O Monstro do Pântano, a obscura adaptação de quadrinhos por Wes Craven

O Monstro do Pântano é um longa-metragem de 1982, uma produção B que mistura elementos de terror e fantasia. Seu lançamento se deu em uma época em que poucas adaptações de quadrinhos iam para o cinema, sendo a maioria de qualidade bem discutível. Coube a  Wes Craven, especialista em produções baratas e assustadoras fazer a direção desta versão, contando a história de origem do personagem criado por Len Wein.

A trama mostra o cientista Alec Holland, personagem de Ray Wise, que anos mais tarde ficaria famoso pela onírica série de David Lynch, a misteriosa Twin Peaks, fora outras participações como um dos bandidos de Robocop de Paul Verhoeven. Aqui, ele faz um amante da ciência, que faz experimentos que misturam o DNA de plantas com os de animais.

Há uma boa mistura de clichês de horror com os chavões de obras mais comerciais de ação dos anos oitenta, uma vez que o esforço da criação da tal formula de mistura de células é acompanhada por um grupo de militares, obviamente evocando a paranoia da Guerra Fria e a sombra de um país governado pelo republicano e conservador Ronald Reagan.

As ações dos militares não visam só monitorar o trabalho dos cientistas, mas também passam pela ganância, já que cabe a eles o primeiro papel de vilania. O roteiro de Craven coloca esse grupo de homens armados como traidores, como gente capaz de tentar vender o trabalho de terceiros para quem tivesse disposição e dinheiro para os subornar, e é de fato isso que causa o furor e o consequente acidente que transforma Alec.

O filme mostra esse tipo de ação como algo comum, uma clara crítica ao modo de vida americano e a intervenção do governo em ações bem intencionadas, mas essa condição mais séria tem uma qualidade discutível, já que não se reflete muito a respeito das consequências desses atos.

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As cenas de ação são fracas, tão mal elaboradas que lembram momentos de Chapolim Colorado e até da trupe brasileira Os Trapalhões. Fora isso, as atuações são caricatas, Wise está mal, assim como Adrienne Barbeau, que faz Alice Cable, o interesse romântico do doutor.

A  atriz famosa por obras de John Carpenter como Bruma Assassina e Fuga De Nova York está lá basicamente para ser um colírio para os olhos, protagonizando até cenas de nude, em versões lançadas no mercado europeu de home video.

Curiosamente, nas versões disponibilizadas nos cinemas e em mídias físicas, ela está sempre vestida, o que faz crer que dentro do contrato da atriz, se proibia a veiculação de imagens dela nua em exibições caseiras.

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As cenas com a criatura monstruosa também são  tímidas. O trabalho do intérprete e dublê Dick Durock é ínfimo em matéria de tempo de tela, por culpa do traje que fizeram para ele, que se dissolvia ao ter contato com a acidez da água pantanosa.

Curiosamente, Wise foi dispensado depois que seu personagem se transforma na Coisa. Por conta do custo, só fizeram uma roupa, em tamanho grande já que Durock era bastante alto.

Sem uma versão menor, o ator não precisou ficar no set, e as partes onde se exigia uma maior dramaticidade do monstro, são feitas por um dublê, que além de tudo, tinha dificuldades de locomoção nas partes em que deveria causar sustos e medos.

A produção foi bastante conturbada. Craven em sua biografia reclama da inexperiência dos produtores Benjamin Melniker e Michael E. Uslan,. Ele afirma que ambos tinham boas intenções, mas não tinham condições de prover tranquilidade ao cineasta. O orçamento havia sido mal cuidado, e o custo disponível para a obra foi gradativamente sendo reduzido conforme ocorriam as filmagens.

O quadro ainda pioraria na pós produção, já que a MGM comprou o estúdio United Artists, e por não levar fé na produção,  reduziu bastante a divulgação e distribuição em salas de cinema quando o filme finalmente ficou pronto.

O lançamento do longa, mesmo fracassando em crítica e público, animou o criador do personagem Len Wein, que insistiu junto a DC Comics em relançar a revista do Monstro do Pântano, fato que depois resultou na fase áurea do personagem com o escritor Alan Moore.

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Ao menos isso serviu de consolo. Para Craven não houve nenhuma boa notícia, já que O Monstro do Pântano era a esperança de passaporte para um cinema mais popular e com orçamento maior, mas não deu certo, nem mesmo com a diminuição da violência e a entrada em uma classificação indicativa mais baixa.

Como experiência, o diretor percebeu que a melhor forma de mostrar um personagem monstruoso e maquiado, é a noite. Isso certamente o ajudou a conceber o assassino Freddy Kruger em A Hora do Pesadelo, como um monstro que ataca acompanhado da escuridão e de névoa, que além de esconder fragilidades visuais, também ajudava a fomentar a ideia de um ser monstro onírico atacando gente vulnerável.

Outro aspecto aprendido nesta produção, é que não era de bom tom que a personagem feminina fosse tão estúpida e estabanada, tanto que a Nancy do filme de 1984 é  bem menos tola que Cable. Esse aliás é outro aspecto que possivelmente ajudou o filme a não fazer sucesso: a infidelidade com os quadrinhos.

Mathew Cable era um personagem masculino nas HQs, e foi transformado em Alice. Curiosamente, o outro interesse amoroso de Holland está no filme, como sua irmã Linda. Isso produz outro momento estranho, já que a última cena de Nanette Brown envolve um olhar lascivo dela para o personagem de Wise. Sendo eles irmãos, fica a dúvida se o cineasta resolveu colocar uma pequena pista de relação incestuosa aqui, fato que seria controverso, claro, mas seria uma boa ousadia do criador de Quadrilha dos Sádicos.

Outro aspecto dos quadrinhos traduzido aqui é o vilão Arcane, arqui inimigo do personagem central que foi transformado em um ganancioso militar, enquanto nos gibis era um feiticeiro, criador de monstros.

A mudança não chega a ser negativa, já que dá chances da Louis Jordan de fazer um personagem canastrão e super caricato, mas a participação mais espiritual do antagonista reside apenas em pequenos elementos visuais, presentes nos momentos finais do filme, nas masmorras e aposentos onde o personagem habita.

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O ator francês vinha de bons trabalhos, poucos anos antes fez o vampiro imortal no elogiado telefilme Conde Drácula da BBC, e mais tarde faria o vilão de  007 Contra Octopussy.

A introdução dele se dá em uma cena onde ele tira uma máscara muito realista, fazendo-o parecer mesmo um vilão do espião James Bond. Arcane figia financiar o trabalho de Holland, mas também não hesita em revelar seu plano de modo expositivo, como bom vilão de desenho animado que é em essência.

Um ardil  tão repleto de detalhes mirabolantes precisava mesmo ser revelado como foi, com pompa e clichês. Todas as falas e discursos dele são expositivos, aparentemente, aparentemente só Jordan notou o caráter involuntariamente humorístico da obra, resolvendo então fazer uma auto paródia de antagonista de histórias em quadrinhos.

Tecnicamente o filme é pobre, a fotografia de Robie Greenberg, não acrescenta nada de sombrio a atmosfera. Sendo o cenário básico o pântano, há pouca sujeira e lodo. Acaba lembrando mais um Sexta-Feira 13 por conta da música original do mesmo compositor, Harry Mandredini, do que com Coração Satânico, filme de cenário e atmosfera semelhante aos quadrinhos do Monstro do Pântano.

Um dos diferenciais positivos são os cenário dos laboratórios, repletos do soro verde de aspecto fosforescente para as fórmulas que modificam as plantas. Esse visual seria retomado em Re-Animator: A Hora dos Mortos Vivos, de Stuart Gordon, esse sim um clássico do cinema trash norte-americano.

Craven tenta disfarçar o despropósito de sua obra com signos que ajudam a produção a lembrar sucessos contemporâneo, vestindo o soldado que David Hess interpreta como o protagonista de Rambo: Programado Para Matar. Seu monstro também tenta imitar outra criatura famosa, como o Hulk de Lou Ferrigno da série de 1978 Incrível Hulk, mas essas tentativas também não garantiram a obra qualquer aspecto memorável.

Nem mesmo os embates de criaturas monstruosas no final ajuda a salvar o filme de estar na faixa abaixo da mediocridade, e Craven teria que aguardar um pouco mais para ganhar popularidade no cinema mais comercial, o que é uma pena, já que nem o diretor e nem o personagem mereciam resultar em um filme tão mal concebido como esse O Monstro do Pântano.

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