Malvado, o Horror no Natal é um lançamento desse mês de dezembro de 2023 no Brasil, que aproveita o ensejo festeiro para trazer uma obra de baixo orçamento que mistura terror e humor. Dirigido Steven LaMorte, o longa-metragem se destaca especialmente por se basear (livremente) no icônico How the Grinch Stole Christmas!, livro infantil publicado em 1957 e escrita pelo lendário Dr. Seuss.
Tal qual ocorre no livreto, essa é uma história sobre uma criatura mal-humorada e que odeia o Natal que estraga o feriado de uma pequena cidade. Essa é a terceira adaptação de material original do Dr. Seuss que não é produzida pela Illumination e nem distribuída pela Universal Pictures, assim como foi com Horton e o Mundo dos Quem! de 2008 e Ovos Verdes e Presuntos de 2019. É também o primeiro produto que não é feito para crianças e o primeiro em que o personagem de fato mata alguém.
Produzido pelos estúdios Sleight of Hand Productions, distribuído pela A2 Filmes no Brasil e pela Atlas Distribution Company nos Estados Unidos, a trama se passa em pacata cidade montanhosa, onde Cindy tem seus pais assassinados e seu natal "roubado", por uma figura assassina, de pelugem alta e verde.
Essa monstruosidade usa um traje vermelho, semelhante ao do Papai Noel, se assemelha demais ao Grinch, especialmente o feito por Jim Carrey no filme O Grinch de Ron Howard. Embora esse nome não seja citado em momento algum, possivelmente graças a questões de direitos autorais, é fato que ele é o Grinch.
A trama ainda mostra um retorno da personagem já adulta para a cidade e depois disso ainda ocorre mais uma onda de mortes. A intenção é fazer paralelos com histórias de Filmes de Matança, ou Slasher Movies, embora os motivos para as mortes não tenham necessariamente a ver com nudez, referência a sexo ou drogas e sim a sinais ligados a tal Noite Feliz.
O título original do filme é The Mean One e foi retirado de uma canção original usada no especial animado de TV de 1966, Como o Grinch Roubou o Natal. Essa alcunha acompanha o filme na maior parte dos países, que ou usam ela ou variações semelhantes, como Mean One. Os países latinos foram os responsáveis pelas variações mais criativas, como Gri!@#: Un siniestro cuento de Navidad na Argentina, Navidad Sangrienta na Colômbia, Un siniestro cuento de Navidad no Peru.
A direção e argumento ficaram a cargo de Steven LaMorte, dos curtas Memory Lane e The Witching Hour. Seu trabalho mais mainstream foi o curta "fanfilm" das Meninas Superpoderosas, Powerpuff Girls: The Long Way Back.
O roteiro é da dupla Flip Kober, da animação O Rei Leão 2: O Reino de Simba e Finn Kobler de Food for Thought. O filme conta em seu elenco com nomes como os de David Howard Thornton, que é conhecido pelos bons filmes de horror Terrifier e Terrifier 2, além da série Gotham. Também tem em seu elenco e Krystle Martin, dublê e acrobata de diversas séries e filmes, como em American Horror Stories e Maligno, de James Wan.
Os produtores foram LaMorte, Martine Melloul (Uma Paixão Roubada) e Amy Schumacher, que é atriz, está no elenco do filme e produziu a minissérie Nithwatch. Os produtores executivos são Jordan Rosner, Gato Scatena e Zach Stampone.
A partir daqui falaremos sobre eventos do filme, ou seja, poderá conter spoilers leves.
A trama inicia com uma tomada aérea meio enganosa, já que a impressão é de que a história vai ocorrer na montanha, como foram nas outras adaptações de O Grinch, mas não, a cidade que recebe a trama é plana.
A tomada de drone é consideravelmente bonita, mas logo o registro vai até a parte baixa do mapa, para a cidade de Newville, acompanhado de uma música natalina, com palavras ditas pelo narrador Christopher Sanders de maneira rimada, tal qual era o comum no conto de Dr. Seuss.
Logo aparece a casa de Cindy, interpretada por Saphina Chanadet. Ela conversa com um homem de vermelho, que entra em sua casa, alegremente, até que sua mãe (Tina Van Berk) interfere, por enxergar nele uma monstruosidade.
Esse encontro termina de maneira trágica, com a mulher morrendo depois de cair em um espeto de um boneco quebra nozes. A pequena Cindy imita a mãe e chama o sujeito de monstro, mesmo que mal dê para enxergar com quem ou o que ela interagia.
Quando a trama vai para o presente, passa a acompanhar Cindy já adulta, interpretada por Martin. Ela retorna a Newville, justamente no natal, tal qual o seu terapeuta indicou.
A partir daí começa uma trama desimportante, que envolve o pai da moça, que tenta incentivar ela a superar seu trauma e seguir em frente, além de alguns acenos a hipocrisia geral da sociedade ocidental, como a trama da prefeita McBean (Schumacher) da cidade, que tem um conluio criminoso com o xerife.
Os personagens são todos arquetípicos e desimportantes, mesmo os que tem tempo de tela, como o detetive recém-chegado a cidade, Burke, de Chase Mullins. Ele se interessa imediatamente pela protagonista, mostra interesse amoroso nela desde a primeira vez que eles trocam olhares.
O começo do filme não se difere muito dos filmes B da companhia ITN, produções essa de qualidade bastante duvidosa, com filmagens semiamadoras e atuações que beiram o ridículo. É inegável que há semelhanças visuais com a trasheira Krampus: O Justiceiro do Mal, mas esse parece ter mais propósito, mais verba e mais objetivo, já que a ação se encaminha para uma violência ultra bizarra cedo, com menos de 15 minutos.
Enquanto tenta se reerguer em sua nova rotina, Cindy e seu pai preparam os enfeites para o natal. LaMorte filma a personagem retirando o lixo, justamente em um trecho onde ocorre um ataque. A impressão que fica é que a produção quis referenciar a icônica e memética cena de Natal Sangrento 2, onde o protagonista mata um sujeito, falando de maneira caricata a frase em inglês Garbage Day.
Não fica claro se foi uma citação, mas é fato que o ataque ocorreu justamente nos preparativos para a festa do dia 25, enquanto o pai da moça colocava as luzes piscantes na parte alta do cômodo.
Dentro da casa fica um breu imediato, como em uma queda de energia e do lado de fora se ouvem golpes secos e gritos sufocados. O pai de Cindy é executado sem qualquer cerimônia.
A produção tenta parecer espertinha, brincando com o duplo sentido, já que a próxima cena se dá com Cindy acordando, berrando de medo. Era para parecer um sonho, mas ela estava em um hospital e não em casa. Poderia ser apenas um devaneio de alguém mentalmente insana, mas não, ela de fato viveu aquilo.
Agora ela tem que lidar com novas crises emocionais, com um novo capítulo traumático de sua vida, podendo ainda ser uma suspeita, já que não há qualquer vestígio de que um invasor entrou ali.
Lendo assim parece que a trama vai se encaminhar algo mais sério e elaborado, no entanto, isso não ocorre, nem sequer arranha essa possibilidade.
O que ocorre de fato é a exploração de um gaslighting, já que a moça é tratada como louca, por afirmar que foi um monstro que matou seu pai. No entanto, Martin peca na dramaticidade, ou na falta dela, para ser mais exata.
Como ela tem pouca experiência como atriz, fica bem claro o erro de escalação, especialmente nesses trechos, onde o roteiro exige mais talento de atuação. Curiosamente, as cenas que exigem trabalho de brigas, acrobacias e afins ela acerta bastante.
Nem a perda de um segundo parente parece ter abalado a moça. Cindy segue na cidade, tenta relaxar na floresta e não verte uma lágrima para o seu pai falecido.
O intuito de superar o trauma pelo visto é maior que a nova perda e é nesse interim que ela testemunha um ataque a uma mulher desconhecida, onde dá para ver o vilão interpretado por Howard Thornton com mais detalhes.
A direção de fotografia que Christopher Sheffield faz é bastante estranha, especialmente quando precisa mostrar seu personagem título. Usam filtros, possivelmente para disfarçar a maquiagem utilizada no monstro.
LaMorte não é criativo, filma as primeiras cenas de assassinatos de maneira genérica. Ele poderia valorizar o desempenho físico de Thornton, mas pouco faz isso, seus planos são muito básicos e seu filme carece de um cuidado mais cinematográfico. Em alguns pontos, parece um piloto de série de TV que não foi aprovado.
Como ele filma mal, os massacres protagonizados pelo grinch não tem peso, volume ou importância. A introdução dele é fraca e sem força, já os efeitos digitais são irregulares, bons em alguns pontos, ruins na maioria das vezes.
No entanto, o uso porco de CGI não é exatamente o maior pecado do mundo nesse tipo de exploração temática. O espectador que para e assiste uma obra como essa, normalmente espera inserções digitais ainda mais porcas.
O que realmente incomoda é a tentativa de imitar grandes sucessos, mas sem o cuidado devido. David Howard já mostrou algumas vezes do que é capaz, em Terrifier ele está maravilhoso, mesmo que o longa-metragem não tenha um grande roteiro.
Aqui ele tem físico, tem presença, tem uma fantasia que funciona em algumas cenas, mas acaba parecendo algo pobre, uma emulação barata do que Jim Carrey fez na versão infantil de 2000.
Um senhor aparece para interferir na jornada de Cindy e com esse ingresso, o filme melhora consideravelmente.
O sujeito é interpretado por John Bigham de Anjo Perigoso. Ele lembra visualmente o Papai Noel, mas seu nome creditado é Doc Zeus, em referência clara ao escritor infantil, responsável pelos romances Lorax, Como o Grinch roubou o natal e O Gato Com Chapéu.
Existem várias referências aos livros do Dr. Seuss aliás, k restaurante se chama Horton's, em atenção a Horton e o Mundo dos Quem, o personagem citado tem o nome que rima com o do autor, além disso, há uma cena onde um homem bebe de uma garrafa chamada Geisel's, que é referência ao verdadeiro nome do escritor Theodore Seuss Geisel.
No entanto, o senhor é apenas alguém com passado trágico, que ficou viúvo, graças ao Mean One, ao tal assassino de cor verde, que na tradução, era chamado de Malvado.
O acréscimo de Doc faz o quadro melhorar, mas até esse senhor é ignorado pelo xerife Hooper (Erik Baker), fica claro então que não é apenas misoginia ou a crença de que a mulher não é confiável. A autoridade policial parece ter um motivo para não acreditar na existência desse ser.
A trama no geral é bem linear, mas essa parte consegue ser intrincada e interessante, já que deixa claro que há algum interesse escuso comprometendo a coisa toda. Só Burke quer colaborar, mas também por segundas intenções, uma vez que se interessa pela mocinha.
As melhores sacadas do filme são quando ele não se leva a sério. Exemplo disso é que Cindy resolve se preparar para o enfrentamento ao Malvado.
Ela começa a fazer um treinamento de luta bizarro, que envolve até trilha rock baseada em hino natalino e uma preparação física que envolve fazer flexões, abdominais, bater em um saco de areia com roupa de Papai Noel, uso de barras de caramelo afiadas como facas ninjas e claro, instrução de tiros.
Como ela conseguiu fazer tudo isso em uma cidade pacata logo após seu pai morrer? Não se sabe, mas como é um trecho ótimo, não há muito como reclamar.
A grande questão é que o filme não desapega da trama mais séria, ainda insiste em colocar a candidata à reeleição tentando acobertar os assassinatos, que cada vez mais se avolumam.
Até Hooper desiste dela, mas ela segue na ideia de imitar o prefeito de Tubarão, negando o óbvio, deixando de lado a questão de mortes da cidade que fica impossível de ignorar. Ela se torna um alvo irresistível, para surpresa de ninguém, é acertada para que o espectador tenha algum nível de prazer.
O delegado faz uma revelação no final. Ele sabia de tudo e mantinha o monstro alimentado, dava cabras com enfeites natalinos, para que a criatura não importunasse a população. O pai de Cindy morreu graças as luzes e pistões, virou um alvo por conta disso, mas em momento nenhum do filme foi mostrado que os outros residentes não comemoravam as festas de fim de ano. É tudo tão cretino e tão torto que acaba sendo maravilhoso, de tão cara de pau.
Todas as partes chatas são compensadas com o conflito final, que resulta na armadilha que Cindy e Doc fazem a criatura, apontando para o monstro um rifle sniper e uma espingarda alvirrubra, decorada como uma barra doce.
Esse é um grande momento, que brevemente perde a forca graças a revelação do motivo dele ter se tornado vilão e o consequente perdão de Cindy, que entende que sua mãe morreu acidentalmente.
Ao menos ele morre com o coração grande, em atenção ao "mito" de Seuss. Seu coração explodiu e Melville voltou a ter natal e a lenda dele se espalhou pelo mundo, com imagens virais que tornaram o lugar em algo turístico.
Malvado, o Horror no Natal é uma obra de qualidade irregular, que erra ao esticar sua parte mais séria, mas acerta no tom de absurdo e na violência bem demonstrada. Fica ao lado de Ursinho Pooh Sangue e Mel como uma obra que perverte um conto infantil, voltando ele para a arquitetura do medo de maneira galhofeira. Caso fosse uma comédia rasgada e não tivesse receio de mostrar seu vilão, certamente teria mais acertos e claro, mais impacto. Certamente há potencial para novas sequências, embora até aqui não tenha havido qualquer anúncio.
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