O Conto do Dia das Bruxas: O filme temático e divertido de Michael Dougherty

O Conto do Dia das Bruxas é um filme de terror que tem base no feriado de halloween. Idealizado por Michael Dougherty, o longa foi lançado em festivais de terror no ano de 2007 e seu formado pega emprestado clichês de antologias do horror, mas tem uma linha guia estabelecida com mais ligações entre as histórias do que é comum nesse tipo de coletânea.

O formato dele é simples, são mostradas histórias curtas que eventualmente se tocam e que tem em comum o mestre de cerimônias, o icônico e pequenino Sam, um monstrinho de tamanho infantil, que está mascarado e usa elementos de “doces ou travessuras” para atacar as pessoas, a fim de manter elas na linha quanto as tradições do dia das bruxas.

O personagem estreou no curta animado Season's Greetings, dirigido por Dougherty e lançado em 1996. Sam é uma abreviação, não de Samuel e sim de Samhain, mito celta e tradição que comemora a passagem de ano dos Eldianos, que também é a passagem do inverno local e é a principal inspiração para a festividade hoje conhecida como halloween.

O longa foi filmado em apenas 40 dias, no Canadá, variando entre o estúdio Lion's Gate, gravando também em North Vancouver, Ladner-Delta e no British Columbia. Foi rodado todo na cidade de Vancouver.

Os estúdios por trás do projeto foram a Warner Premiere, Legendary Pictures e Bad Hat Harry Productions, a distribuição foi da Warner Bros Pictures, fato que não impediu o longa de ter uma grande problemática em seu lançamento.

As primeiras exibições aconteceram em festivais de terror, onde o mesmo foi bastante elogiado. Ele passou no Butt-Numb-A-Thon Film Festival em dezembro de 2007, após esse, chegou a festivais internacionais, passando no Sitges International Festival of Fantastic and Horror Cinema da Espanha, em 2008, passando depois em festivais nos Eua, como o Screamfest Horror Film Festival e Fangoria Convention. Ainda passou em festivais no Canadá no ano de 2009, mesma época em que foi manufaturada em DVD.

Por algum motivo até hoje não explicado, ele não chegou aos cinemas comuns e comerciais. A Warner só remediou essa situação em 2022, lançando ele nos cinemas regulares em outubro, quase sete anos após a estreia de Krampus: O Terror do Natal, que é outro filme que Michael Dougherty fez para comemorar uma época do ano específica.

A demora em lançar o filme atrapalhou uma série de materiais acessórios. Foi programado sair um gibi, que deveria ser lançado em conjunto com o filme. Ele foi lançado em separado, chegando perto da época de 2007, enquanto o filme passava nos festivais. Mesmo sem a impulsão da popularidade do cinema, as histórias seguiram com publicações espaçadas e regulares, tendo até algumas sequências, que foram republicadas em uma compilação, em formato de omnibus.

O Conto do Dia das Bruxas: O filme temático e divertido de Michael Dougherty

A publicação tem inspiração no roteiro do cineasta, mas também tem como escritores Todd Casey e Zach Shields, que escreveram o já citado Krampus, e do quadrinista Marc Andreyko de Batwoman. Os desenhistas foram Fiona Staples de Saga, Stephen Byrne das revistas que adaptavam os seriados de vampiros Buffy e Angel, Stuart Sayger de Bram Stoker’s Death Ship e Zid, de Son of Merlin.

Essa ação multimídia explica em parte a estética empregada na cena de introdução do filme, que lembra de leve Creepshow: Arrepio do Medo, filme de George A. Romero em parceria com Stephen King.

Esse foi o primeiro longa-metragem dirigido por Dougherty, até então seus trabalhos mais conhecidos foram como roteirista em filmes de quadrinhos X-Men 2 em 2003 e em Superman: O Retorno, de 2006. Ele também ajudou a escrever o terror trash Lenda Urbana: A Vingança de Mary, telefime de baixo orçamento, lançado em 2005.

O Conto do Dia das Bruxas tem produção executiva de Dougherty, Ashok Amritraj, William Fay, Alex Garcia, Dan Harris, Jon Jashni e Thomas Tull. O nome mais chamativo entre as pessoas por trás das câmeras certamente é Bryan Singer, que assina aqui como produtor.

Dougherty e ele trabalharam juntos em X-2 e no filme do Super, não à toa algumas pessoas do elenco das duas sagas aparecem ne O Conto do Dia das Bruxas.

O mais conhecido membro do elenco certamente é o veterano Bryan Cox, que fez o William Stryker dos filmes X, mas também chama a atenção o fato de a "Vampira" Anna Paquin estar em um dos segmentos, como protagonista inclusive. Também há uma breve participação de James Marsden, que aparece rapidamente em uma matéria sobre a história dos doces de Halloween.

O longa teve várias mudanças de título antes do início das filmagens. Originalmente intitulado Season's Greetings em atenção ao nome do curta-metragem, acabou mudando para não ser confundido com as festividades natalinas. Depois foi chamado de Halloween Terrors, Jack O' Lantern Tales, 31 de outubro e Trick or Treat. Esse último título foi o escolhido, mas como já havia um filme com o mesmo nome lançado - já analisado aqui, como O Rock do Dia das Bruxas - mudaram a grafia para Trick 'r Treat.

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A história de introdução é simples e efetiva, mostra um casal de jovens adultos, que recolhem a decoração de halloween enquanto se prepararam para uma noite de sexo, onde provavelmente utilizariam fantasias, já que o marido está realmente animado para isso.

Antes de entrar, Henry (Tahmoh Penikett) aconselha sua amada Emma (Leslie Bibb) a não retirar a decoração ainda no feriada do dia 31, já que isso pode trazer mau agouro. Como ela é uma pessoa incrédula, simplesmente ignora e retira, sofrendo uma represália bastante violenta logo depois.

Após os créditos iniciais vem uma bela tomada contínua, que emula um plano sequência, acompanhando os passos de uma criança que carrega sua sacola repleta de doces. Essa pessoa é Sam, que passeia livremente pelas ruas de Warren Valley, Ohio.

Em uma revisão o espectador atento consegue notar que alguns dos personagens de outros trechos aparecem nessas primeiras cenas. Como a cidade é palco de todas as "historietas", nada mais justo que isso ocorra. O artifício é usado mais algumas vezes, em cenas repetidas, mas vistas por outros ângulos ou por momentos novos.

Dougherty escreveu o roteiro sozinho e para isso, teve trabalho. Foram 18 versões do texto e o que foi rodado tinha a intenção clara de mostrar os estágios diferentes da experiência de uma pessoa com o Halloween. Assim, a primeira história com Steve (Dylan Baker) e seu filho é sobre como uma pessoa - no caso, uma criança, Billy (Connor Christopher Levins) - é apresentada ao feriado.

A segunda é sobre a emancipação infantil e o ato de vagar com outras crianças, já sem os pais, pela primeira vez. A terceira, é da parte de adolescentes/jovens adultos, que é o Halloween aos 20 anos, como pretexto para sexo. A história final com Brian Cox, é o Halloween nos seus anos de velhice, com o personagem sendo uma espécie de Scrooge do Halloween.

Para tudo isso funcionar, a cidade cenográfica precisaria parecer real, e ela é. As ruas são tomadas de gente, habitadas por figurantes que desfilam, por membros reais da Parade of Lost Souls de Vancouver, que desfilam todo ano, na época do dia das bruxas nas ruas do Canadá.

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Durante a segunda história, que conta com Paquin no elenco, há uma série de referências verbais a sexo, cuidadosamente colocadas para parecerem dúbias. Quando se tem a revelação do motivo delas estarem daquele jeito, não há como não enxergar a construção desses diálogos como uma boa sacada.

Nessa sequência também se pode observar Quinn Lord em trajes comuns, fazendo um menininho que chupa um pirulito e tenta espiar o espaço de trocador de roupas que as jovens de 20 anos usam para vestir suas fantasias reveladoras.

Laurie é das personagens mais bem pensadas. Ela usa um traje de Chapéuzinho Vermelho e é tratada pelas suas três amigas como um bibelô, como uma iniciante e inexperiente membra do bando/alcateia. A piada visual e se torna óbvia depois da revelação, mas não deixa de ser um bom aceno.

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O elenco infantil está bem afiado, além do já citado Billy, há Charlie (Brett Kelly) um menino guloso, que chuta todas as aboboras e pratica algumas travessuras pela cidade, mesmo quando tem acesso aos doces.

Ele acaba sendo emboscado pelo personagem de Dylan Baker. Essa sequência com Charlie varia entre o humor negro e a sátira. O menino é envenenado, vomita bastante, um líquido vermelho que se assemelha a sangue, mas que era feito de ingredientes comestíveis.

É curioso porque só depois que Charlie cai é que é revelada a função de Wilkins na escola, bem como o fato de que é pai de uma outra criança, que também protagoniza uma cena que é construída para parecer violenta.

Dougherty brinca bem com a ambiguidade, ludibriando brevemente o público em diversos momentos, inclusive na escolha do interprete do diretor assassino. Baker foi escolhido aqui justamente por fazer papéis onde sempre era bom, em sua participação em Felicidade de Todd Solondz.

Uma questão problemática é que a produção não pôde usar marcas famosas de doces, uma vez que a maioria deles eram envenenados ou com lâminas afiadas em seu interior.

Tiveram que criar os seus próprios, como a marca Big Fudge Register para doces, Lhotka para chocolates - em atenção ao coprodutor Peter Lhotka - além de uma marca de bebida alcoólica com o nome do cinematógrafo Glen MacPherson.

Também houve um cuidado da equipe de efeitos, fazendo laternas Jack-O com espuma e cerâmica. Uma piada no set era que nenhuma abóbora foi agredida, prejudicada ou destruída durante a produção do filme.

Todas as histórias são bem estruturadas, interessantes e bem filmadas, organizadas de uma forma que parecem com um portfólio, feito em formato de filme. Dougherty demonstra um grande domínio da narrativa, inclusive brincando com uma linha temporal, que caso não fosse tão bem encaminhada, soaria confusa. Não à toa grandes estúdios apostaram nele, como ocorreu em 2019, quando fez Godzilla II: Rei dos Monstros.

Uma história boa é sobre a lenda urbana que era (supostamente) verdadeira, sobre o caso de assassinato de oito crianças que tinham necessidades especiais.

O Conto do Dia das Bruxas: O filme temático e divertido de Michael Dougherty

O plano era de descarte. Os pais dessas crianças consideravam elas um peso e cruelmente contrataram o motorista do colégio para dar um sumiço neles. A sequência termina de maneira surpreendente, pois além de ser bastante tensa, ainda tem curvas dramáticas inesperadas, especialmente em seu final.

O aspecto da fotografia muda, para determinar o passado, também se dá destaque a elementos visuais como o anel do motorista, que fica claro ser o de um personagem apresentado durante o filme.

As máscaras das crianças também têm ótimos detalhes e os atores que interpretam as crianças no ônibus escolar realmente tinham deficiências de ordem mental. Foi dito pelos mesmo que a gravação em si foi bastante divertida para eles.

As fantasias foram inspiradas nos trajes que estavam presentes em um conjunto de fotos de halloween que Ralph Meatyard e Diane Arbus tiraram em um baile de Dia das Bruxas em uma instituição de tratamento psiquiátrico para crianças.

Só esse trecho já vale para o espectador conferir, especialmente depois do susto falso que alguns meninos e meninas tentam dar na mocinha que é excluída do colégio, presente em uma das tramas. Também há uma boa aparição sobrenatural.

Nessa sequência há também uma referência clara a Charlie Brown E a Grande Abóbora, curta animado de 1966 da turma de Snoopy, e também a aparição de um Plymouth Fury de 1958 vermelho, nessa estrada, referência essa a Christine: O Carro Assassino, de John Carpenter, baseado no romance de King.

Entre os easter eggs há também uma casa, que parece a residência dos White em Carrie, a Estranha de Brian De Palma, além de diversos acenos a figura de John Carpenter e suas obras. O nome da personagem de Paquin Laurie é em atenção a Laurie Strode de Halloween: A Noite do Terror. Já o visual de Cox que lembra o do diretor. Há também uma repetição de fala de Enigma do Outro Mundo.

Como optamos por falar mais livremente de algumas partes da trama, escolhemos não descrever abertamente algumas viradas. No entanto, não há como não destacar o trabalho de efeitos de maquiagem, que misturam bem elementos de vestimenta com CGI.

Dentro da equipe há profissionais como Connie Parker, cujo currículo inclui a comédia zumbi Fido: o Mascote, o Robocop de José Padilha, Segredo da Cabana, além da recente série da HBO Last of Us. Também tinha na equipe Mike Fields, de 13 Fantasmas e Bones: O Anjo das Trevas.

Os efeitos criados pelo Tatopoulos Studios, o mesmo estúdio que trouxe para você a trilogia Lycans em Anjos da Noite.

Um momento normalmente criticado é que, na cena de revelação de Laurie, toca Sweet Dreams, um clichêzaço em matéria de filme de halloween, em uma versão de Marilyn Manson. A programação original seria com a música Fever de Peggy Lee, que poderia certamente encaixar melhor.

Ainda falando da trilha, toca Cry Little Sister, em uma cena de fogueira, provavelmente em atenção a trilha sonora do clássico filme de vampiros Os Garotos Perdidos, de Joel Schumacher, que também tem um momento com fogo semelhante a esse.

O último trecho, com o personagem Kreeg de Bryan Cox é tratado como especial. Ele é mostrado como um velho rabugento, vizinho de Wilkins, que vive com seu cachorrinho Spites. É claramente a versão do velho Scrooge, só que para o halloween, e não para o natal.

O Conto do Dia das Bruxas: O filme temático e divertido de Michael Dougherty

Ele gasta seu tempo sozinho, vendo tv. Em um dos canais que ele passa brevemente, exibe A Casa dos Maus Espíritos de 1959, mas ele sequer parece estar dando atenção para aquilo.

Seu drama é basicamente a de um sujeito que não comemora o halloween, vivendo sozinho, sem decorar sua casa e sem oferecer doces para as crianças locais, até por conta dos segredos do seu passado. A porta da casa dele tem oito fechaduras, claramente uma referência ao número de crianças do ônibus escolar da tal lenda urbana.

Ocorre então uma luta, entre o monstrinho Sam e Kreeg. O ambiente da casa propicia um bom cenário, já que a residência é velha e de predominância da cor cinza.

Sam mostra o rosto por baixo da máscara, resultando em um efeito prático muito legal. Toda a sua caracterização é boa, com ele usando armas com temática de doces.

Aqui também há homenagens, como ao filme a A Troca/O Intermediário do Diabo de 1980, que também é uma obra de horror rodada em Vancouver. Essa é uma batalha extensa, violenta e engraçada, que envolveu inclusive um dublê de oito anos, fazendo Sam e também uma dublê adulta.

Dougherthy trabalhou bem elementos de natal em Krampus, com piadas envolvendo bonecos de gengibre, papai noel, etc. Não é diferente aqui, as fantasias de crianças fazem diferença na trama, causam medo, as lendas urbanas também são muito bem exploradas, sobrando criatividade. Promete-se um retorno a marca em breve, mas Dougherty ainda está trabalhando em uma parte dois. Certamente seria bem-vinda.

O Conto de Dia das Bruxas é uma obra divertida, que tem boas doses de sustos, gore, além de referenciar muitos aspectos de histórias clássicas de horror em muito pouco tempo. É um filme cujo esmero é enorme, sendo recompensado, já que é simples, direto e sofisticado.

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