Umma: Um conto de terror sobre maternidade, tradição e manipulação

Umma: Um conto de terror sobre maternidade, tradição e manipulaçãoUmma é um filme de horror estadunidense cuja formula conversa mais com a tradição do cinema de horror asiático do que com o estadunidense. Conhecido por ser protagonizado por Sandra Oh e produzido por Sam Raimi, a obra é conduzida por Iris K. Shim e pauta a sua exploração de medo em uma figura materna maléfica.

Seu título é uma referência ao termo coreano correspondente a mãe e sua sinopse faz acenos a mística e tradições de países estrangeiros. A história gira em torno de Amanda, uma mulher de meia idade, que vive junto a sua filha em uma fazenda do interior dos Estados Unidos.

A rotina delas é bastante tranquila e pacata, isoladas não só da família da mulher como de quase todos os contatos mundanos. Em um dia aparentemente comum, as cinzas da mãe de Amanda chegam até ela e a mulher começa a ter momentos de perturbação, causadas por uma suposta assombração, que tem a ver com o seu passado em outra terra, a Coréia do Sul.

Concebido por Shim essa é uma obra de orçamento pequeno e execução simples, mas não simplória. Seu elenco é pequeno e certeiro, também há poucas variações de cenário, já que a trama inteira se passa basicamente no mesmo lugar.

A construção narrativa depende demais da atuação de suas duas personagens centrais, ou seja, depende do desempenho dramático de Oh e de Fivel Stewarth, que faz Chris, a filha da protagonista.

A obra foi produzida pelos estúdios Stage 6 Films, Raimi Productions e Starlight Media. Foi foi distribuído pela Sony Pictures Releasing.

É produzido pelo já citado Raimi junto a Zainab Azizi, tem produção executiva de Sandra Oh Matt Black, Marcei A. Brown, Eric Harbert, Peter Luo, Yedong Mu, Zhou Tao, Jeanette Volturno, Cheng Yang e André Øvredal.

O filme se chama Umma na maior parte do mundo. No Brasil foi chamado também de Mamãe em títulos alternativos. No Canada foi chamado de Memere, enquanto na Romênia e Servia é Mama. Na Rússia é Мама.

A produção seria rodada em 2020, em Vancouver, mas as gravações foram adiadas graças a pandemia de Covid 19. Foi então rodada no Bloom Ranch of Acton, na Califórnia.

Umma: Um conto de terror sobre maternidade, tradição e manipulação

Shim é uma profissional com pouca experiência no cinema, especialmente em funções de direção. Ela participou como assistente em Mortuária de Tobe Hooper, também em Os Desconhecidos e O Estrangeiro. Esse é seu segundo longa-metragem ficcional na função de diretora, já que havia feito The House of Suh e o curta H7N3.

Já Raimi tem trabalhado pouco como diretor, tendo seu último trabalho em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Nos últimos anos, trabalhou como produtor em Rogai Por Nós, O Homem nas Trevas 2, além do duo 65 - Ameaça Pré-Histórica e Contra o Mundo, junto a Zainab Azizi. Ele foi produtor executivo em A Morte do Demônio: A Ascensão.

A história brinca com aparições fantasmagóricas que remetem aos clichês de escolas asiáticas de horror. Há semelhanças com o japonês O Grito, mas também de aparições estranhas, como em Espíritos: A Morte Está ao Seu Lado, ou o indonésio Impetigore: Herança Maldita.

Há uma tentativa de emular Medo de Jee-Woon Kim, mas sem o mesmo brilhantismo, até por conta da clara tentativa da produção em se estabelecer como uma cópia dos filmes do Invocaverso, embora tenha bem menos jumpscares que as obras de James Wan.

Incomoda um bocado a tentativa de misturar também ao estilo de filme de terror mais cabeçudo, como em Hereditário de Ari Aster ou A Bruxa de Robert Eggers. No entanto, a tendência mais copiada certamente são os filmes de susto fácil da Blumhouse ou dos spin-offs de Invocação do Mal.

Uma coisa bastante curiosa com a produção é ligada ao seu talento de elenco mais caro.

Sandra Oh é uma atriz nascida no Canadá, mas tem trabalhado recentemente em papéis mais voltados para sua origem asiática, especialmente nos trabalhos de dublagem. Em Raya e o Último Dragão, Red: Crescer é uma Fera e Invencível ela tem feito personagens coreanas ou de nacionalidades orientais.

Umma: Um conto de terror sobre maternidade, tradição e manipulação

Como o filme foi lançado em 2022, boa parte dos leitores certamente não sabe detalhes de sua trama, por isso, falaremos inicialmente sem spoilers, avisando quando formos falar de partes substanciais da trama.

Da parte da equipe técnica, dois setores se destacam. O primeiro é a direção de fotografia, assinada por Matt Flannery, artista britânico e contumaz parceiro de Gareth Evans em seus filmes de luta, como Operação Invasão e O Apóstolo. Ele é produtor e co-criador da recente série Gangs Of London e aqui faz um mergulho no cinema de gênero voltado ao horror.

Seu trabalho é sóbrio, mostrando o dia a dia comum das personagens como algo radiante, solar e iluminado no início, depois insere o público na melancolia das lembranças e das más decisões de sua protagonista.

O outro aspecto digno de nota é a montagem, que ficou a cargo da dupla Louis Cioffi, acostumado a séries como Dexter e See, além de trabalhar em filmes como Bruxa de Blair e Death Note. O outro editor é Kevin Greutert, que montou a maioria dos filmes da franquia Jogos Mortais e dirigiu longas como Jessabelle e Jogos Mortais X.

A partir daqui falaremos mais abertamente sobre partes substanciais da trama. Dessa forma, certamente haverá spoilers. Leia a partir de agora sabendo disso.

Umma: Um conto de terror sobre maternidade, tradição e manipulação

O filme tenta a todo momento evocar uma ambiguidade, entre a interferência sobrenatural e a paranoia, mas acaba falhando nisso, dado que a história é simples e trivial.

O motivo de Amanda viver isolada é um segredo até certa parte da história, ela finge sofrer de uma doença que a impede de utilizar aparelhos eletrônicos. Ela não pode sequer chegar perto de algo que pulse energia e afirma acreditar que a filha herdou esse mesmo problema dela, mesmo que esteja obviamente mentindo.

Ela repete tanto essa questão que parece de fato acreditar nesse ardil. Em determinado ponto ela recebe a visita de seu tio, parente que ela não via desde que fugiu de sua terra natal.

Assim que ele chega ela pede ele desligue o carro e o celular, fazendo as suas alegações óbvias, mesmo que não tenha ninguém próximo dela. Não havia testemunha daquela visita.

Kang, personagem de Tom Yi (Uma Noite de Crime) diz que foi difícil acha-la, já que não tinha telefone ou e-mail, além dela ter mudado inclusive a alcunha, abandonando seu nome de batismo. Aparentemente a mãe dela morreu, e a última palavra que saiu da sua boca foi justamente Soo-Hyun, o nome verdadeiro de Amanda, o mesmo que ela renegou.

Não é preciso expor muito sobre o passado da personagem, em poucas palavras trocadas entre tio e sobrinha é denunciado que Park Soon-yi era uma pessoa controladora, super protetora, que mantinha a filha cativa, ligada sempre às suas vontades.

Era tão manipuladora com o restante do clã que mesmo morta, fez o irmão ir até a sobrinha, provavelmente sobre pena dele ser amaldiçoado de alguma forma. Como ele é crédulo, seguiu as ordens dela.

O que deveria ser um saudoso e saudável reatar de relações com um parente rapidamente se torna o início de um pesadelo.

Amanda tem um presságio, uma sensação de que algo ruim está vindo, se aproximando. Em visões e fantasias, enxerga sinais de aproximação de sua mãe ao longe, manifestações essas que parecem a princípio apenas más lembranças dela, mas que tem um corpo definido.

O tio afirma que os filhos têm obrigações com os pais, tanto na vida quanto na morte e esse foi motivo para que fosse até a Soo-Hyun. Ele entrega a ela uma caixa, afirma que a mãe está presa nesse mundo, como um gwishin, que é um termo que remete a um tipo de espírito ou fantasma no folclore coreano Ele também diz que a fúria da mãe vai crescer enquanto estiver naquela caixa. Fala que a dor dela se tornará veneno e que Umma, sempre consegue o que quer.

É tudo bem estranho, afinal, a velha está morta, mas eles falam como se ela ainda estivesse na dimensão dos vivos.

A maleta da mãe de Amanda é possivelmente o símbolo mais pesado sobre como funciona essa estranha tradição familiar. O peso e agressividade exercidos sobre as pessoas segue, mesmo quando algumas dessas pessoas já não está mais vivas, mesmo que esses filhos não sejam mais crianças.

O conteúdo dessa mala é misterioso, em um primeiro momento, mas obviamente mostram o que há lá dentro.

Umma: Um conto de terror sobre maternidade, tradição e manipulação

Amanda já era assombrada pela memória da mãe antes mesmo da parente morrer, já que ela evita material ligado a força justamente por ter sido torturada com eletricidade na infância.

O receio dela é em repetir o mesmo tipo de controle da mãe e de certa forma, ela faz isso com Chris, usando a mesma máscara que a mãe usava, literal e figurativamente.

O simbolismo se perde um pouco na obviedade, já que entre o material trazido a América há uma foto velha, as cinzas da parente, símbolos da raposa de nove caudas (que é um avatar de sua mãe) e claro, uma máscara de teatro antiga.

Soo-Hyun deveria fazer um ritual sagrado e se não fizer o que a "raposa" quer, será assombrada pela figura que a maltratou no passado. O tal rito é como um pacto, que uniria a alma das duas, fazendo o espírito se tornar apenas um. Considerando que essa é uma tradição, provavelmente havia ali um conjunto de almas velhas também, ou seja, a figura da mãe dela não carregava apenas a sua mãe, mas a memória de outras iguais a ela.

Há várias referências à popular lenda coreana gumiho. Pela tradição coreana e chinesa, gumiho ou kumiho é um espírito que pode se tornar maligno com a quantidade de energia reprimida ao longo dos anos.

Essa é a raposa com nove caudas é visualmente semelhante ao kitsune japonês e ao huli jing chinês. No entanto, na tradição coreana, o animal é sempre malvado, ao contrário do que é visto nas criaturas "irmãs" oriundas da China e do Japão.

A lenda conversa diretamente com a condição de Umma, no sentido de mostrar uma mulher que se tornou irritada e rancorosa ao longo dos anos devido ao seu potencial desperdiçado.

Dito assim, parece que o filme é inteligente, mas não é. Apesar dele se pautar completamente em condições de traumas e no reflexo que essas sensações dão aos personagens, não há grandes aprofundamentos. Questões mentais e sobre mitologia não tem um grande desdobramento.

A partir desse encontro ocorrem muitos sustos tolos, com inserções de efeitos especiais digitais e alguns práticos, que variam de qualidade visual. Essas são as maiores semelhanças com o que há de pior no cenário de filmes de horror dos Estados Unidos, inclusive, nas imitações pobres de Invocação do Mal. A qualidade é bem semelhante também a série The Doll, do diretor Rock Soraya.

A origem dessas aparições claramente tem ligação com a paranoia de uma mulher que teme por sua vida e pela vida de sua filha.

Amanda tem receio de Chris ir embora e ao refletir sobre as suas atitudes, acaba percebendo que está repetindo o ciclo de sua mãe, ainda que haja de maneira diferente. Diferente de Umma, Amanda é prestativa, que faz todas as vontades da filha.

Se a mãe prendia Soo-Hyun no porão, violentamente, Amanda repete o ciclo, já que segura Chris na fazenda, cercando ela de tantos cuidados que fariam ela pensar que não havia alternativa de vida longe das asas e dos cuidados da mãe.

A grande questão negativa de Umma é que ele carece de identidade. A obra tenta parecer como as obras de pós-horror, focando um pouco, em terror psicológico, ao passo que também usa sustos bobos, apela para escatologias mostrando janelas tomadas por insetos.

Também cerca Amanda de manifestações como vultos, faz ela ouvir vozes em seu idioma nativo. Um dos grandes problemas do filme é o apelo de apresentar mulheres como pessoas insanas. Considerando que esse é um filme escrito e dirigido por uma mulher e produzido por outra, é um bocado estranho o apelo a esse tipo de clichê.

Também irrita que elementos tão díspares tentem se misturar como faz aqui. Há uma razão para que Invocação do Mal e Hereditário serem filmes diametralmente opostos, mas aqui se tenta misturar ambos estilos, de maneira apressada e forçada. Ao tentar agradar os dois públicos consumidores, corre o risco de não agradar nenhum deles.

A dúvida que fica tem a ver com as visões que Amanda tem são lembranças reprimidas que volta ou meros devaneios de uma pessoa traumatizada. Até Chris nota que algo está errado com ela, fica tão preocupada que releva as mentiras que sua mãe contou a vida inteira.

No início ela tem dificuldades para entender a condição de saúde da parente, mas ao ter noção que aquela é uma questão psicossomática, ela imediatamente se solidariza, mostrando ter uma maturidade que nenhum personagem adulto tem.

O filme perde força no terço final, é mal editado e tem um roteiro que não equilibra bem as suas emoções. Há uma forte exploração no início, se revela muito em pouco tempo, depois se explora as sobras disso.

A atuação de Oh é ok, já Stewart tem um desempenho mediano. Só tem alguma exigência de seus dotes dramáticos no final, especialmente quando sua mãe se transforma e a chama para o ritual de Mesa, vestida a caráter, como uma coreana caricata.

O desfecho é um bocado frustrante, apela para o óbvio até em suas aparições. Ainda se faz questão de mostrar uma raposa de várias caudas, feita de um CGI porco, que parece combinar mais com um herói tokusatsu do que com um filme que tenta ser aterrador.

Umma prometia uma boa execução, até possui uma história que tem complexidade, mas que carece de um trabalho de direção mais experiente e de uma identidade bem-formada. Acaba desperdiçando o potencial da história, resultando em um filme morno, sobre maldições e troca de corpos.

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