Gêmeo Maligno: gaslighting, devaneio e um conto de terror

Gêmeo Maligno: gaslighting, devaneio e um conto de terrorGêmeo Maligno é um filme de horror finlandês dirigido por Taneli Mustonen. Sua história envolve um drama familiar baseado na culpa de uma mãe que perdeu um de seus filhos e tem que lidar com o luto e com o cuidado ao filho gêmeo que restou.

O início do filme se dá com uma tomada aérea, mostrando um carro passando por uma estrada. A sequência ocorre inteira sem palavras, se ouve uma música instrumental, gemidos de dor vindos, transições desse cenário com um hospital, variando também para um cemitério, onde se vê um túmulo com o nome Nathan Doyle na lápide, que vem a ser o filho perdido de Rachel e Anthony.

Rachel é vivida por Teresa Palmer, atriz experiente em produções que flertam com o horror, como a comédia Meu Namorado é um Zumbi, além do terror recente Quando as Luzes se Apagam.

Seu personagem é curioso, o maior foco narrativo e já no início é estabelecido um estado depressivo e bastante melancólico, e pudera, perder um filho tão novo é sempre um trauma.

Gêmeo Maligno: gaslighting, devaneio e um conto de terror

Os outros dois personagens são Anthony, personagem de Steven Cree, ator acostumado a dramas épicos, como a animação Valente, e os live action Malévola e Legítimo Rei, além de Elliot, o filho que restou, interpretado pelo ator mirim Tristan Ruggeri, que também protagonizou uma série localizada em uma variação do medieval no seriado da Netflix, The Witcher onde fez o jovem Geralt.

A família tenta seguir em frente, ainda que a memória da falta seja bem presente. O cenário da casa antiga é repleto de quadros de Nathan pela parede e assustam, por ter em sua configuração um aspecto envelhecido que não faz sentido, já que ele morreu há muito pouco tempo. Tudo na casa é pensado para duas crianças, inclusive o quarto de Elliott, que tem duas camas.

As transições temporais soam confusas e isso é uma escolha narrativa bem pensada, já que emula também a condição hiper-culposa de Rachel e a confusão que está instalada na mente da jovem mãe.

A culpa da mãe e a construção do lar dessa forma influencia o garoto sobrevivente. Elliot começa a agir de estranhamente, de modo tão intenso que faz tanto a mãe dele quanto o público se perguntar se o garoto está sendo possuído pelo irmão morto ou por um espírito malvado, que possivelmente utiliza a carência dele para se passar por Nathan.

O rapaz brinca sozinho, como se houvesse uma outra presença, inclusive fala com ela. Não é difícil intuir que aquilo preocupa ambos os pais, e uma mudança, para a terra de origem de Anthony parece uma boa ideia.

Gêmeo Maligno: gaslighting, devaneio e um conto de terror

A família vai então para a Finlândia, basicamente para mudar ares e para ter suporte da comunidade local. Para a esposa, entretanto o que ocorre é um isolamento que vai se agravando ao longo do tempo, exceção feita a vizinha Helen (Barbara Marten), que faz amizade com ela em um primeiro momento.

A sabedoria popular dá conta de que "cabeça vazia, oficina do diabo", e aparentemente o roteiro de Aleksi Hyvärinen e Mustonen gosta de brincar com esse clichê.

Palmer faz uma personagem que apesar de nova, não se dedica a mais nada a não ser seu papel de mãe. Sua Rachel era uma boa fotógrafa, mas praticamente não pega uma câmera ao longo do filme, mostrando que sua tristeza é tanta que nada mais consegue fazer. Desse modo ela parece mais suscetível a ações sobrenaturais externas.

Já Anthony é um escritor e mesmo tendo pouco tempo de tela, aparece trabalhando, tentando se ocupar. Quando não está de serviço, aparenta estar desesperado com o modo como Rachel encara a perda trágica que tiveram.

Gêmeo Maligno: gaslighting, devaneio e um conto de terror

O filme é bem econômico em sentido de palavras. Não é incomum ver os personagens em silêncio, com somente a trilha instrumental tendo espaço. A música tem um papel fundamental sobretudo nos momentos de sonhos. Esses inclusive são os trechos mais oníricos e a melhor oportunidade do público em apreciar o talento que Mustonen tem em montar bons quadros visuais.

A iconografia do campo também é bem empregada, ajuda a fortificar as ideias de saudades, de luto e a culpa. Outro bom aspecto é o pouco uso de sustos falsos.

Gêmeo Maligno é um terror de estranhamento, que passa longe de ser um filme hermético, é fácil compreender sua trama e seus dramas, e sua base reside na sensação de incômodo, que reduz os sobreviventes a um sentido de impotência, por não terem conseguido salvar quem não está mais com eles.

No terço final o filme descamba em referências ao sobrenatural. Elementos típicos de cultos satânicos e reverências a criaturas mitológicas, mostrando referências a demônios, de várias tradições culturais, que buscam mulheres e homens para procriação, fato que faz este se aproximar do clássico O Bebê de Rosemary.

A pequena vila onde moram parece ter uma influência maligna, possivelmente com ligação as origens pagãs do povo eslavo. Desse modo, fica ambíguo se a mente de Rachel está sabotando-a criando ilusões ou se de fato há algo satânico ocorrendo com ela e com a sua família.

Seitas de culto ao diabo se confundem com o receio de ser encarada como louca, os problemas tangíveis e intangíveis também se misturam, e tornam toda a narrativa da personagem em um alvo não confiável.

Gêmeo Maligno: gaslighting, devaneio e um conto de terror

O roteiro aponta vários elementos ao abuso psicológico conhecido como gaslighting, que consiste na distorção e omissão de um abusador sobre fatos e momentos a respeito do trato com uma mulher, no intuito de tornar essa vítima em alguém não confiável, alguém insano. Rachel flerta com essa condição, e passa ela mesma duvidar das percepções básicas dos eventos e até da sua memória.

Ao se aproximar do desfecho, todas as certezas são postas em cheque, e esse é um filme que carece demais a necessidade de que o espectador não saiba sobre seu final. O problema maior é que a indústria de divulgação e fabricação de trailer certamente antecipa boa parte das viradas dramáticas do longa-metragem.

A construção desse apogeu foi feita de maneira gradativa e inegavelmente a surpresa é bem escondida dentro do filme fechado, embora abra possibilidade para ser encarada como uma obra machista.

Taneli Mustonen tem talento, e aprimora cada vez mais seu cinema, melhorando o refino desde que fez Lago Bodom, e seu Gêmeo Maligno termina de forma surpreendente, com pitadas de body horror e culto a forças demoníacas.

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