Alerta Sonoro: A Different Kind of Truth - O retorno do Van Halen

[Texto originalmente publicado no Re-Enter, em 13/02/2012]

Um dia desses, sabe-se lá porquê, tive uma ideia para escrever um conto. Como a maioria de minhas ideias, não passou de fato para o papel, mas seria a história de um rapaz adolescente que arruma um bico de ajudante em um barco de pesca, cujo único integrante da tripulação era o capitão: Um amargurado, bêbado e desdentado senhor quase na casa dos 60 anos, que tinha de abastecer semanalmente seu farto estoque de bebidas, e já há um bom tempo não cuidava dos cabelos grisalhos e embaraçados. Passava o dia pescando escassos peixes e praguejando contra o mundo do qual um dia fez parte. Quando se cansava, sentava em frente a um velho piano e tocava acordes melancólicos, cantarolando com sua voz grave e cansada uma música chamada How Many Say I. No braço, uma tatuagem escrito “Wolfgang”, o nome do filho que sua vida errante o havia forçado a abandonar.

Essa era a imagem de um futuro distópico de Edward Van Halen, provavelmente criada na minha devido aos anos tortuosos que o guitarrista passou após o último álbum de sua banda, Van Halen III, de 1998, único álbum a conta com Gary Cherone, ex-Extreme, nos vocais. O álbum se tratou de um trabalho inegavelmente irregular, com alguns momentos de brilhantismo, como o (único) single Without You. A canção que citei na minha sinopse do conto estrelando Eddie é justamente tida por muitos fãs como a representação da decadência da banda – e da megalomania de Eddie. Apesar de ser uma música muito bonita e bem arranjada, era algo totalmente fora do esperado para a banda que um dia gravou Runnin’ With the Devil.

Já Eddie, entrou em uma espiral descendente após o fracassado álbum: Enfrentou um câncer de língua, uma necrose avascular, consequentemente uma série de cirurgias, e passou a ser cada vez mais assombrado pelo fantasma do alcoolismo. Seu temperamento, agravado, o colocou em conflito com os demais integrantes “não-parentes” da banda. Isso pôs fim a uma breve reunião com o vocalista Sammy Haggar, em 2004, e motivou a saída de Michael Anthony, baixista da banda desde sua fundação. Quanto ao Van Halen – a banda -, tornou-se um mar de dúvidas. Mesmo com a volta de Dave Lee Roth em 2007, e uma turnê que faturou alguns milhões, um novo álbum era algo pouco esperado pelos mais céticos. Principalmente um novo álbum que fosse de fato BOM.

Mas, para alegria de todos e felicidade geral da nação que curte um bom rock n’ roll, o lendário guitarrista e sua trupe surpreenderam a todos com o recente lançamento do álbum A Different Kind of Truth. Mais familiar do que nunca - contando com seu amigo de adolescência nos vocais e com Wolfgang (aquele mesmo, o moleque da tatuagem) no baixo -, os irmãos Eddie e Alex Van Halen nos entregaram um conjunto de 13 faixas que mostra a banda em sua melhor forma, e derruba o queixo daqueles que acham que as bandas clássicas se tornaram burocráticas e cansadas, vivendo apenas dos antigos sucessos.

O álbum parece claramente resgatar os primeiros anos do Van Halen, e não é para menos, já que a maioria das músicas surgiu de demos resgatadas da época em que a banda ainda nem tinha gravado o primeiro disco. Poderíamos aqui levantar a questão de que os caras não tem mais novas ideias, ou algo assim, mas, na boa... QUEM SE IMPORTA quando temos um álbum tão bom em mãos – e ouvidos? O que podemos afirmar é que Eddie demorou uns bons 30 anos para dar forma a essas músicas, o que me lembra uma antiga entrevista com Sammy Haggar, em que dizia que Eddie era ótimo para criar trechos brilhantes, porém tinha uma enorme dificuldade em juntar esses pedaços, e cabia a ele – Haggar – muitas vezes transformar essas criações em algo conciso, ou seja, uma música.

Portanto, além dos probleminhas que já citei no início do texto no decorrer da jornada de Eddie, está explicado o motivo de tanta demora. Talvez a volta de Roth e uma mãozinha do produtor John Shanks (conhecido por trabalhos de artistas mais pop, como Michelle Branch, Allanis Morrissete, e até mesmo Celine Dion e Backstreet Boys) tenham o ajudado. O fato é que o novo trabalho parece lembrar ao mundo sobre o mais que merecido status do músico: O de lenda do rock, e lenda da guitarra. Seu estilo e timbre continuam inconfundíveis ao ouvir esse disco, tornando indiscutível o fato de que ele é um artista único no mundo do rock - e (por que não dizer?) da música como um todo. Além de representar muito bem fazendo aquilo que o tornou famoso (a introdução de China Town lembra você de alguma coisa?), Eddie não deixa de experimentar e mostrar sua versatilidade, como a brincadeira acústica em Stay Frosty ou a afinação mais pesada em Honeybabysweetiedoll.

Falando em pesado, podemos dizer que esse disco beira fortemente momentos de heavy metal, provavelmente com algumas das músicas mais pesadas da carreira do Van Halen – e o disco não tem nenhuma balada! Sem dúvidas podemos afirmar que o fantasma do “Van Haggar” foi enterrado de vez (mas não há motivos para chorar o falecido, afinal de contas temos aí o Chickenfoot, para quem interessar), principalmente com a presença do “party boy” e nada romântico Dave Lee Roth, que nos presenteia com vocais muito fluidos e elaborados, bem além do “verso falado com voz de locutor de rádio + refrão monossilábico”. Aliás, esse refrão monossilábico é exatamente um dos problemas da faixa mais fraca no disco na minha opinião, e responsável pela minha falta de empolgação com o álbum antes de ouvi-lo: o single Tattoo, que não dá uma partida muito empolgante – algo necessário para uma faixa de abertura de uma banda como o Van Halen.

Quanto a Alex, o segundo Van Halen, suas batidas continuam versáteis e poderosas, marcando o ritmo ideal para a guitarra de seu irmão, com destaque para o solo e as batidas quebradas na introdução de As Is, que em seguida desemboca em uma espécie de “Hot For Teacher 2.0”. Quanto a Wolfgang, o terceiro Van Halen, digamos que ele sofre do estigma das bandas de hard rock com guitarrista excêntrico demais: o de acaba sendo ofuscado. Ele está ali, fazendo o necessário para o papai brilhar, exatamente como seu antecessor Michael Antony, cuja falta, aliás, tem sido sentida por muitos fãs devido às suas harmonias vocais, e não ao seu baixo – mais um exemplo do tal estigma, que também acometeu Jason Newsted em sua saída do Metallica.

Então, se o mundo tem mesmo que acabar em 2012, pelo menos vai acabar em uma grande festa a bordo do barco do Capitão Van Halen, animada por frenéticos solos de guitarra, ao invés de acordes melancólicos no piano. Resta a nós torcer para que o Aerosmith e o Black Sabbath* também subam a bordo para animar a festa no mesmo pique, afinal ainda nos restam 10 meses e meio, e A Different Kind of Truth serviu para nos mostrar que a esperança é a última que morre.

*Quando esse texto foi publicado originalmente, ainda não havia sido anunciado o cancelamento do retorno do Black Sabbath, devido a problemas de saúde de Tony Iommi. 🙁


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