Halloween por David Gordon Green

Halloween por David Gordon GreenEntre os anos 1970 e 80 houve uma moda de Filmes de Matança, conhecida no resto do mundo como a onda dos Slasher Movies, e apesar de boa parte do público e crítica especializada apontar O Massacre da Serra Elétrica de 74 como o primeiro produto do segmento - há quem aponte ainda Psicose - foi Halloween: A Noite do Terror de John Carpenter que juntou todos os elementos do sub-gênero.

Produzido a partir da ideia do produtor Moustapha Akkad, o filme ganhou vulto com John Carpenter, diretor e roteirista do longa, e com sua parceira e esposa Debrah Hill, roteirista e produtora.

Além de marcar sua época gerou uma quantidade enorme de continuações, com múltiplas linhas temporais e muita bagunça cronológica, além é claro de um remake, chamado Halloween: O Início, que ganhou até sequência.

Nos idos da década de 2010, o então diretor de filmes humorísticos e indie David Gordon Green resolveu prestar a sua homenagem ao clássico, se juntou ao ator e humorista Danny McBride e ao roteirista Jeff Fradley, para conceber uma continuação que deixasse de lado a refilmagem e toda a baboseirada pós Halloween 2: O Pesadelo Continua, incluindo aí o parentesco de Laurie Strode e Michael Meyers.

Halloween por David Gordon Green

Eis que nasceu Halloween, de 2018, com produção de John Carpenter e Jamie Lee Curtis, que inclusive retorna a sua personagem, veterana e sem receio de parecer assim. A história particular dela apresenta uma sucessão de traumas, de sobrevivência apesar dos pesares e do amargor.

Nesta versão há uma introdução curiosa, que remete a pequena abobora comum a festa do Dia das Bruxas, tal qual foi no filme de 40 anos, mas aqui ela está apodrecendo, em uma alusão clara a vida de Laurie nas últimas décadas.

Enquanto anuncia membros do elenco e da produção, como os compositores da música original que são o próprio Carpenter, seu filho Cody Carpenter e Daniel Davies (com participação em trilhas como de Bacurau, Frankenstein Entre Anjos e Demônios e Exorcistas do Vaticano), também se nota a união de estúdios que financiaram o projeto, entre eles a ressuscitada Miramax, Universal e a produtora de filmes de horror Blumhouse.

A nova trama é simples, e se baseia fortemente na contemporaneidade e em suas tendências.

Não se começa mostrando qualquer personagem antigo, e sim dois novos, um casal. São eles Aaron Corney (Jefferson Hall) e Dana Haines (Rhian Ress), uma dupla que grava podcasts de mistérios e true crime, remetendo claro a uma moda e onda atual, que teve até seus momentos de glória no Brasil, com destaque ao Projeto Humanos e Caso Evandro.

Halloween por David Gordon Green

A ideia deles é gravar um episódio com Michael Meyers, que está em vias de ser transferido do sanatório Smith's Groove (o mesmo do filme original) para um menos acessível, de Glans Hill.

Essa era a última oportunidade para conversar com o psicopata, mesmo que ele não falasse uma palavra tanto na estadia de 15 anos com o doutor Sam Loomis (já falecido aqui), quanto com o doutor Ranbir Sartain, interpretado por Haluk Bilginer.

O doutor afirma que ele é bastante lúcido, que tem total consciência e de quem é. Ao longo do filme a curiosidade do médico com o paciente é desenvolvida, inclusive em relação a economia de palavras. Não se ouviu nenhuma vez a voz de Myers, e isso se tornou uma das obsessões do cientista.

A versão do assassino conhecida como The Shape foi executada por dois interpretes, o ator e dublê James Jude Courtney, oriundo de séries como Babylon 5 e Buffy: A Caça-Vampiros, além de Nick Castle, que fez o MM original e resolveu aceitar o convite depois de ficar um tempo sem trabalhar na área, já que migrou para a direção inclusive com filmes famosos O Último Guerreiro das Estrelas e O Garoto que Podia Voar.

Há outras participações, como a de PJ Soles, que fez Lynda no original, e aqui interpreta uma enfermeira. Esse é um produto bastante reverencial ao longa de Carpenter.

A direção de fotografia ficou a cargo de Michael Simmonds, e o que se vê é uma mistura do clima enevoado dos anos setenta, com uma abordagem mais clara e moderna, que combina com o modo pop com que o true crime é representado em seriados ficcionais, com documentários e reality shows da Netflix e HBO, a exemplo de Mindhunter e Jinx.

Da parte da trama, finalmente o casal busca as testemunhas do caso de assassinato do passado. Ao procurar Laurie ela só permite que eles entrem em sua casa somente por conta deles terem oferecido dinheiro para conversar com ela.

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Lee Curtis faz um papel de alguém agressivo e sua casa reflete a insegurança e seu caráter arredio.

Laurie se paramenta, vive em uma fortaleza, cheia de obstáculos. Surpreende que tenha conseguido constituir família, que tenha conseguido se casar duas vezes e ainda ter tido uma filha Karen, de Judy Greer.

A neta dela, Alyson (Andi Matichak) quer uma nova aproximação, mas quem conviveu a vida inteira com a veterana sobrevivente, simplesmente não quer isso, por ser trabalhoso e doloroso.

Laurie é acusada de ter agorafobia e com razão, já que claramente não sabe lidar com multidões, com lugares abertos e nem fechados. Já a neta define a avó como alguém obcecada, que deixou o caso do passado definir sua vida, em outra conclusão que está longe de estar errada.

A melhor sacada do roteiro são as gravações de Loomis, datadas de 1979 e dubladas por Colin Mahan, onde ele recomenda matar Michael, só parando ao certificar que seus órgãos pararam de funcionar.

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Isso dá ao personagem uma dimensão mais complexa que qualquer outra sequência, com ou sem Donald Pleasance e esse cuidado também é visto na construção de Laurie, para além da dificuldade dela em socializar.

Ela fica espreitando, observa Alyson de longe, roubando um pouco da característica de Michael em 1978. Claramente ela foi transformada, e passou a ser um pouco como seu antagonista.

Se Michael é o monstro de Laurie, a paranoia materna era o monstro de Karen. Ela aprendeu a lutar e a atirar com oito anos, e apesar de ser preparada para enfrentar qualquer eventualidade, também foi infeliz, herdando essa condição de sua mãe.

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Aos doze anos de idade ela foi levada pela assistência social, e até manteve algum contato com a parente, possivelmente após chegar a ser adulta.

Curiosamente não aparece (ou sequer é citado) quem é o pai de Karen, se ela é fruto do primeiro ou do segundo casamento da mãe, tampouco se aborda sua família adotiva, se é que ela teve alguma, dado que foi retirada de casa ainda menor de idade.

Da parte de Michael, há uma grande repetição de ciclos, como a liberação dos loucos , tal qual na chegada de Loomis em Smith's Groove, aqui modificada para ocorrer em um ônibus que transportava detentos. Assim, eles se espalham por Haddonfield, causando mais espanto do que apenas Myers.

Aqui há uma quebra de paradigma. Carpenter havia estabelecido que MM não assassinava crianças, provavelmente por se ver nelas, já que seu primeiro homicídio se deu com sua irmã Judith.

Para seguir em frente, ele assassina um garoto, que não parece ter mais de doze anos embora empunhe uma arma, o que por si só já fala bastante a respeito da sociedade dos Estados Unidos.

Uma boa introdução de personagem é a de Frank Hawkins, um policial que aqui é vivido pelo experiente Will Patton. Ele descobre a fuga do assassino de babás Michael Myers, na véspera do Dia das Bruxas de 2018, e que esteve presente na captura do Boogeyman em 78, com visto na continuação Halloween Kills.

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Esse aliás é um dos poucos novos integrantes do elenco que de fato vale menção, pois fora o núcleo dos Strode, todos os outros parecem descartáveis. Não se constrói um pano de fundo, e nem precisa. São pessoas que evocam características de arquétipos para fazer o espectador associar elas a gente comum.

Ao menos no quesito sarcasmo não há o que reclamar de Michael, já que retribui a perturbação da dupla de podcasters com uma violência extrema, gráfica e explicita.

A cena dele distribuindo dentes por cima de uma porta de banheiro privativo é agressiva demais, primeiro por pegar a moça em um momento de total vulnerabilidade, se aliviando, segundo por obrigar ela a se esgueirar pelo chão que devia estar longe de ser limpo de ser minimamente asseado.

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Gordon Green é sábio em não mostrar claramente o rosto do seu protagonista, para não estragar com a realidade a fantasia de um homem implacável. Só há close depois que ele retoma seu rosto verdadeiro, e a partir daí a chacina começa.

Há boas referências a mitologia, como na cena em que Oscar (Drew Scheid) invade o terreno de uma casa, dos Elrod, que tem o mesmo sobrenome da primeira família vitimada no descontinuado Halloween 2.

Outro bom momento de violência é o fim do doutor Sartain, que após quase roubar a identidade mascarada de seu paciente, é retribuída com um ato agressivo, tendo sua cabeça esmigalhada em um aspecto que lembra demais uma abobora espatifada.

De resto as mortes são menos agressivas em comparação com a última versão capitaneada por Rob Zombie, embora aqui o assassino siga fazendo belos quadros e esculturas com os cadáveres, mostrando que seu senso estético foi apurado.

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O que realmente pesa dentro da ideia verossimilhante da obra são as liberdades poéticas, como Laurie ter sobrevivido depois de bater seu crânio na porta várias vezes, além de uma queda do segundo andar.

Michael levantar e embora já é implausível, mas como ele é uma força da natureza, vá lá, agora ela como septuagenária seguir bem após isso, complica um pouco, embora fique implícito que ela treinou toda a vida para o embate contra o Mal.

A casa dela é repleta de portões escondidos, que descem e isolam cômodos com grandes. Além disso, há um sem número de de manequins, que no escuro se assemelham ao aspecto coisificado de The Shape.

Michael ainda tem o sadismo e teatralidade de enfiar o genro da sua rival em um espaço pequeno no armário, tal qual fez em 1978, e isso é um ponto bom, pois demonstra que ele não mudou ao passar das décadas. Já Laurie esperar ele ser alvejado para então soltar uma frase de efeito soa infantil, mas compõe a ideia massa veio dessa nova abordagem da franquia.

Como obra separada, serve bem ao público, e é autossuficiente, mas a ganância das produtoras obviamente predispõe que um novo sucesso venha com sequências, e esse foi o caso, obviamente, para bons e maus efeitos.

Com ele veio uma nova retomada de franquias, em momentos constrangedores como O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface, e outros bons como o novo Pânico.

Halloween de 2018 foi um novo fôlego para o cinema popular de terror e para a franquia. Termina dedicado a memória de Moustapha Akkad, e com a respiração de Meyers antes dos créditos finais, deixando descontente os fãs que acharam que esse seria um final digno para o mito de Michael, Laurie e para a mitologia pensada por John Carpenter em 1978.

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