Terror na Noite : Uma boa e bem-vinda comédia de dia das bruxas

Terror na Noite : Uma boa e bem-vinda comédia de dia das bruxasTerror na Noite é uma comédia com elementos de terror que brinca com a condição de pegadinhas típicas do mês de outubro, sendo uma obra temática de halloween. Lançado em 1982, é um projeto autoral do prolífico do artista Gary Graver.

A trama gira em torno de uma tragédia familiar, com um casal que se separa depois que a esposa denuncia o marido insano, sendo levado à força para essa instituição que trata pacientes que sofrem com problemas mentais. Anos depois ele tenta uma fuga justamente aproveitando o feriado de disfarces, no dia das bruxas.

O filme se chama Trick or Treats, termo em inglês usado comumente para pedir doces, termo que traduzido seria gostosuras ou travessuras. Há muitos filmes cujo nome original brinca com o termo trick or treat. Alguns desses já resenhamos, como Heavy Metal do Horror de 1986, que é Trick or Treat ou o clássico de Michael Dougherty, O Conto de Dia das Bruxas, que se chama Trick 'r Treat. Terror na Noite acabou com esse nome meio genérico no Brasil, mas é uma obra inventiva e carismática.

Foi uma produção independente, financiada pela Gary Graver Productions e distribuída pela Lone Star Pictures, rodado na Califórnia entre Los Angeles, Hollywood. Teve cenas no Laird International Studio, que fica na Washington Blvd., Culver City, também no Culver Studios, além de uma cena em hospital, cuja fachada era a antiga casa dos Thomas H. Ince Studios, que também foi sede da RKO Radio Pictures e Desilu Productions.

O produtor do filme foi o próprio Graver, que também montou, fotografou, escreveu o roteiro e fez figuração, além de ter escalado seu filho, Chris Graver, para fazer um dos papéis centrais. O longa teve como produtores executivos Caruth C. Byrd e Lee Thornburg que trabalharam juntos também em Hollywood High Part II.

A filmagem foi consideravelmente rápida, levou cerca de três semanas para fazer este filme, sempre filmando na parte da noite, entre 18 horas e meia noite. O orçamento foi curto, custando em torno de 55 mil dólares, dos quais a maioria veio dos cofres de Graver, tendo pouco menos da metade arrecadado junto ao distribuidor.

Graver é mais conhecido como diretor de fotografia, tendo participado de obras de gêneros diversos. É dele a cinematografia de Dracula vs Frankenstein, Caçada Feroz e do pornográfico As Profundezas da b...de Julie, ambos lançados na década de 1970. Com o tempo, dirigiu seus próprios filmes, como esse Terror na Noite nos anos oitenta, e Espíritos do Demônio em 1991, mas o grosso de seus trabalhos miravam em mostrar gente nua, ou em trajes sumários, como foi em Instinto Mortal, Exstasy e Convite a Traição, todas obras lançadas na década de noventa.

Ele também é conhecido como autor de livros, entre eles, Making Movies with Orson Welles, onde ele fala da estreita relação de amizade com Orson Welles, o diretor de Cidadão Kane e O Terceiro Homem, artista de muitas outras obras seminais.

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Graver fez fotografia para várias obras do seu amigo, esteve com Orson em Verdades e Mentiras (F for Fake), lançado em 73, onde foi um c0-diretor não creditado, também dirigiu Working with Orson Welles e fez a cinematografia de Do Outro Lado do Vento, filme postumamente lançado em 2018, anos após a morte de ambos.

Welles trabalhou nesse Terror na Noite também, é creditado como Magical Advisor, em uma função que se resume basicamente a um conselheiro de ilusionismo, aspecto esse que seria bem importante para a trama no geral.

O longa começa com uma tela preta, com os nomes da produção aparecendo em um tom amarelo gritante. Logo depois mostra um casal, Joan (Carrie Snodgress) e Malcolm (Peter Jason), que passam juntos uma tarde agradável, bucólica e supostamente normal, até que a campainha toca.

Joan abre a porta para dois funcionários de um sanatório, que chegam para uma intervenção médica. Eles capturam o marido depois de muita luta, com ele perguntando a todo momento o motivo de estar sendo capturado.

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A história passa a acompanhar Linda, uma jovem e bela atriz que tem dificuldades em arrumar papéis no cinema e é interpretada por Jacqueline Giroux. Para se manter, ela trabalha como babá, a fim de se sustentar perto dos holofotes de Los Angeles.

Ela é chamada pela agência para cuidar de um menino, justamente quando Bret (Steve Railsback), seu namorado que também é ator vai estrelar como o grande Othello, em uma montagem teatral shakesperiana. Isso gera uma pequena crise entre eles, mas a questão é rapidamente driblada, já que ambos são pessoas sem posses, com dificuldades de juntar dinheiro.

O menino que vai ser cuidado é Christopher, personagem de Chris Graver, que é o filho do casal que foi apresentado no início. Agitado, ele é o que os antigos chamariam de menino espoleta, travesso ou levado, um garoto animado, que possui um senso de humor ácido, gosta de pregar peças nas pessoas e possivelmente tem algum grau de hiperatividade.

Joan agora está casada com Richard Adams, personagem de David Carradine, mas nada na relação deles parece ser realista ou íntimo. É raro enxergar Richard e seu enteado na mesma cena, que dirá conversando ou se relacionado. Até como casal há alguns momentos estranhos, com o Joan parecendo distante do seu atual marido.

Nesse trecho é dado que Christopher gosta de coisas relacionadas a mágica, até se assume como um ilusionista iniciante. Seu quarto é todo decorado com bonecos de ventríloquo e artefatos presentes normalmente em circos.

A casa da família é cheia de itens de colecionador, inclusive com pôsteres de clássicos do horror da época. São percebidos artes de Gritos de Horror de Joe Dante, o já citado Drácula vs Frankenstein, o slasher Maníaco, além do clássico cinquentista I Was a Teenage Werewolf com Michael Landon.

A equipe de produção pegou toda sorte de material e memorabilia disponível e distribuiu pelo cenário. A casa que serve de cenário é de posse de Snodgress, que emprestou aos produtores, para ser a locação central do longa. Toda a decoração ali é dedicada para o halloween, feita basicamente de papel, plástico e isopor barato pendurado pela frente da casa e pelo interior da mesma.

No cenário de hospital psiquiátrico, Malcolm conversa com seu amigo de sanatório, Bert (Jean Clark), diz que quer aproveitar que todos estariam disfarçados, para sair sem maiores dificuldades.

Em um breve diálogo ele faz questão de se diferenciar dos outros internos, se classificando como mad, termo esse em inglês que pode ser encarado como sinônimo de zangado ou possesso, e não como crazy, que é o termo mais genérico para insano ou maluco.

A atmosfera do filme mira valorizar o especulativo e o estranho, para além das fantasias e costumes locais. O que realmente choca é como uma população suburbana, supostamente calma é tão afeita a escândalos e indiscrições.

Uma boa demonstração disso ocorre quando Richard enche Linda de gracejos, se aproximando dela de maneira agressiva a supostamente sexual, em sua própria casa, sem receio que sua esposa o pegue.

Joan eventualmente chega, observa a tentativa de flerte, mas parece mais preocupada em não se atrasar para a festa "de trabalho", e menos em controlar seu atual marido. Essa questão jamais é revisitada, não há nenhum tipo de contrapartida ou consequência negativa para o marido ou para o casal.

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O filme grita que as situações mundanas não têm importância, o que de fato faz diferença são os eventos que chegarão apenas nos minutos finais de exibição.

Mas o enfoque emocional é obviamente voltado para Christopher, que tem como hobby se fingir de ferido, machucado ou morto o máximo de tempo que consegue. Ele passa o filme quase inteiro pregando peças em Linda, mesmo com ela pedindo para não fazer.

Talvez essa tenha sido a principal referência para David Gordon Green e o plot de Corey Cunningham no início de Halloween Ends. O roteiro perde a linha algumas vezes, inclusive nas brincadeiras de Christopher. Suas travessuras aumentam e ficam mais complexas. O trecho onde finge afogamento é bem elaborado. Tudo bem que Linda é demasiadamente crédula, tanto que mergulha na água, mas é capaz do espectador ser ludibriado pelo menino também, especialmente por conta de Graver ter gasto em tomadas com filmagem sub aquática.

O roteiro é simples, mas toca em assuntos espinhosos, fazendo até algumas referências a suicídio, com armas de fogo e com facas. Christopher é inventivo quando se trata de brincar com as expectativas das pessoas.

O menino parece ter herdado a morbidez de seu pai biológico, que inclusive, se aproxima da casa, liga para lá mas não fala nada, só respira fundo, como se fosse um tarado passando trote enquanto se toca.

Ele anda pelas tuas com uma peruca falsa ridícula, age como se fosse uma senhora travestida, talvez em atenção a filmes como Psicose ou Vestida Para Matar.

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Quando ele finalmente consegue falar alguma coisa, já na terceira ou quarta ligação, acaba pegando Linda já sem paciência, estressadíssima, deixando claro que sua entrada na casa seria facilitada, uma vez que a condição de trabalho dela é insalubre.

Se chega o pai do menino, ela certamente deixaria ele ser vigiado pelo parente, talvez até se soubesse que ele vem de uma instituição que trata pessoas doentes, dado o modo como o menino é indócil.

O texto tem bons comentários metalinguísticos sobre a indústria de exploração de filmes de horror. Graver coloca duas moças bonitas mexendo em rolos de filmes. Uma é Connie, feita por Nike Zachmanoglou, continuísta do filme, e a outra é Andrea, interpretada por Jillian Kesner, que era gerente e coordenadora de produção, mas que aqui é apenas atriz.

As duas trabalham com e edição de cinema, mas quando discutem sobre arte, ambas dizem não gostar de fitas de terror.

Quando conversam, falam sobre a ganância de produtores, que investem pouco, em obras baratas, que podem ser feitas em qualquer lugar do mundo, inclusive na sala de edição onde estão montando esse The Monster Strikes, e que resultam normalmente em algum produto de retorno financeiro fácil e garantido.

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A reflexão das duas é um bom resumo do porquê filmes de horror nunca saem de moda, já que há sempre quem busque sustos e arrepios, enquanto que investe sempre está atrás de algo cujo retorno é garantido.

Na última meia hora a edição se arrasta, mas o ritmo melhora assim que o filme se assume como uma obra sobre assassinatos, de terror. Malcolm enfim ataca as pessoas, vai até a casa onde sua esposa reside, mas não a encontra lá vê apenas Linda, já que seu filho está se escondendo, como parte das suas travessuras típicas.

Malcolm também se esconde, se prepara então para pegar a babá de maneira inesperada. No torpor de sua insanidade ele confunde a moça com sua ex-esposa, diz que a perdoa, mas obviamente quer praticar com ela o mal.

É curioso como toda a ideia inicial lembra a premissa que Irwyn Yablans pensou para Halloween: A Noite do Terror, já que a ideia inicial para o caso de assassinatos em Haddonfield, seria o de um assassino que mirava matar babysitters. A gênese desse coincide com essa, mas tem um final ligeiramente diferente e inventivo.

Christopher ainda comete duas pegadinhas antes de acabar a fita. Primeiro, ele mata o seu pai, com uma lâmina real em seu brinquedo de guilhotina, depois ele estende uma faca para matar sua babá, enquanto ela se prepara, chorosa, para ligar para a polícia. Essa aliás é a última cena, que corta antes do impacto.

Essa pode ter sido mais uma brincadeira dele, mais um chiste, ele pode até ter fingido ter matado o invasor, que era o seu pai desconhecido, uma vez que não fica claro se ele foi realmente sincero em falar que a guilhotina tinha uma lâmina real. A interpretação mais macabra certamente é a de que ele herdou os genes psicopatas de Malcolm, e a não certeza é a maior riqueza dessa obra.

Graver coloca uma criança como uma das forças assassinas, demonstrando ter mais coragem até do que as franquias famosas, que nunca tiveram coragem de colocar crianças como alvo de legado assassino, como foi com Jamie Lloyd na saga Halloween e Tommy Jarvis nos filmes de Sexta-Feira 13.

Apesar de ter um ritmo inconstante, Terror na Noite é uma boa surpresa, especialmente no que tange a comédia e comentário sobre o cenário de filmes de horror. É uma obra de efeitos legais, com personagens carismáticos e uma cara de pau atroz, além de ser muito bem filmado. É uma pérola esquecida e que deve ser redescoberta.

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