Documentário da MUBI versa sobre a perseguição as mulheres (especialmente as mães) na cultura pop e no mundo real.

Bruxas é um filme do estilo documentário, que versa sobre as múltiplas formas que personagens feiticeiras eram representadas no cinema, fosse em histórias reais ou ficcionais.
A produção oriunda do Reino Unido foca na experiência de mulheres que são retratadas como profanas, como praticantes de feitiços e magias, classificadas como bruxas, magas, mágicas, feiticeiras, encantadoras, místicas ou simplesmente como mulheres comuns e contestadoras, tal qual sua realizadora Elizabeth Sankey é.
Esse longa é um original MUBI, que foi lançado em diversos festivais de filmes cults no ano passado. Atualmente é parte integrante do catálogo da MUBI Brasil.
A ideia pregada aqui é a de examinar a relação entre representações cinematográficas de bruxas e a depressão pós-parto, utilizando imagens da história do cinema juntamente com depoimentos pessoais.
Escrito e dirigido por Sankey, o filme foi produzido por Manon Ardisson, Chiara Ventura e Jeremy Warmsley. Foram produtores executivos Bobby Allen, Efe Cakarel, Thomas Høegh e Jason Ropell.
A estreia foi no festival de Tribeca, nos Estados Unidos em 9 de junho de 2024. Passou também no islandês Reykjavík International Film Festival em setembro, no mexicano Monterrey International Film Festival no mesmo mês.
No Brasil passou em outubro de 2024 no Festival do Rio e no britânico BFI London Film Festival. Em boa parte do mundo, entrou no regime de streaming em novembro de 2024.
O título original é Witches. Há pouca variação de nomenclatura, como Nornir na Islândia, Brujas no México e Cadılar na Turquia.

O longa foi feito estúdios Ardimages UK e Montgomery Avenue, distribuído pela MUBI.
Quem fez:
Sankey é diretora e atriz, mais conhecida por essa última função. Ela dirigiu Romantic Comedy, o telefilme Boobs, escreveu esses e episódios em Inside Cinema.
Atuou e dublou em séries como Zorro: Generation Z - The Animated Series, Lucky Fred e A Jornada Heroica do Príncipe Ivandoé. Também esteve nos filmes O Grande Mauricinho e O Fantasma de Canterville.
Manon Ardisson produziu O Reino de Deus, La Fortaleza e El Father Plays Himself. Fez produção executiva em Kneecap: Música e Liberdade.
Ventura produziu Romantic Comedy e a série Listen to Britain 2017. Foi produtora executiva em Kneecap: Música e Liberdade.
Warmsley produziu Romantic Comedy, também é compositor, trabalhou na função nesse longa, além de Fear Itself, A Madrasta, A Vida Diante de Seus Olhos e a série Big Mood.
O relato
O relato de Sankey é bastante pessoal. Não à toa o longa começa com uma narração em off, que carrega a voz dela, algumas vezes mais fria, outras, embargada.
Sua fleuma britânica ajuda a estabelecer uma sensação paradoxal de calma, ao passo que fala de sensações terríveis e de personagens perseguidas. A atriz e cineasta gosta muito do tema, parece obcecada pelo assunto, obviamente não de uma forma negativa.
Ela domina o assunto, estudou bastante sobre o tema e parece ter uma predileção por ele desde sempre.
Sua voz é doce, sua aparência também. Ela é obviamente bela, mas é muito mais do que isso.
Sua ideia não é utilizar a sua imagem e voz para seduzir o público, mas sim o de calmamente inserir o espectador em sua narrativa, embora essa tranquilidade finda em certo ponto, graças ao modo de contar história que muda bruscamente, a partir do segundo quarto de filme.
No início a narração é embalada por várias manifestações imagéticas de mulheres perseguidas e humilhadas na história do cinema, algumas bruxas reais/literais, outras mais simbólicas.
O referencial
Aqui se citam mais de cinquenta filmes, que falam sobre bruxas reais, como Häxan - A Feitiçaria Através dos Tempos de 1922, em comédias como O Mágico de Oz, Casei-me com uma Feiticeira de 1942 e a série A Feiticeira dos anos sessenta.
Há também outros filmes e seriados que não tem bruxas, mas carregam personagens que foram encaradas como feiticeiras "sujas", como Jane Eyre de 1943.
Também são citadas obras que se tornaram pop como Elvira, a Rainha das Trevas, Convenção das Bruxas, Abracadabra, Jovens Bruxas e Branca de Neve: Um Conto de Fadas de Terror, além de filmes de horror, como A Filha de Satã, Onibaba: A Mulher Demônio, O Bebê de Rosemary, Os Demônios, Suspíria, Possessão, A Bruxa de Robert Eggers etc.
Há um destaque curioso, para obras que aparentemente não tem feitiçaria alguma, mas que são bastante condizentes com o modo de Sankey contar sua história. Entre esses, se destacam especialmente A Hora do Pesadelo 3: Os Guerreiros dos Sonhos, Olha Quem Está Falando e O Pai da Noiva 2.
A partir desse ponto, falaremos sobre algumas viradas de roteiro. Por isso, deixamos o aviso de spoilers. O aviso está dado.

O tom confessional
Depois de mostrar os clipes dos filmes, a diretora torna o relato em algo pessoal. A virada se dá especialmente quando ela aparece em tela.
Com a fleuma britânica que torna até uma indignação em algo fofo, ela descreve o terror que sofreu ao descobrir estar grávida.
Nesse ponto, ela associa o sentimento da maternidade as primeiras sensações péssimas que teve antes de tomar ciência que estava esperando o primeiro filho.
Estava dez dias sem conseguir comer ou dormir, sem apetite, destruída.
A criança nem havia nascido e ela já sentia todo um conjunto de sensações conflitantes e aflitivas, que sufocavam o seu ser, sua alma e existências. Quanto a criança enfim nasceu ela passou a se sentir parecida com Marlo, personagem de Charlize Theron em Tully, perdendo a personalidade e identidade a cada segundo do procedimento materno de acordar, se resumindo basicamente a dar de mamar e colocar a criança para dormir.

Reviver aquelas mesmas três horas ininterruptamente era algo sufocante e desesperador.
Rotina materna
Elizabeth classifica a rotina de mãe como um filme de terror.
Corajosamente assume sentir infelicidade, assume também que sentia-se inadequada, por não ser como as figuras maternas perfeitas, tal qual eram as da ficção e as reais, que habitavam os seus arredores.
O documentário é bastante pesado em vários pontos, especialmente nos que a diretora e suas convidadas assumem um papel confessional. Em determinado ponto, ela diz que pensou até em pôr fim na própria vida.
Assumir essa vontade de não existir nem choca tanto, não tanto como a confissão de que ela acha que se de fato desse cabo da própria vida, as pessoas comentariam que era "melhor assim", já que ela se sentia tão mal e tão pouco abraçada que simplesmente não faria falta nenhuma para a maioria das pessoas.
Entrevistas
Sankey participava de um grupo de apoio, de maternidade acompanhada por profissionais de saúde mental.
Passa então a conversar com colegas desse grupo, tanto com mães que sofreram internação com ela - a moça colecionou intervenções do tipo, depois do parto complicado que teve - que resultam também em falas distintas, de conteúdo pesado.
A diretora compara a si e as suas colegas e amigas a mulheres não desejas, ou seja, iguala elas as bruxas, dado que os arquétipos de ambas as categorias resultem em uma inadequação.
Como as feiticeiras eram vistas como profanas, a questão das genitoras que carregam a sensação de não enxergar a maternidade como algo idílico, rosado e necessariamente abençoado, como normalmente é tratado, também sofre uma série de rejeições.
Capítulos
A narrativa é quebrada em tomos episódicos, em capítulos que são permeados por imagens de vários filmes que se localizam em instituições de tratamento mental, os populares "hospícios"- utilizamos essa palavra, que já está em desuso, em atenção a como eram chamadas essas instituições na época - há inclusive mais cenas assim do que de bruxas.
Chega a ser poético que essas "vilãs" dos filmes sejam mostradas assim, como mulheres que são loucas - ou melhor, são tratadas como essas - ao passo que quase todas as mulheres são assim, inclusive as mães que não vomitam positividade falsa em suas falas e palavras.
Nesse cenário, como as praticantes de magia eram oprimidas, toda mulher que sofre pressão indevida se iguala a uma feiticeira, mesmo que não tenha proximidade de mágica alguma ou de qualquer ação sobrenatural.
Bruxas é um desabafo, disfarçado de vídeo ensaio. Em seu esforço Sankey compara bem as condições da solidão existencial feminina ao cotidiano das mulheres perseguidas, seja na ficção ou na realidade tangível.