar e pensar em seu próximo filme.
Nesse cenário, repercute as palavras do início do filme, e percebe eventos estranhos ocorrendo após ele negar a existência de Zé do Caixão, ou quando se queixa de não receber os méritos que lhe cabem enquanto artista do cinema.
O cotidiano mostrado é super brega, se tenta determinar que a família que ali está é rica e abastada, mas não parece isso. É como um teatro mambembe, com um estilo diferia bastante do que era comum a rotina do Mojica real, até por conta dele ser apresentado como alguém sozinho, sem família, fato que é contradito inclusive pela presença de uma de suas filhas no elenco.
Os objetos de medo variam entre o real e o imaginário, mostram receios e fobias comuns ao homem como possessões e manifestações possivelmente demoníacas, aparições de bichos peçonhentos, ações de levitação de objetos, momentos típicos de poltergeist.
Tudo gira em torno de abalar a grande incredulidade dos personagens, em especial José.
Um lugar comum entre diretores é o de afirmar que o principal e mais importante trabalho dele é sempre o próximo e Mojica exemplifica bem isso, falando de forma pragmática sobre como é construir histórias, personagens e narrativas.
Chega a criticar inclusive a completa falta de naturalidade de diálogos do cinema mainstream dos anos 1960 e 70, como também ocorre com esse. Lucchetti, Marins e Stuart montam uma história consciente de seus problemas. Ao mesmo tempo em que critica a indústria, ele faz seu mea culpa, já que ele também utiliza desses clichês.
Ainda assim, o artista é refém da arte, e usa o seu cinema como desculpa para manter suas unhas grandes, tal qual garras. Verdade ou não, ele tinha uma boa desculpa para manter sua aparência assim, mas parecia também gostar de ser desse jeito, tanto que vário personagens seus tem unhas enormes.
Sua fala mais curiosa do filme é a que toda vez que ele nega Zé do Caixão, a natureza parece reagir de maneira agressiva, como se fosse uma entidade, buscando atenção.
Antes de conseguir refletir sobre isso e chegar a tal casa, a câmera mostra eventos estranhos, personagens misteriosos e esquisitos, aparece até Malvina de relance, antes de apresentar quem ela era. A edição corta cenas, parece que na montagem de Carlos Coimbra some um frame, misteriosamente, também toca um som de tambores, de corimba enquanto o avô da família passeia pelo lar dos cavalos.
Na parte interna da grande casa, se percebe a bibioteca de Álvaro (Walter Stuart) um espaço que tenta parecer grande, embora apenas uma estante de livros, que reúne clássicos de psicologia e parapsicologia.
Na conversa entre eles, se destacam comentários sobre os desejos do arquiteto em se dedicar em estudar a esse tipo de literatura. Álvaro se define como um profissional frustrado, diz que queria ser um especialista maior nesse assunto.
O curioso é o tom solene com que a conversa é levada, como se o assunto fosse a coisa mais importante do mundo, no entanto. Eles são interrompidos, por um grito, de uma das filhas de Álvaro.
Mojica é o primeiro a chegar lá - traço esse que o acompanharia sempre, qualquer intercorrência ele chega antes dos outros - e diz que o avô deles, feito por Joffre Soares, age como selvagem.
O seu João tem uma aparência diferenciada, com olhos vermelhos eventualmente, mas sempre se contorcendo. O trabalho do cinematógrafo de Antônio Meliande acerta em mostrá-lo de maneira agressiva, no centro das atenções.
Mojica se assusta, mas não fala nada em um primeiro momento. Espera ter apenas com Álvaro e de lado, afirma que ele tinha uma voz estranha, que parecia ser uma pessoa diferente.
A partir daí pequenas abstrações ocorrem, especialmente com José. Ele ouve vozes, vê uma caixinha de música tocando sozinha, mas aos poucos a coisa escalona, quando ele e a pequena Betinha, interpreta pela filha do homem, Marisol Marins - ou Merisol Marin, de acordo com a grafia que o filme utilizou - tem a impressão de que uma árvore dentro da casa, é tomada por serpentes e aranhas.
Assim que chegam as pessoas, o vegetal vira uma simples árvore de natal. Ele passa a duvidar da própria sanidade, já que aos poucos vê coisas que desafiam o seu lado cético.
A mãe da família, Lúcia (Geórgia Gomide) procura Mojica. Fala de maneira vaga, sobre os eventos estranhos da casa. Apesar de não revelar quase nada em seus comentários, deixa claro que tem preocupações e que há algo escondido.
Ainda antes de dormir o protagonista se envolve em uma briga física, que se estende pelo jardim e pela piscina, com Carlos (Marcelo Picchi), o simpático genro de Álvaro, que aparece com maquiagem cinza, olhos vermelhos e comportamento típico de um deadite de Uma Noite Alucinante, sendo que Sam Raimi lançaria essa obra em 1978.
Ele é outro possuído, que passa a agir como se nada tivesse acontecido, logo depois da ação de Mojica. O sujeito começa a pensar que talvez esteja delirando ou é ele o grande problema ali. Manifestações estranhas na casa seguem acontecendo, com fortes semelhanças ao tal filme que Mojica anunciou que faria.
A forma como o fotografo registra esses momentos impressiona, com um jogo de câmera que causa vertigens em quem está vendo e que se repete em praticamente todos os momentos de luta corporal.
Aparecem cenas de uma senhora, em cenários vermelhos, com caveiras e outros objetos que remetem ao ideal de magia negra. Fora desse cenário, ela se veste como uma simples madame, cafona, piegas, cheia de joias e com roupas de seda caríssimas.
Ela é Malvina, personagem da dramaturga Wanda Cosmo, autora de O Pecado de Cada Um .... Ester e O Coração não Envelhece. Também era conhecida por ter dirigido a peça Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen, pela TV Tupi, no programa Grande Teatro Tupi.
Ela é uma senhora misteriosa, que cobra de Lúcia um acordo, que envolve a filha dela, Wilma (Ariane Arantes). As duas aparentemente fizeram um pacto, já que Lúcia não conseguia engravidar, então ela teria ganho a menina e seria a bruxa quem decidiria com quem a moça ia casar.
De início o acordo parece estranho, mas com o tempo é dito que a menininha - agora mulher - tem outros parentes. Dá a entender que o pai é de Zé do Caixão, já que Malvina carrega uma foto do personagem em sua casa.
A casa da personagem é um cenário sensacional. Há um pedaço todo cinza, onde ficam duas corujas e o gato de estimação da "bruxa", além de cômodos todos vermelhos, onde se veem imagens de santos e de orixás. Não há portas entre as partes da casa, tudo se mistura, é a câmera quem determina qual cor vai prevalecer na imagem.
Já na casa da família, Betinha encontra Toddy, ou Toddynho o cachorro da família, morto. Todos se preocupam com a menina, sobretudo Mojica, basicamente por ela ser muito nova e graciosa, mas ninguém tem a presença de espírito de retirar o pet morto de seus braços.
Aqui se traça outro paralelo entre Zé e José Mojica. Zanatas era obcecado por estender o seu legado através de um filho, tinha verdadeira admiração pelas crianças, desde À Meia-Noite Levarei Sua Alma e em Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver.
Aparentemente, Marins também gosta de pessoas infantis, tanto que é super carinhoso com Betinha, também obviamente por estar contracenando com sua filha. O personagem parece gostar da menina além do que deveria, graças a uma ligação espiritual inexplicável.
Logo, outras pessoas dão sinais de possessão, inclusive, Luciana, a filha do meio, interpretada por Alcione Mazzeo, a mesma que gritou ao ver o avô gritando. Ela também age como uma possuída, tem olhos vermelhos, a mesma maquiagem, esfaqueia um quadro e faz coisas sem sentido.
Entre retomadas de consciência e tentativa de negar a proximidade do sobrenatural da parte do protagonista, ocorre um acidente. Carlos se machuca e Wilma é levada para a casa por um estranho, feito por Adriano Stuart. Ele é o mesmo que auxiliava Malvina em sua casa.
A trama que Lucchetti e Stuart pensaram se desenrola lentamente, mistura a pieguice típica dessa versão exagerada e letrada de Mojica, que se veste com roupas coloridas e extravagantes, em paralelo com manifestações bizarras na fazenda, como quando Betinha faz um tridente de flores no gramado, tal qual o artefato que é retratado ao lado de Satanás na maioria dos desenhos conceituais.
Malvina reza a uma Força das Forças, em meio a vários ídolos, coloca fotos do seu "amigo" e de Wilma, entre tridentes e muitas velas. O que mais assusta na cena não é sequer os objetos, mas sim a música estridente do compositor Geraldo José, que pontua irritantemente que o mal se espalha.
Arantes aparece nua, belíssima, com uma maquiagem que lembra a dos possuídos, mas que permite ver mais do seu belo corpo.
Ela grita por um nome, por Eugênio, enquanto Malvina mata uma galinha na sala de sua casa, ela usa um pedaço preto de maneira, para se autoflagelar, levando o tal cabo na direção de sua vagina, em uma versão bem mais sexualizada da cena de Regan usando um crucifixo para se machucar.
Os trinta minutos finais se dedicam ao rito estranho, um ritual que imita os cultos pagãos, com nudez, referências a sexo “dolorido” e orgias, obviamente temperado de um modo mais brasileiro, bem mais sacana do que se veria em obras da Hammer Films, por exemplo.
Mojica cai então em um cenário teatral, em outra dimensão, pouco distante da onde ele está mas suficiente para se locomover entre cômodos da casa.
Lá Malvina, o avô, Wilma e Luciana fazem parte de um estranho louvor ocultista, onde pessoas nuas são pisadas, outras correm, monges bizarros usam túnicas vermelhas ou brancas e no meio deles, está Zé do Caixão, que afirma que Eugênio - ou seja, o personagem de Stuart - é filho de Satã e que Wilma é criação dele.
Eles deveriam casar e do fruto desse amor, nasceria o anticristo, ou seja, se referencia clássicos antigos, como O Bebê de Rosemary, além de A Profecia, que só estrearia em 1976, dois anos depois.
Mojica e Zé do Caixão discutem. Curiosamente, a voz do vilão não é dublada por Ramalho e sim por Mojica, para deixar claro que ali há dois personagens distintos.
O sujeito "real" nada consegue, simplesmente sofre nas mãos de seu personagem, se assusta com as torturas que ocorrem naqueles salões negros e fica petrificado. Aparentemente o mundo espiritual e o mal existem, são assustadores e amedrontadores, de um modo tão grave que o choca e o paralisa.
É muito doido como o cinema de Mojica causa risos no Brasil e medo nos estrangeiros. Não é incomum que a descrição em sites e revistas brasileiros sobre Exorcismo Negro o chamem de trash, enquanto nas plateias estrangeiras haja um grande fascínio pelas imagens, pelos cenários e pelos múltiplos visuais diferenciados dos figurantes.
Nos filmes britânicos, não se imaginava ver um homem escravizado pelo Diabo usando um cabelo permanente ou black power. Aqui se vê isso, se vê a miscigenação brasileira espalhada entre os membros daquele estranho ritual. Não há quem consiga se manter livre.
Zé funciona como uma manifestação do orixá Exu, a entidade caótica, violenta, rápida, dada a transformações e delírios nas religiões afro-brasileira.
Para o leitor pouco familiarizado com as entidades de religiões afro-brasileiras, Exu é como um contraponto ao orixá que lento, que carrega o peso do mundo, chamado Oxalufã. Por ter a responsabilidade de equilibrar tudo, ele é lento, já Exu é rápido, veloz, comparado sempre com Hermes e Mercúrio das mitologias greco-romanos.
Um é o avatar da responsabilidade, enquanto o outro é o louvor ao caos. Zé do Caixão imita e emula Exu, enquanto Mojica é o receptáculo, ou o cavalo, pegando emprestado o termo do Candomblé e Umbanda, o receptor dessa entidade, que nem mesmo ele sabia se tratar de um espírito.
No final fica a impressão de que tudo não passou de uma viagem de Mojica, movida por controle mental, embora o momento em que ele percebe que há no quarto um livro sobre hipnose (em espanhol) ele também perceba que conseguiria ferir a bruxa, pondo fim ao martírio seu e de todos.
Possivelmente o diretor percebeu que a chave para que a paz seguisse com a família de seu amigo, envolvia ele fazer os filmes de Zé do Caixão, para assim, conseguir controlar o demônio que ele é, dentro da ficção, sem permitir que ele venha para a realidade, como ocorreria no vindouro O Novo Pesadelo - O Retorno de Freddy Krueger.
Ou tudo não passou de um delírio, graças a pancada que recebeu na cabeça, que sangrou e machucou o artista, ou ele tem razão em seu movimento de "sacrifício.
O natal chega, Mojica se prepara para ir embora, rasga os papéis de rascunho do filme, decidindo não seguir com a história de exorcismo, tampouco fica com a família feliz, que canta Bate o Sino, juntos, na sala de estar.
Sua sina é de um homem que não vive em paz, não lhe é permitido ser alguém normal, ele é refém da entidade.
Exorcismo Negro é um exemplar autêntico de metalinguagem cinematográfica. Acerta em tom, em crítica, é mordaz, ácido, amedrontador e divertido, possui uma grande história, boas atuações (dentro da proposta, claro) com um visual único.