O Segredo da Cosa Nostra é uma cinebiografia dramática que aborda o discurso de um delator da Máfia italo-americana. Dirigido por Terence Young, o longa é estrelado por Charles Bronson e tem esse nome sugestivo justamente por abordar os detalhes íntimos de uma família que faz parte da sociedade secreta criminosa conhecida como Cosa Nostra.
A narrativa se baseia em uma biografia, lançada em 1968 que fala dos últimos dias de Joe Valachi, um membro de baixo escalão da família criminosa Genovese, com sede em Nova York.
Até onde se sabe, ao menos segundo fontes oficiais, foi ele a primeira pessoa a testemunhar contra um grupo mafioso, entregando ao governo os detalhes de crimes e da rede de intrigas palacianas dos gangsteres "carcamanos" residentes nos Estados Unidos.
O filme tenta justificar os motivos para ele colaborar com as autoridades o tempo inteiro, uma vez que na máfia ítalo-americana, há a lei da Omertá ou lei do silêncio, que é parte do pacto de sociedade secreta que proíbe seus adeptos e membros de testemunharem contra seus colegas e chefes.
Essa é uma coprodução italo-francesa, com roteiro de Stephen Geller, baseado no livro The Valachi Papers de Peter Maas, foi terminado e lançado quatro anos após a publicação do romance.
Escrevem diálogos Dino Maiuri e Massimo de Rita, que não são creditados como tal. Foi produzido por Roger Duchet e Dino De Laurentiis. O ex-ator italiano Nino Crisman foi o produtor executivo, na época, assinava Nino E. Krisman.
De Laurentiis disse que começou a receber telefonemas de pessoas não identificadas assim que adquiriu os direitos de exibição do romance de Peter Maas em 1969. Os telefonemas "convidavam" o produtor a abandonar o projeto, mas ele continuou com a pré-produção.
O longa teve estreia primeiro na Irlanda, em julho de 1972. Nos Estados Unidos estreou em Los Angeles, no mês de outubro. Em novembro, chegou a Nova York, também França, Japão e Itália.
O título original é o mesmo do livro, The Valachi Papers, foi assim na Austrália, Estados Unidos e países de língua inglesa. Também pode ser encontrado como Cosa Nostra.
Na Argentina é conhecido como Los secretos de la Cosa Nostra, no Brasil pode ser encontrado como O Segredo da Cosa Nostra ou Os Segredos da Cosa Nostra. Na França é Cosa Nostra - L'Affaire Valachi e Le Dossier Valachi, na Espanha Los secretos de la Cosa Nostra e Els secrets de la Cosa Nostra, em Portugal é O Caso Valachi.
A Cosa Nostra é o sindicato criminoso italiano na Sicília, também conhecido como A Máfia. Nos Estados Unidos, se traduz como Our Thing ou coisa nossa.
Young comentou que trabalhou para não citar a palavra Máfia em seu filme, até por conta dos italianos não usarem o termo, só as pessoas de fora chamam a organização dessa forma. Os italianos falam Cosa Nostra ou outras designações semelhantes, de outros grupos que não tem origem na Sicília e sim em outras partes da Itália.
Também se falou bastante sobre o fato de Joseph Valachi foi a única vez em que um membro da Cosa Nostra quebrou o seu juramento e contou a sua história. Só por isso, já valeria o esforço para contar essa história.
O filme teve gravações iniciadas em março de 1972. Foi rodado de Nova York. A produção usou a locação Alhambra Apartments em Pelham Parkway South, no Bronx, onde o real Joe Valachi participou de um tiroteio, o mesmo que vitimou os bandidos Alfred Mineo e Stephen Ferrigno em 6 de novembro de 1930.
Também houveram cenas no centro correcional Sing Sing, em Nova York, inclusive com um acordo especial junto a direção do presídio, onde cerca de 100 presidiários trabalharam como figurantes e atores figurantes. Em troca da utilização dos terrenos penitenciários, a produção fez uma grande contribuição para o fundo recreativo da prisão.
Houveram gravações também na Itália, em Roma, Lazio, no De Laurentiis Studio.
A produção encerrou repentinamente as primeiras filmagens, antes do programado para concluir o resto delas na Itália. Young disse que haviam duas unidades trabalhando em Nova York, gravando cinco horas por dia. A programação inicial seria de cinco semanas, mas fizeram tudo em três.
Ele afirmou que foi bem tratado pelos italianos novaiorquinos, mas também disse que teve que deixar Nova York e mudar para Roma mais cedo, abrindo mão de filmar por mais dez dias. As gravações foram abreviadas, graças as tais cartas que Laurentiis recebeu em seu hotel.
A correspondência tinha papel timbrado da Liga Ítalo-Americana dos Direitos Civis e foi assinada por Anthony E. Colombo. Teoricamente havia uma ameaça aos produtores e após ela, tudo foi transferido para Roma, incluindo aí atores, técnicos e equipamentos na noite do mesmo dia. A justificativa oficial foi o montante de protestos que ocorreram, mas ficou claro que foi na verdade um receio de romper a integridade física de todos.
O filme foi feito pelo estúdio Dino De Laurentiis Company ou De Laurentiis Intermarco S.p.A., em parceria com Euro-France Films. Teve distribuição da S.N. Prodis na França, da Cineriz na Itália e da Columbia Pictures nos cinemas dos EUA. No Reino Unido, foi distribuído pela CIC ou Cinema International Corporation.
O longa teve uma chamada de elenco longa, que durou cerca de cinco meses. Mais de 4.000 pessoas, muitas delas sicilianas, fizeram o teste. O diretor disse na divulgação do filme que a maior parte do elenco é desconhecida e os rostos são incrivelmente parecidos com o que se entende pelo "clichê" sobre a aparência do povo imigrante da Itália.
Young vinha de filmes como Visitantes na Noite e Sol Vermelho, obviamente é mais lembrado por sua passagem nos filmes de James Bond, como o primeiro, 007 Contra o Satânico Dr. No, também Moscou Contra 007 e 007 Contra a Chantagem Atômica. Depois fez O Xeque Mate e Fugindo da Morte.
Geller escreveu O Despertar Amargo e Matadouro Cinco antes desse. Depois fez Valdez, O Mestiço, também com Bronson protagonizando e Ashanti com Michael Caine. Ele escreveu o livro She Let Him Continue, que gerou o filme Inocente Veneno.
Esse foi o primeiro filme baseado em livro de Maas, no entanto, o escritor não gostou da produção, inclusive disse que esse foi "um dos piores filmes já feitos". Outras adaptações de obras dele incluem Serpico, Rei dos Ciganos, Maria: A Verdade de Uma Mulher, Assassino em Família e Submarino, Prova Mortal.
Rita fez Os Bandidos de Milão e O Professor do Crime (Il Camorrista). Maiuri escreveu o já citado Valdez, também O Vingador Anônimo, Corleone e Advertência.
Duchet fez Aventuras na Costa do Marfim, Estrela do Sul e Cannabis.
De Laurentiis trabalhou demais lembrado pela parceria com Federico Fellini em A Estrada da Vida e Noites de Cabíria. Ele vinha de Mafioso, O Demônio das Onze Horas, Os Bandidos de Milão, Barbarella, Waterloo, A Violência: O Quinto Poder.
Depois fez Valdez, Desejo de Matar e O Grande Búfalo Branco, ambos tendo em Bronson o centro das atenções. No caso do último citado, ele foi produtor executivo.
Bronson vinha de Sete Homens e Um Destino, Fugindo do Inferno, Era Uma Vez no Oeste. Esta é a terceira e última colaboração em longas-metragens de Bronson com Terence Young, depois de Visitantes na Noite em 1970 e Sol Vermelho de 1971.
Essa foi a sétima (de dezoito) colaborações do ator e da atriz Jill Ireland, que na época, era sua esposa de 1968 até 1990.
Por conta de ser lançado em 72, a obra acabou sendo muito comparada com o hoje clássico O Poderoso Chefão. O falastrão Terence Young disse uma vez que o filme de Francis Ford Coppola foi o "trailer mais caro já feito", afirmando que o filme era como uma prévia desse O Segredo da Cosa Nostra.
Isso obviamente pegou mal, especialmente depois da repercussão de ambas as obras. Depois, ele acrescentou que o seu filme não era um spin-off e nem uma tentativa de lucrar com o sucesso do outro filme. Até chegou a dizer que ele muito mais próximo de Operação França, até disse que poderia ser chamado de A Conexão Italiana!, em atenção ao nome original do filme de William Friedkin.
Young também se vangloriava por mostrar a realidade, supostamente. Disse certa vez que mostrava todos os personagens reais - como Salvatore 'Lucky' Luciano, o chefe da Murder Inc. e Albert Anastasia, assim como as mortes e eliminações que, segundo ele, “eram quase um ritual”.
A narrativa inicia com uma citação
O crime é uma questão de criminosos, não é uma questão de raça, cor ou religião, Robert Kennedy
Bobby Kennedy era procurador geral dos Estados Unidos, ele foi um político incansável em perseguir a Máfia.
A narrativa inicia em uma cadeia, onde residentes encarcerados brincam e jogam bocha. Aparece então Joseph Valachi ou Joe, o personagem principal, feito por Bronson.
Ele achava que seria bem recebido por seus comparsas, esperava ser abraçado e bem tratado, diz que quer conversar diretamente com o chefe da família, no caso, com Don Vito.
No entanto é desprezado por todos, olhado de soslaio. A sequência inicial termina com ele gesticulando, dando uma banana para todos.
Após esses momentos, ele revida uma tentativa de assassinato, mas não mata seu quase executor, acaba pedindo ao agente penitenciário, para ficar na solitária e é atendido, mesmo que esse tipo de pedido jamais tenha sido feito antes, por ninguém.
Ele segue querendo falar com Vitor Genovese e mata um bandido, achando que era um opositor. Era na verdade um falsificador de cheques do Alabama, e não o capanga Salerto, da máfia italiana de Nova York. O sujeito não tinha nada a ver com Valachi, foi um engano, ao menos é o que dizem para ele, já que esse pode ser um ardil.
A pena de Joe era alta, por porte de drogas. Ele se aproxima do federal Ryan, personagem de Gerald S. O'Loughlin. Ele pergunta onde estava Tony Bender, o chefão de Vito.
Desde o início é dado que ele tem motivos para temer pela própria vida. É como se o roteiro fosse todo voltado para justificar a atitude dele. Sempre que ele se aproxima dessa tentação, algum criminoso "amigo" se aproxima, inclusive, o tal Don Vitone, que recebe o protagonista em seus aposentos carcerários.
A cela onde o chefão fica é grande, regada, cheia de regalias. Ele é interpretado por Lino Ventura. O sujeito manda Joseph se deitar ao seu lado na cama, provavelmente para evitar que outros ouvissem e também para driblar eventuais escutas.
O filme passeia por Nova York, não se restringe apenas a cadeia, mostra momentos anteriores a prisão e alguns após o encarceramento, incluindo até cenas de julgamento.
Young filma bem alguns trechos, em especial uma cena em um restaurante, uma sequência bem pensada e violenta, que exemplifica bem o caráter da sociedade secreta, mas a maioria dos momentos são despropositados, se restringem a mostrar pessoas reais em tela, como se isso garantisse alguma legitimidade ao longa.
Quando Valachi lida com Maranzano - interpretado pelo canadense Joseph Wiseman, que fez o Dr. No. com Terence Young - e com seus homens, a resultante é uma cena curiosa, já que os capangas falam ao ouvido um do outro, até que o chefe tome ciência sobre o que eles discutiam.
É feita toda um misancene para certos procedimentos. Se tenta dar gravidade, mas há uma falha terrível no conceito geral, pois parece algo qualquer nota.
Um oficial de polícia segue a pista de Joe, vai até o restaurante onde Maranzano e seus homens estão. Antes de se despedir ele mexe no café de um dos capangas, em uma sequência bizarra, provavelmente foi tentar verificar se estava quente, pois se aquele era um copo de Valachi, poderia estar frio, no entanto isso fica jogado.
Como esse é um filme da França e Itália, naturalmente seu elenco tem origem variada, de diversos lugares da Europa. O elenco conta com vários atores italianos, como Ventura, Walter Chiari, Amedeo Nazzari, além da já citada Jill Ireland que é britânica e Wiseman, que é canadense. Obviamente eles dublaram o filme e isso não seria um problema, não fosse a péssima sincronização tanto na versão em italiano quanto no inglês.
Todos os diálogos de Chiari e de Ventura foram redubladas por outros atores na versão italiana, mesmo ambos sendo italianos. As versões em inglês então são piores, é impossível não notar que não são eles falando.
Ainda assim há alguns bons momentos que conversam com os ritos da Cosa Nostra, como a iniciação de Valachi e sua entrada na "famiglia", segurando um papel em chamas, nas mãos nuas.
Também se narra bem o quanto as ruas estão perigosas, mas Young faz isso de maneira que é pouco ou nada gráfica, quase sempre se verbaliza sobre a violência urbana, ao invés de mostrar ela em tela. Até as cenas de assassinato são impessoais, com tiros distantes, quase não aparece sangue e quando aparece, ainda é estilizado.
A crueldade dos gângsteres é mais explorada por personagens assessórios, como uma senhora enlutada, que ataca os adversários de Don Vito, como o sr. Luciano de Angelo Infanti quando os mesmos chegam ao velório do seu cônjuge.
O final do filme se torna um pouco mais movimentado, com um acréscimo de violência considerável, mas isso ocorre normalmente ao largo do personagem de Bronson. Há um momento em particular que é bastante memorável.
Quando Maranzano morre, pede ao seu capanga Albert Anastasia (Fausto Tozzi) para ajudar ele a fazer o sinal da cruz, pois não quer que os filhos dele sofram pelos seus pecados...
O ritmo é lento, a duração longa, não há muita variação de situações e a dinâmica é fraca. Esse acaba sendo um filme pouco convidativo, um dos mais enfadonhos da filmografia de Young e um dos mais carentes de ação que Bronson participa.
As partes em que o astro de ação está no centro das atenções são quase sempre no tribunal ou na cadeia. A violência não ocorre perto de si.
Se pensou em colocar ele nesse papel unicamente por ser o protagonista, mas a realidade é que ele é mal aproveitado. Considerando que essa era a época do auge do ator, é de lamentar que seja assim tão modorrento e tão carente de momentos de ação.
O filme ainda possui vários erros, há uma cena noturna de rua dos anos 1930, aos 27 minutos de filme, na qual vários modelos de carros dos anos 1960 estão estacionados e passam. Em outro ponto da trama, Valachi está fugindo da perseguição policial, dirige um carro até o East River, ao norte da Ponte do Brooklyn, onde as Torres Gêmeas do World Trade Center são visíveis contra o céu do amanhecer. O conjunto de prédios só foi concluído "recentemente", quando o filme foi lançado em 1972.
Outra questão é o tempo demasiado dado a trajetória pessoal de Joseph, já que passa até pelo casamento dele com Maria Reina, personagem de Ireland.
Dessa forma, se empalidece participações de personagens como Albert e até Gap, de Walter Chiari, que em determinado momento, tem uma longa discussão com uma prostituta chamada Donna, que é interpretada por María Baxa. O sujeito simplesmente não entende como funciona o sexo entre duas mulheres.
Gap se chamava na verdade Dominick Petrilli, ele ganhou esse apelido depois de perder dois dentes da frente em uma briga quando criança. Ele obviamente é um personagem baseado em um bandido real também. Já Valachi era chamado de Joe Cargo ou Joe Valachi.
Perto do final, há um apelo desnecessário, onde se coloca Bronson e Ireland com perucas grisalhas, que miram fingir que eles estão velhos e idosos. É curioso que eles são caracterizados assim, mas a maioria dos seus colegas de elenco não parecem ter envelhecido tanto, mesmo que haja um certo trabalho em modificar maquiagens de um ou outro.
Faltou um cuidado maior com o visual dos personagens, especialmente nas passagens de tempo.
A delação é mostrada de maneira igualmente tosca e pouca cuidadosa, juízes são registrados com imagens nítidas, enquanto o depoente está em um registro paupérrimo, com chuviscos nas gravações que passam na televisão. Nem parece que é uma exibição do mesmo programa.
O homem se encaminha para o suicídio, esse momento tenta ser tenso, mas é só despropositado, pois fica claro que ele não o fez. O vai-e-vem cronológico é confuso, mas isso fica claro.
Aparentemente, Joseph sofre ao envelhecer. Ele fica mal, melancólico e choroso, deseja morrer, até ensaia se suicidar, mas nem isso consegue. Não tem controle sequer sobre a própria vida.
Joe acreditava que só teria paz depois que o chefão morresse, ou seja, teve apenas meio ano de tranquilidade, se muito...O epílogo do filme afirma que ele sofreu com a presença de Genovese até quase morrer, já que ficou sete anos em confinamento solitário e morreu de causas naturais, enquanto Vito Genovese também, mas seis meses antes.
O Segredo da Cosa Nostra é um filme irregular, até em comparação com seus pares, como os biográficos Bugsy, Gotti: No Comando da Máfia e Falcone. Apesar de ter bons atores, não os explora bem, ao contrário, desperdiça o potencial e a boa história que tem em mãos. Foi bastante ofuscado, mas nem precisava, já que já é ausente de brilho sozinho.
Comente pelo Facebook
Comentários
Comente pelo Facebook
Comentários