A Casa no Fundo do Parque: O brutal filme de horror americano de Deodato

A Casa no Fundo do Parque é um filme de horror italiano peculiar e curioso. Há quem defenda que ele reúne os elementos básicos do Cinema Extremo, já que não liga muito para convenções, para o politicamente correto e apela para violência, agressões sexuais e morais, além de nutrir conceitos e valores nauseantes.

Dirigido pelo italiano Ruggero Deodato o longa foi lançado em 1980 e reúne em si elementos de Filmes de Matança (os Slasher Movies), tem também algumas viradas no roteiro e exibe uma violência psicológica de um grau de agressividade considerável.

A história gira em torno de dois mecânicos que são convidados para uma festa da high society, depois que consertam o carro de um playboy. Como toda a trama se passa em Nova York dá para afirmar que a temática gira em torno dos horrores típicos do estilo de vida americano, mesmo sendo uma produção europeia com um diretor europeu.

Orginalmente chamado de La Casa Sperduta Nel Parco, é possível encontrar o longa-metragem por seu nome em inglês The House on the Edge of the Park, assim como Der Schlitzer como foi batizado na Alemanha Ocidental. Filmes italianos normalmente tem dezenas de nomes e esse não é exceção.

A obra foi proibida de circular no Reino-Unido, ficando assim conhecido por ser um Video Nasty termo coloquial popularizado pela National Viewers' and Listeners' Association (NVALA) para se referir a uma série de filmes que foram criticados por seu conteúdo violento pela imprensa, comentaristas sociais e por organizações religiosas no início dos anos 1980.

A trama segue a rotina dos dois mecânicos, que são convidados basicamente para serem expostos como pessoas simples e dignas de pena. Ao perceber que são motivo de piada, os dois retribuem o tratamento provocando horror nos presentes, se tornando então violentos abusadores.

É bom explicar para o leitor que esse é um filme verdadeiramente agressivo. Vê-lo pode despertar gatilhos sobretudo para quem é sensível a temas de violência sexual.

A fim de que o leitor não fique mal, evitamos imagens que determinem grande violência e deixamos o aviso de que falaremos sobre crimes de assédio e abuso sexual e moral.

Também falaremos com spoilers a partir da imagem abaixo.

Rodado no Incir de Paolis Studios em Lazio-Roma, o filme também teve algumas tomadas em Nova York, nas cenas externas, em tomadas aéreas e em veículos terrestres.

Com poucas cenas Deodato consegue estabelecer a Big Apple como o centro de sua história, mostrando o medo que é o de morar em metrópoles, apelando para o receio de ser abandonado em meio a selva urbana.

Na primeira cena o filme já mostra a que veio. A sequência começa pelos cenários de Nova York, em uma avenida movimenta, com uma dupla de carros que corre parelha. Em um veículo está Susan Karoline Mardeck, uma moça apressada e de beleza virginal.

No outro carro há o estranho Alex, que faz questão de fazer gracejos e de acenar para ela de maneira lasciva. O personagem é feito pelo icônico David Hess, o mesmo que protagonizou o violento Aniversário Macabro de Wes Craven e que também esteve em Monstro do Pântano.

Esse trecho é apelativo e não faz cerimônia, assim que o sujeito emparelha o carro com o da moça ele simplesmente sai do seu automóvel e invade o carro da moça, abrindo a porta que estava sem nenhuma tranca. Ele ensaia uma conversa com moça rapidamente a obriga a ir para o banco de trás, onde ele rasga as vestes dela, para forçar sexo com ela.

Vale lembrar que Mardeck e Hess eram casados na época. Deodato escolheu colocar a esposa do ator no filme para tentar suavizar o incômodo dele em fazer cenas de maior violência, dado que apesar dos papéis que ele faz, o sujeito era conhecido por ser dócil, amável e sensível demais.

Somente após esse ato hediondo é que o filme se apresenta, mostrando seu letreiro em cima das casas ricas e suburbanos nos arredores de Nova York.

Deodato já era conhecido por fazer filmes politicamente incorretos, mas aqui ela aumenta o grau de violência e maldade, denunciando os perigos das grandes cidades, levando sua visão niilista e pessimista dos cenários florestais para outra selva, a de concreto.

O roteiro de Gianfranco Clerici e Vincenzo Mannino aponta sua mira para a sociedade norte-americana, julgando o povo estadunidense de maneira taxativa, reduzindo os ricos a esnobes escrotos e os pobres a violentos e escravos dos seus próprios instintos.

Quando Paul Verhoeven fez as suas obras mais lembradas nos EUA - Robocop: O Policial do Futuro e Tropas Estelares - a toada poderia ser descrita como é a desse A Casa no Fundo do Parque, mas a forma de contar história era diferente.

O cineasta holandês apelava para uma violência mais exagerada no sentido de expor vísceras e por dilacerar carne, aqui a exposição apodrecida é mais ligada a alma e a escravização de corpos.

A dupla de escritores se tornou famosa por abordagens localizadas nesse mesmo ponto, ou seja, filmes italianos que se passam em Nova York. Clerici e Mannino escreveram juntos O Estripador de Nova York (1982) Nova York Cidade Violenta (1984), ambos dirigidos por Lúcio Fulci, .

A dupla também escreveu outros filmes B, como Tubarão Vermelho (1984) de Lamberto Bava. Vale lembrar que Clerici vinha de parcerias anteriores com Deodato, fazendo O Último Mundo dos Canibais e Holocausto Canibal, que é do mesmo ano, em 1980.

O filme é curto e direto ao ponto, não demora muito para mostrar que o estuprador da cena de introdução trabalha em uma oficina mecânica. Também não demora a chegar um casal rico, de postura esnobe, porém liberal.

São eles Tom (Christian Borromeo), um homem loiro e vestido a caráter, além da bela Lisa (Annie Belle), uma mulher de pele alva, que usa um vestido branco revelador. Enquanto a moça parece querer disfarçar o incômodo com os olhares de Alex, o sujeito pede ajuda para consertar um pequeno problema em seu carro.

Como agradecimento Tom convida os dois para ir a sua casa, após Alex se candidatar a isso. Então, ele e Ricky (Giovanni Lombardo Radice) e vão junto ao casal, inclusive no mesmo carro, em direção a festinha particular.

Lá os quatro se deparam com os outros convidados. Nesse ponto são mais três pessoas, Gloria, uma moça bem-humorada, que gosta de dançar e que é interpretada por Lorraine De Selle que fez algumas versões italianas de Emanuelle, a bela e magra Glenda, feita por Marie Claude Joseph) e o outro rapaz, Howard, interpretado por Gabriele Di Giulio.

Aos poucos as pessoas vão se soltando, permitindo que o álcool fale mais alto. Entre brincadeiras, danças sensuais e interações de flertes, Alex fica incomodado, por conta da visão desdenhosa que Gloria carrega em relação a Ricky.

Seu incômodo é menor do que seu apetite sexual. Ao perceber que Lisa parece estar apta a uma aproximação física, ele simplesmente a segue, observando distante a sua nudez enquanto se banha.

Até esse ponto é perceptível que havia ali uma troca de olhares esquisita, além de um flerte permissivo, uma vez que as mãos do personagem de Hess passam pelas pernas de Lisa, sem qualquer reprimenda ou reclamação. Ele estar sendo atrevido poderia ser uma questão a se discutir, fato é que ele não teve qualquer contestação pública sobre sua atitude.

Aquela é uma festa de gente total e absolutamente liberada, pelo menos no início, tendo inclusive um carteado, em meio as brincadeiras de cunho sensual.

No entanto a cena inicial não foi posta de maneira gratuita ali, obviamente. Ao se sentir menosprezado, Alex resolve retribuir a rejeição que sofreu de Lisa - que brincou com ele, mandou que ele se despisse e mal tocou em sua pele quando os dois estavam no boxe do chuveiro - com a mesma violência e agressividade dos primeiros momentos iniciais do filme.

Ele faz os rapazes e moças de reféns, cresce para cima deles e age como o macho alfa de um bando, tão vultuoso e grandioso que consegue eclipsar todos os homens ao seu redor.

Alex age como um predador tão grandioso que ludibria os adversários, mesmo estando claramente em menor número, já que eles são dois enquanto os anfitriões e amigos, são cinco.

Os dois mecânicos só têm uma arma branca e ainda assim é pequena, uma navalha que serve para aparar pelos e barba. Não há qualquer menção a revolver, pistola ou arma de fogo, eles ameaçam com uma navalha e até demoram a usar a lâmina, ferindo o rosto de Tom com um corte agressivo na bochecha no primeiro ato de violência explícita.

Depois Alex toma atitudes para ter mais vantagens e garantias contra seus cativos. Simplesmente dá uma surra em Howard na varanda, o humilha e espanca, depois o joga na piscina e terminando urinando no rapaz. A sequência é simplesmente torturante e termina com a vítima sendo levada de volta a sala de estar, para ser amarrado a parte baixa da mesa.

Obviamente que a violência para as mulheres é pior do que o descrito para os homens. A dupla força intimidade, especialmente o sujeito interpretado por Hess, que arranca roupas de baixo e expõem partes dos corpos das mulheres sem pedir, sendo completamente invasivo, sempre fazendo menção de forçar relações com elas.

Hess faz de seu Alex uma espécie de Krug evoluído, com a diferença de que o opositor de Aniversário Macabro era apenas um fugitivo, enquanto aqui ele trabalha, tem seu próprio negócio, tem lugar na sociedade civil e comete crimes inumeráveis.

Vale lembrar também que apesar de ser escolhido normalmente para fazer papéis violentos e em filmes de horror, David Hess era conhecido por ser alguém respeitador e afável, tanto que se incomodava em fazer cenas violentas, especialmente quando envolvia agressividade sexual.

Ele fazia exatamente o que os diretores pediam e fazia tão bem que acabaria trazendo isso para as suas próprias obras. 1980 ele conduziu um slasher natalino A Noite do Pavor, filme que nutre algumas semelhanças dramáticas com Sexta-Feira 13, que era do mesmo ano.

Nele se percebe as influências de Craven, Deodato e outros cineastas que conduziram o ator, mas a toada é bem menos agressiva. Pena que ele mesmo não tenha levado para a frente a carreira de diretor, sendo esse seu único filme.

Mesmo que as vítimas sejam pessoas mimadas e despreparadas é difícil crer que seriam completamente indefesas diante dos bandidos. Como Alex e Ricky não matam ninguém a princípio, ficaria fácil o revide da parte dos donos da casa, sem falar que eles conhecem os detalhes do lugar e os invasores não.

Fica claro que algo estava sendo preparado, mas a virada só ocorre bem a frente. Até se ensaia uma reação depois dos primeiros momentos de agressividade, mas é tímida.

O estuprador é mais rápido, improvisando outra arma branca com os cacos de uma garrafa de vidro quebrada e entrega na mão de Ricky o artefato. Alex é tão soberano que absolutamente todos se submetem, até mesmo Ricky, que só consegue agir se movido pelo amigo e chefe.

O personagem de Lombardo é impotente, literalmente, como se pode perceber na tentativa dele de transar com Gloria. Além de demonstrar que não tem poder de decisão, é passivo, um fantoche inútil e sem vida, que se sente exposto ao não conseguir forçar sexo com Gloria.

Deodato trata do sexo de uma maneira ainda mais agressiva do que em seu anterior, O Último Mundo dos Canibais. Curiosamente, a segunda relação sexual concretizada não ocorre com violência, ao menos não com tapas ou força na hora da penetração.

Lisa se entrega e até ocorre um tema musical, os dois se agarram e a cena corta para o final, onde ela diz que despreza o sujeito, pelo que ele é, pelo que ele tem e por como ele age.

Diante de tudo o que se discute sobre como funciona assédio sexual e o abuso, é difícil ver esse filme atualmente.

Deodato transgride normas de conduta, faz uma versão nojenta e suja de O Discreto Charme da Burguesia de Luis Buñuel, culpando os homens "simples" por seus impulsos sexuais, mostrando-os como selvagens, enquanto julga os abastados como esnobes e fracos.

Aos ricos, resta para as mulheres papéis exibicionistas e indóceis, enquanto os homens são castrados e incapazes, reféns de seus parcos planos. São capazes até de bolar traquitanas e armadilhas para Alex e Ricky, mas sem qualquer garantia de integridade física e sexual.

Para aumentar o suspense, chega uma outra pessoa, no caso, Cindy (Brigitte Petronio). Mesmo atrasada, ela não deixa de ser uma vítima. Alex a despe, cortando sua blusa branca delicadamente, ao passo que a montagem de Vincenzo Tomassi coloca Ricky e Gloria finalmente se entendendo, com ela voluntariamente se entregando, ainda que faça isso por ter pena dele, depois que ele assume que não quer machucá-la.

O texto foge de maniqueísmos, mostrando um vilão frágil e que no auge da violência, não consegue esconder seu lado doce. Ao mesmo tempo, lembra que a crueldade do homem segue viva, já que Alex canta enquanto despe sua possível terceira vítima.

Alex fatia a blusa de Cindy, que além de menina ainda é virgem, ao menos segundo o que ele acha. Ele passa a lâmina afiada sobre a pele dela, ensaia que vai cortar a garota, apenas suspirando, nervosa, mas sem ter grandes reações.

Nem mesmo Ricky consegue impedi-lo, nem mesmo quando cita o caso criminoso que seu amigo protagonizou. O sujeito acaba ferindo mortalmente o amigo, em um movimento que aparentou ser acidental.

Alex é tão descontrolado e descompensado que não fica exatamente o claro o que ele fez e qual foi sua intenção. Ele lamenta o ferimento do camarada, mas é incapaz de assumir que errou, culpando a vítima pela aproximação, em mais uma demonstração ególatra de sua parte, sendo assim um homem tão condenável nesse sentido quanto aqueles que ele acusa.

O único momento em que demonstra humanidade é quando percebe o tamanho da ferida em seu aliado. Ricky é a única pessoa por quem ele nutre algo bom, e é assim basicamente por ele ser homem.

O vilão é a perfeita síntese da misoginia, uma vez que se julga superior por conta do falo. Seu desprezo pelas mulheres que violenta denuncia isso. Ele só odeia os homens quando eles agem como fracos, como passivos, quando agem como seres femininos - aos olhos machistas dele - quando os homens agem "como mulheres", Alex os despreza.

O filme ainda ironiza o personagem ao permitir uma reviravolta conduzida por Tom, revelando o parentesco dele com a moça violada no início do filme e o plano completamente torto e imbecil que ele fez, permitindo ser agredido, pondo em risco a vida de todos os seus amigos, só para cumprir uma vingança.

Apesar do plano não fazer sentido, a escolha por um tiro emasculador no vilão é um artifício esperto, agressivo na medida. Hess não é um ator cheio de dons dramáticos, mas todos os momentos posteriores a viradas mostram alguém que sabe interpretar um sujeito que perdeu tudo.

A Casa do Fundo do Parque não é uma obra para todos os públicos, deve ser apreciado com ressalvas especialmente com pessoas mais sensíveis. Há quem defenda que a abordagem é reacionária, mas também não há como negar que ele propõe reflexões sobre a violência da sociedade ocidental do século XX, ao demonstrar e desnudar a ineficiência das autoridades em proteger seus cidadãos e os seus filhos. Deodato as condena, as trata como inaptas, reduzindo a reação dos flagelados a vingança, mostrando que mesmo ao fazer isso, não há plenitude ou preenchimento de quaisquer carências. Resta a desolação e desesperança, sensações bem resumidas e capturadas pelo modo como o filme é conduzido.