There's Nothing Out There é um filme B de 1991 que se localiza entre o gênero de terror e humor involuntário. Polêmico e trash, ele ficou perdido por anos e acabou recebendo uma injusta fama de copiar um grande sucesso do cinema de horror mainstream. É lembrado especialmente por sua abordagem metalinguística e autoconsciente quanto ao seu gênero e tipo de história.
Hoje é uma obra cultuada, mesmo que sua estética tenha mais semelhança com as trasheiras dos anos oitenta do que com o cinema de terror mais cínico da década de 1990.
Essa é uma obra com idealizada por Rolfe Kanefsky, um nerd especializado em cinema B, estudioso do gênero horror, que gostava muito de filmes de assassino serial e de monstros. Para homenagear os filmes que tanto amava resolveu fazer de sua estreia nos cinemas com algo que fizesse um comentário sobre as convenções das obras que provocam medo no público.
Já em seu início ele é dito como baseado em filmes de horror, mas todo o seu drama se assemelha mais a uma comédia, que faz troça dos clichês do gênero, embora não os desrespeite, sendo até reverencial.
O pai do diretor, Victor Kanefsky, assina como produtor, tendo essa função também por ter hipotecado a casa onde morava, a fim de arrecadar dinheiro para o orçamento deste. A produção executiva de Alice Glenn enquanto Beverly Ward e Dolores Elliott são creditados como line producers.
A primeira exibição do filme foi em 1990 no Independent Feature Project (IFP) na cidade de Nova York já no final do ano. Ele foi bastante incensado e louvado, então produtores e cineastas tentaram contato com grandes estúdios. Segundo Kanefsky houveram algumas exibições especiais para possíveis distribuidores, mas esses não entenderam o filme.
Foram precisos três anos para lançar. Houve uma exibição limitada nos Estados Unidos, a partir de abril. Também passou em outros festivais nessa época, no Houston WorldFest. Já no começo de 1992 esteve New York City, New York e em março no Florence Film Festival.
Público e crítica gostaram do filme em todas as exibições, mas não houve lucro, afinal, eram passagens em festivais e em cinemas limitados. Os direitos só foram vendidos em 1992, para a Image Entertainment e a empresa lançou o filme em VHS e laser disc.
Kanefsky optou por lançar em VHS à contragosto. O filme foi ao ar na HBO e Cinemax em 1993. Estreou na Europa na tv a cabo espanhola em 1999, enquanto na Alemanha teve uma premiere em vídeo no ano de 2001.
O diretor rodou esse filme quando tinha apenas 20 anos e os primeiros rascunhos do roteiro ocorreram quando ainda estava no ensino médio, ou seja, ele escreveu quanto tinha 18 anos.Muita gente achava a postura e o discurso de Rolfe Kanefsky arrogante, especialmente por ele brincar com o formato de filmes como Halloween: A Noite do Terror, Sexta-Feira 13, A Hora do Pesadelo e Hellraiser: Renascido do Inferno.
Sobre isso, ele desmentiu algumas falas a respeito de um possível "desrespeitar" ao gênero, dizendo:
Eu não queria tirar sarro dos filmes de terror, queria tirar sarro das coisas estúpidas que as pessoas fazem nos filmes de terror.
Sátira ou deboche à parte, fato é que o longa-metragem faz comentários metalinguísticos a respeito de filmes de matança, sobre invasão alienígena e sobre monstros e faz isso antes do lançamento de Pânico de Wes Craven e Kevin Williamson, cinco anos antes do lançamento desse.
Quando There's Nothing out There foi lançado em DVD era comum a comparação com Pânico, a maioria dos reviews afirmava que o primeiro filme é uma comédia, enquanto o outro pode ser considerado um filme de terror que tem elementos de resgate a obras antigas, como as já citadas e outras mais antigas, como Tortura do Medo e Psicose, além de parecer também uma paródia. A questão é que ambos passam pela essência apontada acima.
As tomadas externas foram rodadas em 16 mm, com edição feita em Steenbeck, gravações foram concluídas em 1990 e depois dos insucessos de lançamento, Rolfe Kanefsky se dizia triste por ter seu filme reduzido a uma imitação do longa e Craven, mesmo vindo antes.
Houve inclusive um documentário sobre ele, em formato de curta-metragem, chamado Copycat de Charlie Shackleton, uma entrevista com o cineasta sobre suas ideias e pretensões. Vale a pena procurar.
O título original do filme é There's Nothing Out There mesmo. Houveram poucas variações de nome, como na Alemanha, onde foi chamado no lançamento em DVD como Don't Scream... Die - Spur in den Tod e The Bloody Cottage in the Forest - Scream or Die. No México e Espanha era chamado No hay nada fuera, na Turquia é Korkacak Bir Şey Yok.
As filmagens começaram no verão de 1989 entre agosto e setembro, gravaram em Nova York, com cenas na 535 Piermont Ave, especificamente na sequência da loja de vídeo.
Três casas diferentes foram usadas como interiores para a casa na floresta. Os direitos do filme foram vendidos para a Image Entertainment em 1992 e a empresa lançou o filme em formatos de vídeo da época.
O filme foi ao ar em alguns canais fechados (HBO e Cinemax) em 1993. A Valkhn Film & Video faz a função do "presents", junto a Grandmaster Kino. A distribuição é da First Independent Films no Reino Unido, da Alain Siritzky Productions e da Troma Entertainment em 2011, já no formato de DVD. No lançamento mundial em Blu-ray, saiu pela Vinegar Syndrome.
Rolfe Kanefsky escreveu o primeiro corte do script em apenas cinco dias. Essa é obviamente sua estreia como cineasta, praticamente, já que havia feito Murder in Winter, filme feito como trabalho da época de escola.
Ele passou a fazer fitas B e/ou eróticas, entre essas duas intersecções fez My Family Treasure, Sex Files: Alien Erótica, a série Emanuelle 2000, Corpses, Nightmare Man: O Homem do Pesadelo, O Quarto Escuro e Balada Para o Inferno.
Também escreveu dezenas de filmes feitos para vídeo, como Automation, Missão: Pandora e Valley of Love.
Victor Kanefsky é mais conhecido por ser montador. Editou esse, também Wit's End, The Tale of Peter Rabbit, Tomorrow by Midnight e produziu Nightmare Man (esses dois últimos, junto ao filho), também foi consultor de produção em Griot, dirigiu Just Crazy About Horses e Art Bastard.
Dentro da equipe de produção se destaca o cinematógrafo Ed Hershberger, que foi assistente de câmera em Irmãs Diabólicas de Brian de Palma, operador de câmera em Terra de Ninguém de Terrence Malick e em Quem Matou Rosemary de Joseph Zito, além de ter manejado câmera em New Jack City: A Gangue Brutal, clássico que conta com Wesley Snipes no elenco.
Também chama a atenção o nome do maquiador Craig Lindberg que ficou famoso, Guerra dos Mundos, Army of the Dead, The Walking Dead: The Ones Who Lives.
O elenco ensaiou quase todo o filme em vídeo antes de filmar. Como não eram membros do sindicato (SAG) eles trabalhavam com salários inferiores ao piso salarial.
A trama começa em uma vídeo locadora, sequência essa que foi filmada em uma locadora real, negócio esse tão duradouro que até atualmente está de pé.
Nesse momento, na televisão, passa Just Listen, um curta-metragem de 1988 que Kanefsky conduziu. Ele passa o mesmo na televisão que está na parte de cima da locadora de vídeo.
Ali está uma moça bonita, creditada como Sally Foster, personagem de Lisa Grant, ela é a recepcionista da loja.
Cercada de diversos pôsteres e filmes de horror - que incluem o trash italiano Ratos:A Noite do Terror e o famoso Evil Dead: Uma Noite Alucinante - ela quase perece, sendo coberta por pequenos rolos de filmes que caíram em cima de si na tentativa de fugir de algo ou alguém.
Essa cena de abertura foi filmada no primeiro dia de filmagem, assim como toda a sequência no colégio, mas o que chama a atenção aqui é o simbolismo. Sally está tentando escapar de algo malvado, após ser cercada por "material de marketing" de obras de horror, depois cai sobre si materiais de filmes, que atrapalham sua respiração e locomoção.
É como se o próprio cinema estivesse atacando ela. O comentário metalinguístico segue ela, já que ela acorda, como se estivesse em um estranho pesadelo, sem consciência da onde estava.
Percebe então estar no carro de seu pai, depois de ter batido e se acidentando na floresta. É então atacada, mas não por um assassino e sim por uma estranha criatura viscosa, que chegou até ela depois que uma luz verde estranha repousou na mata.
A abertura ocorre logo após essa estranha cena e é tão doida e lisérgica quanto esse primeiro trecho. Se destaca nesse início também a música de Christopher Thomas que toca enquanto a perspectiva visual é uma viagem por túneis tubulares, com luz verde passando pelo escuro, enquanto se ouve vozes de personagens falando, frases típicas de obras de terror.
A partir daqui falaremos largamente sobre a narrativa e alguns dos seus segredos. Não é nada que atrapalhe a apreciação do filme, mas caso o leitor se importe com spoilers, fica aqui o aviso.
A trama segue no último dia de aula na escola, onde um grupo de jovens amigos está. Tal qual ocorre nos filmes de Michael Myers e Jason Voorhees, todos aparentam ter idade avançada, com cara de quarentões.
Entre eles se destaca o fortão Jim, de Mark Coliver, também um rapaz calvo, chamado David (Jeff Dachis) e Janet uma brasileira em intercâmbio. Completam o grupo Doreen (Wendy Bednarz) a namorada do primeiro do primeiro rapaz, Nick (John Carthart III) o adolescente dono da casa de campo e sua namorada Stacy (Bonnie Bowers).
Além desses todos, há também Mike, personagem de Craig Peck que alugou dezenas de filmes B para todos verem, embora só ele pareça se importar com isso. Esse é fiel da balança do filme, o personagem mais conhecido do filme, tanto que se tornou um pouco infame, uma vez que funciona como um "palestrinha" que repete o tempo todo as regras de filmes de horror, tal qual ocorreria com Randy que Jamie Kennedy faria no filme de Wes Craven.
Peck fez todas as suas acrobacias no filme, inclusive em uma cena de luta. Mark Collver também fez isso. Apesar de Mike emular o arquétipo do nerd passivo, o ator é forte o suficiente para ser seu próprio dublê.
Ainda sobre os clichês de personagem, no script original Janet era uma nerdzinha, uma estudiosa que não se adequava muito bem ao grupo. Na reescrita ela se tornou uma estudante de intercâmbio assim que Claudia Flores foi escalada para o papel. A atriz era brasileira e esse foi o único momento em que fez cenas de nudez. Ela trabalhou pouco após esse, esteve em Climb It, Tarzan. Normalmente se confunde essa com uma atriz argentina homônima.
Os fatos se desenrolam de maneira bastante esquisita, com uma piada de flatulência. Depois eles chegam a casa, que por sua vez, toca um alarme mega irritante, tão incômodo que é desativado, abrindo assim chance de não alertar autoridades caso algo ruim aconteça.
Ainda aparece um grupo de punks, que saem todos do banco de um carro cheio de fumaça. Eles se confundem, acham que aquele é um acampamento, em uma clara brincadeira com Sexta-feira 13. Eles nadam pelados na lagoa e são expulsos de lá, depois que Mike os dedura. O sujeito não se contenta em ser o caga-regra, também é um estraga prazeres também, impedindo jovens de ficarem pelados.
Rolfe coloca muita nudez gratuita, imita bem a fórmula de Roger Corman como diretor e produtor. Todas as personagens femininas aparecem nuas pelo menos uma vez no filme, mas os produtores sentiram que não havia nudez suficiente. Foi por isso que foi escrita a cena de banho coletivo, não disfarçaram nem um pouco, já que o tal grupo de personagens sequer tinha integrantes com nomes pronunciados.
O elenco é formado por adolescentes com hormônios em ebulição, ainda assim, Doreen tem que insistir para Jim resolver pegá-la, após uma cena de banho bastante "expositiva".
Não há muita cerimônia em construir as relações, até que dois dos jovens, David e Janet, vão para o mato e são atacados por um monstrinho verde engraçadinho, que aparece um anfíbio ou um réptil de borracha.
Kanefsky consegue brincar não só com clichês de filmes de matança, mas também com questões de monstros e criaturas, que podem vir tanto do espaço quanto das profundezas do mundo terráqueo.
Ele faz tudo com uma sem-vergonhice tamanha que chega ao cúmulo de possuir um certo charme.
As relações são artificiais, as reações dos personagens igualmente. Como o grupo de atores é formado por interpretes péssimos, fica parecendo que todo o conjunto de ações é parte de um teatro amador e tosco. As cenas de sexo seguem nessa toada, como o visto entre Nick e sua namorada. Toca uma música melosa, os dois se movimentam tanto que acordam Nick, no outro quarto.
A narrativa segue com muita cafonice e é assim que começam os ataques mais fortes, em meio a brigas dos personagens. Alguns desses momentos tem um desfecho desconhecido, só revelados no final da exibição.
Aqui se brinca com perspectiva, até com o ponto de vista do monstro. O bicho "intergaláctico" finalmente entra na casa, ataca Doreen, lança um raio verde nela. Depois, o mesmo tenta pegar Tammy também, mas não consegue.
Milagrosamente, Mike sobrevive e reencontra seus amigos, até elogia Tammy, que está usando um biquini bastante revelador.
Bonnie Bowers aliás é um dos grandes chamarizes do filme, estampa a maior parte dos materiais de divulgação, também passa a maior parte do filme de biquíni.
A atriz foi uma modelo de roupa de banho, estampava comerciais de biquínis antes de ser escalada para esse. Membros do elenco falavam mal dela.
Em entrevistas era dado que ela era desagradável, praticamente ninguém gostava dela, segundo relato, ela tornava as filmagens um inferno para todos. Possivelmente isso se deu graças a cena de nudez dela.
A atriz dizia não estar à vontade, curiosamente ela disse ao diretor que não teria problemas em filmar uma cena de sexo ou de ficar sem roupas na frente das câmeras, mas quando chegou o dia de filmar, ela mudou de ideia, se mostrando muito nervosa na hora da gravação.
Kanefsky ficou extremamente frustrado porque havia discutido detalhadamente a cena com ela e conseguiu que ela topasse, antes de escalar a atriz.
Após essa recusa, o diretor e Bowers conversaram bastante até ela finalmente concordasse com as filmagens, aderindo enfim ao acordo inicial. Anos mais tarde, Kanefsky disse que ela agiu de modo estranha e exigente.
Ela começou a dizer que não queria terminar o filme e que não queria que as imagens fossem usadas. O cineasta passou o resto da produção convencendo-a a não desistir. Essa foi a única cena de nudez da carreira da atriz.
Há um efeito gore bem legal sob a pele de Jim, próximo do final. A face do sujeito derrete, queimando pele e músculos, até só sobrar apenas os ossos. Os efeitos são da Imageffects Studios.
Esse grupo trabalhou com supervisão de Scott Hart e design de criatura de Ken Quinn, profissional que se tornou diretor de segunda unidade da série Caçadora de Relíquias além de dublê em Psicopata Americano, Drácula 2000 e suas duas sequências, coordenador dublê em
Repo Men: O Resgate de Órgãos e Reacher.
Ao conversar com Doreen e Tammy, Mike quase consegue quebrar a quarta parede, assumindo que provavelmente está dentro de um filme. Ele flerta com um momento onde falaria com a câmera, mas Kanefsky não é tão ousado.
Personagens retornam depois de aparentemente morrer, mas isso não é discutido. Há outros momentos estranhos, como o fato do monstro só comer homens dentro desse grupo, ignorando humanos fora dos que conhecem Mike.
Doreen age como alguém malvada, repentinamente, o monstro ataca Janet, parece mirar seu sexo, deixando seus seios à mostra.
Rolfe Kanefsky não conseguiu um elenco bom, mas seu modo de filmar compensa demais esse quesito. Ele mata os seus personagens de uma maneira bem criativa, coloca ótimos planos para as execuções e monta situações desesperadoras de maneira curiosa, põe em tela momentos inescapáveis e tensos.
Uma pena que esses trechos são quebrados pelos diálogos chatos de Mike.
Aparentemente, Rolfe é melhor diretor que construtor de falas, embora ele tenha boas sacadas em seu roteiro, ainda mais fora dos diálogos, como o momento em que Nick fugindo de casa com auxílio dos cabos e hastes de som, que apareceram na sua frente e dentro do enquadro. Ele se balança e nem pensa muito nas consequências.
No final tem de tudo, armadilhas para pegar o bicho, final girl de biquini fazendo o monstro sangrar verde, mais possessões. Ainda assim sobrevivem Nick, Mike e Tammy, o dono da casa ainda dá um golpe que aciona o alarme da casa, que é ligado a delegacia
Durante a fuga no furgão eles passam pela estrada encontram Sally, perdida, logo depois expulsam ela do carro, só por conta de ela estar ensanguentada e por ter olhos verdes.
Rolfe Kanefsky queria fazer uma sequência chamada There's Still Nothing Out There (traduzido seria Ainda Não há Nada lá Fora) no entanto, ele descartou a ideia de um filme ambientado no mesmo universo, até pensou em fazer um filme chamado This Isn't Funny Anymore (Isso não é Mais Engraçado) que também não ocorreu.
Em 1992 ele deu uma entrevista para a Femme Fatale disse que planejava essa sequência ocorrer imediatamente após o seu filme, disse que rascunhou um roteiro que começava com todos os personagens conhecidos sendo mortos, exceto um. Haveriam alguns novos monstros alienígenas movidos, que também matariam quem praticava sexo, além de ter cinco garotas correndo de biquíni, ao invés de apenas uma como nesse. Esse seria um exagero do filme original, como era comum em séries de terror do estilo.
There is Nothing Out There é divertido piegas e carismático, um filme que sabe das suas próprias bobagens e não tenta ser mais do que é. É bastante injusto que seja relegado ao papel de tentativa de parecer com Pânico, já que possui personalidade e verve por si próprio, fora a óbvia questão cronológica de ter sido finalizado antes da concepção de Williamson. É uma pena que ele e seu realizador tenham sido tão pouco valorizados, mas há de se apreciar assim mesmo.
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