Dia da Mentira é um filme de horror da primeira década dos anos 2000, mas que se vale de clichês de terror antigos, além de trazer alguns novos, típicos de sua própria época. Esse é um produto feito direto para o mercado de video, lançado em 2008 dirigido por Mitchell Altieri e Phil Flores, que assinam como The Butcher Brothers e que refilma a história de A Noite das Brincadeiras Mortais, com temperos de séries adolescentes famosas.
O longa-metragem é parte de um quase movimento, conhecido como "remakes sombrios". Esse é um estilo de filmes que ficou famoso a partir de O Massacre da Serra Elétrica de Marcus Nispel, consistia basicamente em pegar uma obra famosa do terror, exagerar na violência, isentar ela de cores vivas, para assim preparar a obra para uma nova plateia, acostumada a outro tipo de abordagem seja em cinema, televisão etc. Aqui os Butcher Brothers ainda fazem um aceno aos seriados juvenis da primeira década do século XXI, lembrando os programas protagonizados por adolescentes herdeiros de famílias ricas, em um estilo que mistura Barrados no Baile, Gossip Girl: A Garota do Blog e até um pouco do futuro Pretty Little Liars.
Em algum ponto do projeto, ele seria uma refilmagem mais engraçada e cômica, tal qua foi A Noite das Brincadeiras Mortais, mas pouco antes de ser rodado, foi reescrito por Altieri, Flores e por Mikey Wigart para ter um estilo e caráter mais exagerado e gritado, com um enfoque considerável a exploração midiática via internet. Basicamente ele previu não só a onda de exposição de intimidade na internet como a moda de horror que se vale de aspectos on-line para assustar, como foi com Amizade Desfeita, Buscando... ou com o recente O Jogo da Morte.
O filme foi produzido por Frank Mancuso Jr., o mesmo do filme original e também das franquias Sexta-Feira 13 e A Experiência. Tem como produtora associada Jennifer Nieves Gordon de Eu Sei Quem me Matou e A Experiência 4: O Despertar.
Foi feito pelos estúdios Stage 6 Films e 360 Pictures, distribuído pela Sony Pictures Home Entertainment. Suas filmagens ocorreram na Carolina do Norte, entre Monroe e Charlotte.
O nome original da obra é April Fool's Day, mesmo título do clássico de 1986. Ele recebeu o nome A Noite das Brincadeiras Mortais quando passou na Tv à cabo brasileira. No estrangeiro é encontrado eventualmente com Dia de Los Inocentes, Avril Sanglant, Scherzo Letale na Itália. É chamado de Abril Sangrento em Portugal.
Os diretores fizeram juntos Anjos da Morte, depois The Violent Kind e The Thompsons. Altieri fez Raised by Wolves, The Night Watchmen, Star Light e Broken Ties. Flores dirigiu pouco fora da dupla, mas virou produtor de A Beginner's Guide to Snuff e a série Knightfall: A Guerra do Santo Graal.
Já Wigart tem um portfólio curioso, já que escreveu esse script, baseado em partes no texto no original de Danilo Bach, mas não trabalhou mais na área, voltando a ter créditos de produtor de efeitos visuais no filme de horror Clown de Jon Watts.
Por mais que a ideia dessa versão seja menos cômica que a anterior, é inegável que há uma atmosfera estranha nesse, que é tão absurda que causa risos involuntários. Certamente o espectador que for ver esse filme o considerará esquisito e cringe.
A trama inicia na mansão dos Cartier, onde Desiree e Blaine aguardam seus convidados. Ela é interpretada por Taylor Cole (Substitutos e 12 Rounds), e se apresenta como uma espécie de mean girl, termo esse baseado nos clichês da comedia Meninas Malvadas.
Apesar de parecer alguém de perfil sério e sedutor - afinal é uma mulher dentro dos padrões de beleza - também é mostrada como alguém capaz de gastar seu tempo livre com várias pegadinhas, fazendo isso unicamente para ter o prazer humilhar as pessoas, mesmo que a vítima jamais tenha dado qualquer motivo.
Já Blaine é feito por Josh Henderson (de Ela Dança, Eu Danço), é um rapaz que cometeu alguns erros quando jovem, fato que o deixou com má fama na vizinhança, mas não o suficiente para não ser respeitado e temido por todos.
Os irmãos são chamados de Os Kennedy da Carolina do Norte, tem prestígio, fama e vivem sem os parentes, sejam pais, tios, avós ou qualquer outro que o valha. São cercados apenas por empregados e mordomos, além dos amigos e conhecidos, claro.
Há nessa obra uma grande influência do thriller erótico Segunda Intenções de Roger Kumble, especialmente na tensão sexual incestuosa dos irmãos protagonistas. No entanto, essa interação é dada de maneira mais subliminar, ao contrário do resto da trama, que é toda expositiva.
Não há figuras paternas também com os amigos dos Cartier. No caso de Blaine e Desiree é dado que eles são órfãos, tanto que disputam o dinheiro da herança familiar, com o irmão cuidando do dinheiro, ao menos até a primeira parte da história, mas o resto dos personagens não tem qualquer justificativa para isso.
Ausência paterna é um dos temas normalmente abordados no horror infanto-juvenil, mas Dia da Mentira exagera ainda mais nisso, chama tanta atenção para esse aspecto que faz parecer que é proposital.
Desiree (ou Des, para os intímos) e Blaine são tratados como pessoas inconsequentes e mimadas, quase cruéis, especialmente quando lidam com colegas fora da panelinha deles. Os dois contaminam os seus amigos próximos, que são tão malvados quanto eles, ainda que pareçam mais preocupados em disfarçar as próprias falhas de caráter, afinal, não tem costas quentes tão pujantes quanto a da família Cartier.
O ponto de partida da trama é o primeiro de abril, que também é a festa de aniversário de quinze anos de uma das amigas deles Torrance Caldwell (Scout Taylor-Compton). Os protagonistas cedem a sua mansão para a festa, sendo assim bastante próximos da debutante e de sua família.
O festejo é uma boa desculpa para apresentar os outros personagens, entre eles há o obtuso e ignorante candidato a político Peter, feito por Samuel Child, que parece ter sérios problemas mentais. Também há a Miss Carolina do Norte Barbie, que é a esposa do rapaz citado interpretada por Jennifer Siebel, além do jovem Ryan, um aspirante a cineasta que passa o seu tempo livre filmando tudo, interpretado por Joe Egender.
Corre ao redor desses o colunista de fofoca Charles Lasnford, personagem de Joseph McKelheer, um garoto homossexual, superafetado e caricatural, que tem um blog de fofoca que imita deliberadamente o que era já comum na série Gossip Girl.
O departamento de figurinos deu a cada protagonista feminina uma cor que dominante no figurino. O vermelho é a identidade visual de Desiree. O seu quarto é vermelho, seu carro, suas roupas e seu celular também. Isso serve para estabelecer ela como a Dama Fatal, ao menos no início, já que depois que passa o início do filme, ela muda radicalmente de postura, inclusive trocando a cor de predomínio.
Já Barbie se veste de rosa supostamente por confiar em sua feminilidade e sexualidade como rainha de concurso. Torrance começa com o branco, pois ela é pura e inocente e eventualmente usa roupas negras, ao se revelar como o oposto do que esperavam.
A tal festa reúne a nata, a elite econômica da Carolina do Norte, embora pareça uma "festa americana" comum, com jovens bebendo - mesmo sem ter idade para tal - utilizando aqueles copos de plástico, de cor vermelha e borda branca. Esses aparecem normalmente à beira de uma piscina, enquanto brincam e se divertem, ouvindo música alta.
Chega a ser estranho o choque de mundos, já que em alguns trechos essa parece uma festa de gala e em outros é algo mais popular, mais comum a tantas e tantas comédias adolescentes.
É tudo bem estranho, especialmente por que fora uma ou outra exceção, os personagens citados parecem muito ricos, enquanto todos os outros pertencem a "castas inferiores". Em uma história realista esses universos jamais estariam convivendo juntos.
Os membros dessa microelite trocam farpas, falam mal um do outro, especialmente pelas costas, mas maioria dos comentários espinhosos vão na direção de Milan Hasting, personagem de Sabrina Ann Aldridge.
Entre conversas insuportáveis a respeito do cotidiano burguesinho dos personagens, ocorre a explicação sobre um dos golpes/brincadeiras de Des, que visava provocar constrangimento em Milan, basicamente por ela ter ousado ofuscar a "protagonista" do filme, sendo uma pessoa boa de coração e dada a filantropias.
Ela é uma pessoa inconsequente, cuja característica maior é a língua afiada, ferina e venenosa que possui, mas as suas atitudes dizem mais sobre ela do que os boatos que propaga. As pegadinhas que faz são mais pesadas que qualquer de seus boatos.
Milan já era alvo de ofensas e maledicências de Desiree, mas a moça achava pouco. Queria destruir a imagem de socialite filantropa, para isso ela tenta usar Lansford, que imediatamente aceita a proposta, mostrando-se tão baixo quanto a moça.
A armação seria um vazamento de vídeo, que Des monta com seu irmão. Blaine deveria seduzir Milan, mandar ela tomar uma bebida batizada, para conseguir filmar os dois transando.
É estranho por conta de ela tentar chantagear o irmão, mas Blaine não deve nada a ela, não faz muito sentido ele abraçar essa ideia, até por verbalizar várias vezes que acha isso crueldade. Ou há algo que o roteiro não mostra, ou é cínico ou acredita que ela cederá algo para ele, ou seja, fica implícito um desejo incestuoso aqui.
A pegadinha dá muito errado, especialmente depois que Milan toma a tal bebida estranha. Ela parece estar dopada, cambaleia ao tentar sair do cômodo, cai de andar, em cima do grande bolo e acaba morrendo.
Ocorre então um salto temporal, que inicia então em um tribunal, onde se toma uma decisão estranhíssima, dando a Desiree o cuidado da herança do Cartier, já que seu irmão cometeu um ato ilícito, sendo culpado por ter ministrado o hormônio de Cinderela a moça que morreu.
Ele também foi culpado por conduta sexual imprópria.
A trama avança um ano, novamente no dia dos tolos. Imediatamente depois aparece Charles sendo atacado, fingem que Fety, seu Chihuahuacaiu na piscina de sua casa.
As pessoas envolvidas recebem convites, semelhante à o que ocorreu em Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado. Essas não são exatamente cartas de ameaça, mas tanto Blaine, quanto Des, Torrance, Ryan, Barbie e Peter ganham alguma, depois se reúnem no túmulo dela, recebem enfim uma encomenda, dada ali por um entregador contratado.
A lápide de Milan tem uma data curiosa, já que ela teria nascido em 1986, o ano em que o filme de Fred Walton lançado. Esses acenos são legais, mas parecem gratuitos, tentativas bobas de disfarçar a dificuldade do filme em se sustentar.
As atuações são todas péssimas, exageradas. No elenco não há nenhum nome super conhecido, é difícil até encontrar o que eles fizeram, no entanto, parece que a ideia era parecer exagerado mesmo, como uma paródia de filme de horror teenager.
No aviso dado aos sobreviventes há o anúncio de que o verdadeiro culpado pela morte de Hasting deveria assumir sua culpa, se não um a um morreria. É nesse ponto eles recebem uma gravação de Charles se afogando, primeiro acham que é uma brincadeira, depois vão verificar a casa do rapaz, que é encontrado boiando morto.
A cena é boa demais, quase tão afetada quanto o momento em que ele caiu na água. O ator está maquiado de um jeito que é claramente falso, ainda termina de maneira engraçada, por conta da reação desesperada do cachorro do defunto.
Dada a revelação no final, há como dizer que o animalzinho é um dos melhores atores aqui.
Acontecem vários sustos, alguns reais, como quando Barbie é eletrocutada e depois some, outros que só visam enganar o público, como a cena em que Torrance está filmando um filme de horror, onde é esfaqueada, tal qual Marion Crane em Psicose.
Os irmãos Butcher sempre deixam claro que a dualidade faz parte da equação. Toda informação dada é posta em cheque.
Falaremos sobre o final, portanto, avisamos que daremos spoilers.
Os personagens são superficiais e tem pouca caracterização além da função ou trabalho que exercem, é difícil criar qualquer ligação emocional com eles e isso se torna algo charmoso, incrivelmente, já que os jovens adultos que aparecem são tão dignos de pena que causam curiosidade em quem está vendo, possivelmente em um efeito parecido com o fascínio fofoqueiro que os espectadores de reality show tem com os programas de confinamento em geral ou a simples constatação da curiosidade mórbida que populares tem em ver um acidente.
É algo tão desastroso que chama a atenção, tornando a apreciações desses dramas em algo divertido.
A promessa de queda de todos enfim ocorre, alguns perecem com mortes bem elaboradas e gráficas, mas fica a sensação insistente de que é tudo armação, de que algum dos irmãos Cartier está pregando uma peça, armando as mortes.
O final não poderia ser mais óbvio, já que há uma tentativa de virada, de plot twist com o tal chantageador e assassino sendo apenas um ardil, que se valeu de vários detalhes, como a produção do filme de horror que Torrance filmava, além de balas de festim, maquiagem para os ferimentos.
A solução final é tosca, atrapalhada, é séria, mas é levada de forma tão galhofeira que é impossível não cair em uma comicidade involuntária. É bem natural que o público ria de nervoso, mas também é possível que ele se divirta com o montante de absurdos apresentados.
Dia da Mentira acerta em não ser uma cópia do primeiro, mas também não inova muito. Tem uma boa construção de personagens, sobretudo com o cínico Charles, e é até bem-feito se comparado aos pares de filmes direto para o mercado de vídeo, mas está longe de ter a inventividade do filme de 1986. É um filme medíocre e que sabe muito bem o que é e que é feliz com isso.
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