Krampus: O Terror do Natal, a bela comédia de horror de Michael Dougherty

Krampus: O Terror do Natal, a bela comédia de horror de Michael DoughertyKrampus: O Terror do Natal é um filme natalino cuja história versa sobre os preceitos familiares conservadores, utilizando o ser lendário e tradicional de Krampus, a versão maligna do Papai Noel.

Lançado pelos estúdios da Legendary e Universal, essa versão comandada por Michael Dougherty é uma produção bastante elogiada, diferente dos produtos homônimos da criatura malvada, e contém roteiro assinado pelo cineasta e pela dupla Todd Casey e Zach Shields.

O início ocorre com uma cena em câmera lenta, acompanhada de uma bela canção natalina, mostrando populares brigando para levar os melhores presentes para a noite feliz que vai chegando.

O trecho se torna a perfeita síntese do consumismo e a avidez capitalista pela data celebrada no dia 25 de dezembro, distante demais do ideal do nascimento do Messias Salvador cristão.

Entre as pessoas dessa introdução, há a família Engel, núcleo esse que é o protagonista da jornada do herói. O filho mais novo deles, Max, está brigando com outra criança, em um presépio, no meio de uma peça teatral.

O personagem de Emjay Anthony acha que o natal é uma desculpa gananciosa que visa justificar a compulsão por compras, e que o Papai Noel é meramente um garoto propaganda de refrigerante.

Mas o roteiro não se leva tanto a sério, tanto que no discurso que o rapaz faz, fica patente que aquele foi um argumento copiado de terceiros, além de mal decorado, já que ele confunde as marcas, trocando as franquias de refrigerante de cola na hora de falar do Bom Velhinho.

O elenco é formado por de atores experientes e de rostos conhecidos. Os pais de Max são Tom (Adam Scott) e Sarah (Toni Collette), também há a irmã dele, Beth (Stefania LaVie Owen), e a vó paterna Omi (Krista Stadler) uma senhora idosa, que (supostamente) não fala inglês.

Mais tarde, outros membros da família chegam, sendo eles a Linda (Allison Tolman) que é irmã de Sarah, seu marido Howard (David Koechner), e a tia das irmãs, a solitária e beberrona Dorothy (Conchatta Ferrell), que é a pessoa mais velha que faz papel de alívio cômico mais evidente.

 Krampus: O Terror do Natal, a bela comédia de horror de Michael Dougherty

A quantidade numerosa de parentes faz lembrar clichês do cinema natalino, onde pessoas de credos e pensamentos diferentes se reúnem, mesmo que tenham pouco em comum, exceto claro o fato de ser uma família de caucasianos, com poucas exceções - no caso, a vó, que é latina. Há muito de Esqueceram de Mim nesse início.

Na mesa da ceia, há um sem número conversas paralelas, a maioria de conteúdo ácido.

Ocorrem provocações entre os homens, onde o menos favorecido economicamente desdenha do outro, há também a sensação de desprestígio da parte de Sarah, que se esmerou em montar todo o cardápio variado, e ao invés de receber agradecimentos acaba sendo alvo de críticas e desdém.

Entre esses embaraços, um se destaca, a partir da leitura da carta que Max escreveu para o Papai Noel. Uma das primas verbaliza o relato sincero e adulto do menino, e revela que sua visão da situação é o mais próximo da lucidez possível naquela mesa.

 Krampus: O Terror do Natal, a bela comédia de horror de Michael Dougherty

O conteúdo é pesado, já que ele intercede para que as crises entre seus pais cessem e para que eles passem mais tempo juntos já que o pai vive viajando, e pede para que seus tios tenham mais sucesso financeiro, já que eles passam dificuldades.

Também há um comentário bem errático, sobre a sexualidade das primas, fato que gera uma briga entre as crianças, e resulta em um último momento no ato que traz para o seio familiar a criatura malvada.

Entre todos os personagens, apenas Max parece de fato crédulo e inocente na paz familiar. Seu comportamento passivo agressivo acaba sendo sua emoção mais marcante, e é um bom indício de que sua lucidez não lhe garante maturidade.

Por ser entre todos o mais emotivo, ele acaba sendo a chave para o desmantelamento da crença no natal, e é disso que o monstro Krampus se alimenta, da perda de fé na data.

Ao rasgar a singela cartinha que enviaria ao Papai Noel - ele invoca o infortúnio, permitindo que os pedaços picados do papel fossem jogados pelo vento no dia 23 de dezembro, já com toda a sua família em casa, em uma bela cena noturna, onde a lua poeticamente convoca os pedaços de papel para cima.

Esse simples gesto muda a configuração do local. A vizinhança que antes era típica do subúrbio, é tomada pela neve branca, a energia cai, telefones também, há falta de água.

É como se um universo particular se apresentasse, com poucas exceções de inteirações fora da família, a exemplo do entregador, que deixa um grande saco de presentes, na manhã do dia 24 de dezembro.

Essa sensação de que a realidade se moldou ao redor da casa ganha importância na cena de perseguição envolvendo Beth.

 Krampus: O Terror do Natal, a bela comédia de horror de Michael Dougherty

Preocupada com o seu par, a garota tenta ir a casa de seu namorado, que é a poucas ruas dali.

Ao sair ela é observada e seguida por um monstro de tamanho incomensurável, que pula de um teto para a rua tal qual o Incrível Hulk fazia nos quadrinhos clássicos de Jack Kirby.

Krampus parece um gigante mitológico, não só pelos saltos de distâncias imensas, mas também por sua sombra e aparência escura, que ganha importância graças a neve alva.

O cuidado da edição de som faz o barulho dos sininhos da roupa natalina do bicho lembrar esporas de assassinos do velho oeste, e a composição junto aos grunhidos dele impressionam.

Outro indício de isolamento da casa é a missão de reconhecimento de Howard e Tom fazem, ao perceber que a menina não retornou a casa da família. Eles rodam pela vizinhança (ou ao menos tentam), aparentam andar em círculos, percorrem grandes distâncias, mas graças a configuração do local, não parecem estar mudando de local de fato.

Até passam por um limpador de neve que está tombado sabe-se lá como. Ainda nas referências a Western, parecem estar em uma cidade fantasma, que ao invés de ter areia como aspecto predominante, tem neve.

Entre ataques do lado externo, e pequenos conflitos no interior da casa, os atos maus vão acontecendo, mas ainda sem utilizar a figura que dá nome ao filme.

O responsável por utilizar a fantasia de Krampus é Luke Hawker, um dublê acostumado a filmes de ação, que já havia interpretado um Goblin em O Hobbit: Uma Jornada Inesperada e que recentemente fez um Orc, Magrot, na série O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder.

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Já a voz da criatura conta com a dublagem de Gideon Emerys, ator vocal acostumado a trabalhos com games, em franquias como Diablo, World of Warcraft entre outros.

Ao sair da casa de um vizinho, que por sinal estava vazia, Tommy e Howard vão atrás de pistas no lado externo da casa, e quase são tragados por algo dantesco.

Ao pesquisar pela vizinhança, a dupla de homens percebe biscoitos de gengibre presos a geladeira, com uma grande faca fincada, em uma espécie de piada de Halloween, de extremo mau gosto.

 Krampus: O Terror do Natal, a bela comédia de horror de Michael Dougherty

Apesar do elenco ser mais lembrado por outros tipos de produção, é inegável que alguns deles tenha de fato cacife em interpretar pessoas em cenários de terror. Scott, que hoje protagoniza a distópica série Ruptura, fez Hellraiser IV: A Herança Maldita em 1996, ainda criança, além da comédia Pequeno Demônio, que é uma paródia de A Profecia.

Já Toni Colette é reconhecida pelo grande público muito graças ao papel de mãe em O Sexto Sentido, e recentemente voltou a ribalta do gênero com Hereditário de Ari Aster.

Mas nada disso preparou interpretes para o que ocorre aqui, especialmente pela boa mistura de horror com um humor constrangedor.

Fato é que Collette e Scott funcionam bem juntos, eles têm química, parecem de fato com um casal que está em crise, claramente em uma fase que não é boa, mas ambos seguem tentando consertar seus erros e seguir em frente.

Tom larga sua letargia costumeira e decide agir como macho alfa. Racional e seguro, ele tenciona trancar a casa, tornando ela uma fortaleza, já que fugir dali não é uma opção válida, tanto pela falta de carros quanto pelas estradas estarem intransitáveis.

O plano é esperar o tempo ficar mais ameno, para novamente buscar Beth, e enfim sair da vizinhança, mesmo que não haja qualquer sinal de melhora não só do clima literal, como da atmosfera de horror.

Há um simbolismo no que mantém a casa a salvo. Sempre que a fogueira da chaminé está acesa, os inimigos não invadem a casa. Caso Papai Noel existisse, certamente não desceria em uma casa onde o fogo está aceso na sua porta de entrada, fora isso, onde habita a luz as trevas não dominam, e é em cima dessa máxima bíblica que o filme se impõe.

O roteiro é inteligente ao se valer dos clichês natalinos para ambientar os capangas do monstro.

Pela chaminé da casa, após se apagar o fogo que a vovó Omi mantinha aceso, desce um gancho, com um biscoito de gengibre na ponta, que Howie tenta comer, sofrendo um contra-ataque quase imediato do alimento...

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Por mais engraçada que seja a sequência, há momentos de genuína tensão e desespero, com a família tentando evitar que o menino seja tragado através da chaminé.

Um a um os personagens somem, consumidos por um vilão monstruoso que é tão seletivo em seus atos, que sequer enfia a mão nas vítimas, deixando seus auxiliares fazerem a maior parte do trabalho sujo.

A vó Omi abre mão da aura de mistério, e fala abertamente em inglês pela primeira vez no filme. Em seu relato, ela conta sua história de origem, de uma maneira bastante expositiva, mas de um modo perdoável e que se justifica.

Esse conto do passado remete a uma época sombria, onde as pessoas eram egoístas, graças a fome, essa causada pelo voraz desejo de acumular capital, que é um dos alvos críticos aqui.

Krampus: O Terror do Natal, a bela comédia de horror de Michael Dougherty

Toda a sequência é feita em animação, cuja qualidade lembra o stop motion, dos filmes de Henry Selick, como Coraline e James e o Pessego Gigante.

Em meio a essas recordações, ela afirma que não desejou um milagre, e sim que desaparecessem, as pessoas egoístas de sua família, e aparentemente, esse infortúnio retornou, agora com seu neto.

Ela aparentemente evitava falar em inglês para não ser compreendida, e a única pessoa entre os Engel que gostava de se comunicar com ela foi justamente o menino que herdou dela o lamento sensível e a reclamação que invocou o demônio.

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A figura de Krampus não é muito exposta, se percebe uma silhueta assustadora e grandiosa, e correntes saindo das costas dele. Seu rosto também é escondido até o último momento possível. Já sua roupa, lembra a clássica do Papai Noel, com cores mais escuras, mas lembrando sempre do bom velhinho.

A experiência de Michael Dougherty no cinema é curiosa. Ele é mais conhecido pelos filmes de horror que dirigiu como o bom Conto dos Dias da Bruxas e pelo blockbuster Godzilla 2: Rei dos Monstros.

Ele também trabalhou em roteiros de filmes, especialmente com Bryan Singer, em X-Men 2, Superman: O Retorno e X-Men: Apocalipse, além de ser responsável pelo roteiro de Lenda Urbana 3, acompanhado de seu parceiro Dan Harris, que junto a ele escreveu todas essas produções citadas.

Apesar de participar dessas produções mais comerciais, o destaque do cineasta é de fato em condições mais autorais e independentes. Seu trabalho é bem valorizado aqui, especialmente nas escolhas visuais. Até o uso de cores é diferenciado.

Dentro da casa, por exemplo predomina uma paleta átona, onde tons marrons e vermelhos ganham ares de melancolia. De certa forma a fotografia bela de Jules O'Loughlin registra o estado de espírito pouco otimista dos Engel, que mesmo estando sem grandes opções, ainda acreditam que o melhor pode vir, embora sejam meramente levados pela maré.

Já nos vinte minutos finais prevalece uma coloração azul escura, que demonstra que até as luzes das velas apagaram.

O simbolismo de que as últimas esperanças se esvaíram é forte, e combina com a tragédia que logo chegaria, e com o sacrifício de um dos personagens, que busca se entregar ao diabo encarnado para espiar os pecados de seus parentes, além dos seus próprios.

A invasão do porão é um grande chamariz para o filme, em especial pela participação do palhaço monstruoso que engole coisas. Um baita trabalho de efeitos não digitais.

Krampus: O Terror do Natal, a bela comédia de horror de Michael Dougherty

O anjo que estava em cima da árvore de natal também é ótimo, assim como os biscoitos que contam com vozes famosas, como as de Seth Green, Breehn Burns Justin Roiland como os pães de gengibre Man Clumpy.

O design dos servos de Krampus é simples e aterrador. Há um bom trabalho com os brinquedos que ganham vida, sendo a maioria deles feitos com efeito prático, exceção aos biscoitos, que são feitos em CGI bem legal, mas os humanoides mascarados também são ótimos, funcionam como os elfos ou as renas de Papai Noel.

O uso desses servos fortalece a figura de Krampus quando ela finalmente ocorre. O monstro é assustador e potente, uma criatura bizarra, que se disfarça de humana e tem um rugido forte.

Seu semblante lembra a face de homem, com a pele esticada do que deveria ser São Nicolau, o santo que deu origem a lenda de Noel.

No lado de fora da casa, a situação se agrava. Tudo se torna bem assustador, os personagens que restaram vão caindo.

O fato do roteiro se dedicar a construir um código de conduta e a personalidade singular de cada um dos membros da família faz com que cada perda seja sentida, sobrando enfim Max e uma das primas, Stevie, que deveriam pegar o carro e sumir dali.

Max imita sua avó, repetindo o sacrifício que ela havia feito minutos antes da casa cair, e a recompensa vem logo em seguida, com ele resgatando a manhã do dia 25 de volta, fazendo crer que tudo o que passou no filme foi apenas um grande pesadelo, embora não fique claro se aquela é a realidade.

Krampus: O Terror do Natal, a bela comédia de horror de Michael Dougherty

O dia seguinte é mega iluminado, de uma forma caricatural e irreal em essência, com a abertura dos presentes e com todos os parentes em uma harmonia igualmente irreal.

O fato de não ficar explícito se tudo aquilo não passou de um sonho ajuda a tornar o final em algo poderoso, além de gerar muita discussão por parte dos espectadores que gostaram da obra.

Krampus: O Terror do Natal possui um desfecho ambíguo, não ficando claro se o monstro fez a  família prisioneira, que viverão em looping aquela noite de natal, ou se serão observados por ele, para que não saiam da linha. Seja qual for a interpretação, sobra melancolia e uma fina ironia, de um mundo meio de desesperança e cinismo, uma boa variação do mito natalino adocicado visto em comédias e dramas pela história.

 

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