O Quê Vocês Fizeram Com Solange é um filme bastante peculiar. Lançado em 1972, a obra se localiza entre os gêneros do terror, suspense e thriller erótico, além de ser um giallo de Massimo Dallamano, que estrela Fabio Testi. Também é bastante lembrado por carregar em sua trilha sonora original a composição do maestro Ennio Morricone e direção musical do seu contumaz parceiro Bruno Nicolai.
A produção foi feita entre os países da Itália, Alemanha Ocidental e do Reino Unido e conta uma história sobre sexualidade e misoginia, utilizando clichês da literatura a respeito de crimes e assassinatos, tanto que há quem defenda que ele é na verdade da parte classe de filmes policiais alemãs, que resgata a identidade do cinema e dos livros noir, que se chama krimi.
A trama parte de uma estranha onda de desaparecimentos de jovens estudantes de uma escola católica. A situação piora ao se perceber que elas estão sendo brutalmente assassinadas, em crimes de ordem sexista, com lesões nas partes íntimas das moças.
A polícia começa um inquérito que envolve especialmente o professor Enrico Rosseni, que por sua vez, também age como detetive, abrindo uma investigação por conta própria, até para não perecer sem julgamento.
Toda a narrativa gira em torno das atitudes do docente, que tenta se recolocar na posição de inocente, já que se torna o principal alvo das autoridades policiais locais, além de desenrolar alguns mistérios em torno dessa comunidade.
Dallamano além de dirigir também escreveu o argumento, junto a Bruno Di Geronimo. Os dois tiveram o auxílio do escritor não creditado Peter M. Thouet. Há quem defenda que esse texto se baseia no livro The Clue of the New Pin de Edgar Wallace.
São produtores Fulvio Lucisano e Leo Pescarolo, que assinava Leonardo Pescarolo. Também faz a função o não creditado Horst Wendlandt. Outro nome importante é do cinematógrafo e diretor de fotografia Joe D'Amato, futuro diretor de filmes de horror, que aqui assinava Aristide Massaccesi.
A equipe de produção decidiu filmar o material original com falas em inglês, até pela localização britânica da história. Isso facilitou o trabalho de dublagem nos Estados Unidos, tanto que boa parte dos espectadores (e até distribuidores locais) não perceberam que o filme estava dublado.
O primeiro lugar onde o longa-metragem passou foi na Alemanha Ocidental, em uma versão editada, em 9 de março de 1972. Ainda em março, passou dia 23 de março em Turim, 25 em Roma e 27 em Milão. Chegou em Portugal no ano de 1973.
O título original é Cosa avete fatto a Solange? já em países de língua inglesa é What Have You Done to Solange?. No Reino Unido também tem o nome simplificado de Solange no lançamento em vídeo, além de Who's Next?.
Nos Estados Unidos teve como nomes alternativos The Rah Rah Girls, The Secreto of the Green Pins, Blood Relations, Foul Play e Come Teach Me. A versão dublada é chamada de Terror in the Woods e foi rebatizado como The School That Couldn't Scream.
No Canada o nome francês era Mais... Qu'avez-vous fait à Solange? na Colômbia, Espanha e México era ¿Qué le han hecho a Solange? na Tchecoslováquia era Solange: Teror v divcí skole, na França Jeux particuliers e Mais... qu'avez-vous fait à Solange ?. Que Fizeram a Solange? é o nome em Portugal.
A obra foi rodada na Inglaterra, em Londres, com cenas 8 Evelyn Gardens, Kensington, no Buckingham Palace em Westminster, Chelsea Harbour Embankment, Rutland Court residential block nos jardins de Rutlan e em New Scotland Yard Building, 8-10 Broadway.
Os estúdios que fizeram o longa foram o Italian International Film, Clodio Cinematografica, Rialto Film.
Teve distribuição pela Italian International Film na Itália, pela Constantin Film na Alemanha Ocidental e na American International Pictures (AIP) no Estados Unidos, com o nome Terror in the Woods, na versão dublada. A Hallmark Releasing lançou ele nos EUA em 1977, no rebatizado The School That Couldn't Scream, ainda nos cinemas.
Massimo Dallamano dirigiu Um Dólar Para Matar, Um Véu Negro para Lisa, O Retrato de Dorian Gray e O Que Eles Fizeram a Suas Filhas. É conhecido como diretor de fotografia em filmes como Por Uns Dólares a Mais e Como Roubar Mona Lisa.
Bruno Di Geronimo escreveu Os Ambiciosos Insaciáveis, O Pistoleiro do Inferno e O Sargento Klems, depois escreveu Homem Sem Memória e Gay Salomé. Peter M. Thouet escreveu Ohrfeigen e Sonne, Sylt und kesse Krabben.
Edgar Wallace escreveu King Kong, além de diversos livros, como The Squeaker, que ele adaptou como filme em 1930.
Fulvio Lucisano produziu Bonecas Explosivas, Passagem Para o Inferno e A Investigação, também participou de obras como Otello, como produtor associado e foi produtor executivo em Aladim.
Leo Pescarolo de Galileo, Tempo de Matar e Campo das Ilusões. Horst Wendlandt produziu O Matrimonio Perfeito, O Homem do Olho de Vidro e A Dupla Face no Escuro.
Entre espécimes e filmes gialli há o costume de haverem várias versões, inclusive algumas sem cortes. Esse houve poucas variações, como uma versão ampliada de 70 mm lançada na Espanha.
Em determinado ponto do texto, avisaremos que haverá spoilers, mas vale falar antes disso sobre a atriz Camille Keaton, atriz proeminente, que faz a personagem Solange.
A sua personagem não possui nenhum diálogo ao longo do filme, quando questionada sobre como ela foi escalada, Keaton disse em entrevista:
Bem, conheci esse senhor em um voo e ele começou a conversar comigo. Ele me disse que era um diretor italiano e que seu nome era Massimo Dallamano. Fui então ao escritório do diretor italiano (Franco) Zefirelli para tirar algumas fotos. Mais tarde, recebi um telefonema do diretor que havia feito um filme chamado O Retrato de Dorian Gray. Ele já tinha visto as fotos que eu havia tirado e disse que queria que eu fosse a personagem principal, Solange, no filme. Ele dirigiu muitos filmes de Giallo. Sabe, foi apenas sorte, ainda estou orgulhoso do filme e de seu enorme sucesso.
A primeira cena mostra um casal atravessando o rio em um pequeno barco, uma jangada, ao som da música de Morricone, dessa vez, com vocais femininos pontuais.
Essa menina se chama Elizabeth, é interpretada por Christina Galbó, repele o seu namorado, em um rompante, desperta, depois de ter tido uma visão com uma faca.
Nesse ponto, é mostrado que ela tem um caso com seu professor, Enzo Rosseni, o personagem de Testi, que imediatamente afirma que ela estava tendo um pesadelo acordada, provavelmente.
O desacreditar da menina flerta com a famosa condição gaslighting, onde a mulher é tratada como louca graças a incompreensão masculina, seja ela propositalmente malvada ou meramente por ignorância ou desleixo.
A moça é desacreditada, enquanto a trilha instrumental é misteriosa, piora esse aspecto ao ir para a cidade.
Há bastante foco nas pernas bonitas da menina, que pedala pela estrada, animada e serelepe.
Acontece então uma acareação na escola onde boa parte da trama se passa. Rosseni recebe uma bronca dos seus, graças ao seu atraso. O caso se mostra sério desde o primeiro momento. As autoridades enviaram Barth, interpretado pelo alemão Joachim Fuchsberger, um investigador da Scotland Yard.
Na reunião com o detetive estão também o padre Webber (Marco Marianni) o outro professor Joseph Kane (John Gayford) e o casal formado pela professora Herta Rosseni (Karin Baal) e Enrico, todos são indagados, sobre Hilda Ericson, uma das alunas da escola, que é justamente a primeira vítima encontrada.
A notícia da resolução do sumiço de Hilda logo se espalha entre as meninas internas. Janet (Pilar Castel) chora, enquanto sua colega Brenda (Claudia Butenuth) diz que já sabia. Não fica claro se elas suspeitavam de algo por serem possíveis videntes ou se sabiam mais do que aparentavam.
Dada a intimidade delas, pesa que a verdade recaia na segunda opção.
Apesar da investigação correr, o movimento adúltero não para. Enrico prossegue em seu caso com Elizabeth. Dallamano inclusive mostra nudez e até faz menção a cenas de sexo oral no momento em que eles estão juntos.
Depois da relação, ela de novo tem flashs, de alguém enfiando uma faca na direção do sexo das vítimas.
Barth visita o casal e a esposa não parece feliz. O detetive larga uma caneta ali, para ver se o homem se acusa, uma que estava na cena do crime, mas ele não fala do homicídio, mas confessa com quem esteve, usa sua amente de álibi, enquanto Herta observa tudo, da parte de trás da estante de livros.
Essa personagem é curiosa, já que tem pouco tempo de tela, mas não é de modo algum uma pessoa desimportante.
Ela é resoluta, bela e misteriosa, parece uma pessoa complexa, que varia entre a frustração melancólica de perceber seu casamento indo para a ruína, enquanto também teme que esteja dormindo com um assassino. Ela acaba sendo bastante importante para a resolução principal da trama, a verificar próximo do final do texto.
Janet recebe um telefonema de Roland, o suposto pai de Helen. Em momento nenhum aparece o rosto do sujeito, sendo assim, é parte do mistério, fica claro desde o momento um que ele é o assassino.
A menina leva um gatinho até ele e é atacada, por uma faca que vem de mãos com luvas negras, em atenção ao clichê que Dario Argento estabeleceu lá em O Pássaro das Plumas de Cristal.
O assassino segue matando as belas meninas, em um movimento que parece um crime de ódio, deixando as vítimas nuas, com o órgão sexual sangrando.
Seria um simbolismo apenas misógino ou mira uma questão biológica como menstruação?
As perguntas sobre o ideal do assassino não são totalmente respondidas, nem mesmo quando é revelado enfim a pessoa que estava matando e maltratando as meninas.
Após matar uma moça afogada na banheira, vem uma baita sequência de fuga, com ponto de vista do assassino, que desce as escadas em uma gravação em primeira pessoa.
Os homicídios ocorrem tão rapidamente que mal se reflete sobre eles. O pai de Janet reclama e com razão disso, já que a polícia ao tentar impedir que outras pessoas morram, não se debruçam de maneira mínima sobre o motivo de terem matado Janet.
Sabendo a razão, provavelmente teriam mais pistas, mas a saída deles tem a ver com óbvio, com ir até o local onde o crime ocorre, para tentar pegar o matador no flagra. Falta inteligência.
A partir daqui falaremos sobre os últimos momentos, inclusive, sobre a revelação do assassino. Aviso que haverá spoilers.
Se mostram possíveis suspeitos, inclusive um homem barbudo, que tem medo de padres. Não é nem sem razão que ele é visto como um possível alvo, mas é tão óbvio e tão distante do resto da trama que mal se gasta tempo com ele.
Enrico procura um fotógrafo, que diz que conhecia as vítimas. Ele acaba falando sobre fofocas de que elas dormiam juntas e tinham o apelido de "pequenas lésbicas" enquanto fala com o professor, no barco em que fotografa moças nuas, cita o estranho caso de Solange, uma menina bonita, meio francesa.
O rapaz parece culpado, mas não fala muito a respeito, a não ser que ela morava ali perto e sumiu.
Enrico se torna obcecado, pergunta a todas as meninas quem é Solange, até larga mão de sua amante, se unindo novamente com a sua esposa, de uma maneira que parecia distante, já que eles não aparentavam mais ter intimidade como casal. Fazem tudo isso, só para tentar encontrá-la.
É Herta que encontra uma pista, já que descobre que a moça esteve na James Street.
Ele enfim caça a família Beauregard, a família da menina. Ele avança mais rápido que a Scotland Yard e o clichê que Argento estabeleceu, de que o protagonista não policial é mais esperto que os investigadores profissionais, é bem utilizado, afinal, o professor pode acabar preso, caso não prove a própria inocência.
Nas suas andanças, procura uma possível testemunha, sra Holden (Emilia Wolkowicz), mais chega tarde, encontra até o cadáver de um cão, antes de achar a senhora morta, brutalmente assassinada.
Dallamano usa a fotografia para emular um quase desmaio, ou uma queda de pressão de Enrico nesse momento. Barth chega rápido, com a anuência do professor.
Aqui é mostrado um personagem complicado, o voyeur Sr. Newton, personagem de Antonio Casale, um sujeito doente, um onanista que observa onde há um furo para observar as meninas nuas em seu vestiário.
Por mais que as meninas sejam mostradas como pessoas sexualmente ativas, há de lembrar que são menores de idade. Ou seja, Newton tinha motivos de sobra para ser considerado suspeito.
Sobre os boatos ligados a relações homoafetivas, não há nenhuma comprovação de que as meninas de fato tinham relações entre si, pode ser apenas boato isso.
Marido e mulher conversam sobre as vítimas, sobre orgias, sobre lesbianismo, uso de drogas e sobre as suspeitas de assassinato. Dallamano fala a respeito de vários assuntos espinhosos e seguiria na sua trilogia informal falando de temas pesados em relação a meninas, no já citado O Que Eles Fizeram a Suas Filhas? e Enigma de Sangue, que era para ser dirigido por ele, mas foi só escrito, já que Dallamano morreu antes de poder rodar o longa.
Enrico fala de maneira fria, como se todos esses assuntos espinhosos estivessem em pé de igualdade, tanto crimes como condutas sexuais e até o fato do assassino utilizar uma batina de padre.
Os métodos do assassino são mostrados em detalhes, mas também de uma forma onírica, como em um sonho ruim. Ele mantém Brenda refém, retira a blusa dela...Solange testemunha a tortura, calada, quase catatônica. Ela ainda protagoniza uma cena simbólica, e parto, envolvendo “Roland”, em um momento tão agressivo que parece até uma cena de violação. Dallamano filma muito bem.
Solange está claramente traumatizada, por isso fica calada.
O final é súbito, com o pai triste, o assassino se matando, após o inspetor encontrar o seu esconderijo e as vestes. É um desfecho rápido, seco, assustador, sem créditos e sem Fine ou The End.
O que vocês fizeram com Solange é um dos gialli mais enigmáticos, espertos, profundos e surpreendentes. É uma boa demonstração de como criar um mistério bem estabelecido, acertando tanto no quesito história quanto em questões técnicas e de atuação.
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