O Duende é um filme de comédia que pega emprestado tropos do horror. Dirigido e escrito por Mark Jones, é uma produção da Trimark Pictures de baixo orçamento, cujo foco é um humor mais escrachado e que tenta valorizar a participação de Warwick Davis como seu protagonista.
Do original Leprechaun - que inclusive, deveria ser o nome nacional, visto que a criatura não é um duende - é mais um filme B que utiliza uma data festiva como chamariz do medo, no caso, o Dia de São Patrício, que era um apóstolo e missionário cristão da Irlanda, santo padroeiro do país juntamente com Santa Brígida de Kildare e São Columba.
A fim de desambiguar, explicamos: Leprechaun (ou leprechau, pronuncia-se léprecaun) é um ser do folclore irlândes. Dizem que eles possuem um (ou mais) tesouro escondido e tem altura pequena, cerca de 30 ou 50cm. Dizem que ele é o sapateiro do mundo das fadas, que possui uma moeda mágica que sempre volta para ele depois de compra algo, por fim, seria um dos tipos de fada do folclore irlandês, provavelmente posterior aos mitos celtas, associado à conhecida história do pote de ouro no fim do arco-íris.
Já o duende é um ser de lendas ibéricas, que se popularizou no folclore de diversas antigas colônias portuguesas e espanholas. Seu nome, teoricamente, vem de dueño de casa, ou dono de casa e o ser tende a ser representados desempenhando tarefas domésticas por uma recompensa módica.
Algumas versões mostram os duendes fazendo travessuras contra pessoas que os desagradam, fato que os faz se assemelhar com o Saci-pererê, personagem do folclore brasileiro.
Apesar do papel de Davis conter algumas tiradas mais cômicas, ele nada tem a ver com duendes.
A Dia de São Patrício é comemorado em 17 de Março e toda vez que a data chega, os fãs do cinema B dedicam um tempo ou a ver (ou rever) o longa e suas sequências, ou simplesmente louvam o legado do personagem, que é meio que piada interna entre os fãs de terror.
Apesar de ser engraçada, a saga do personagem é longeva. Foram feitas sequências com bastante brevidade de anos, em O Retorno do Duende (1994), O Duende Assassino (1995) e O Duende 4: No Espaço (1996) que foi direto para vídeo.
Depois veio a parte duende no gueto com Leprechaun 5: in the Hood (2000) e O Duende Perverso (2003), ambos lançados em vídeo, já com uma (suposta) linha cronológica mais séria. Se ensaiou uma parceria entre a Lionsgate e a WWE Studios que trabalharam juntos em Noite do Terror (See No Evil- 2006) e Os Condenados (The Condemned-2007) para um reboot da franquia, estrelando o carismático lutador Dylan Postl, que fazia o personagem Hornswoggle, mas depois de 2013, o projeto ganhou ares de lenda urbana.
Fato é que depois houve um soft reboot, que contou com a participação de atores desse primeiro filme. Essas sequências são O Duende: As Origens (2014) e depois O Duende: O Retorno (2018). Em todos esses citados, o interprete do personagem era Warwick Davids.
O filme começa de fato quando Jennifer Aniston entra na trama, mas antes dela aparecer há duas introduções. A primeira, mostra Warwick e seu personagem num cenário escuro, meio misterioso, com o sujeito contando suas moedas.
Depois, o filme introduz Dan O'Grady (Shay Duffi), um homem de origem irlandesa que acha um leprechaun, e o obriga a mostrar onde está seu ouro. Mas ele falha, permitindo que o ser saia de sua prisão.
Chega a ser engraçado as atitudes do serzinho mágico, já que imita uma voz infantil para causar confusão na mulher de O'Grady, provocando nela possivelmente uma vocação materna e uma preocupação misturada a curiosidade.
Nesse ponto se percebe que David gosta de fazer suas linhas de diálogo com rimas, mas essa versão mais prosaica só ocorre em alguns momentos, não é sempre.
Outra coisa estranha é que o Duende afirma que balas não o matam, mas depois de ser atingido por uma, ele fica mais fraco. Fica confuso se ele superestima suas capacidades ou se ele estava mentindo. O filme inclusive não desenvolve mais essa questão, deixando essa como uma das diversas pontas soltas do longa.
Jones era um diretor com ambições, que fazia questão de explorar alguns ângulos criativos, que não combinavam com a proposta mais cômica de abordar o assustador.
Ele utiliza uma velha manobra, pedindo ao diretor de fotografia Levie Isaacks que a faça no escuro, para disfarçar a maquiagem de Davis, até para manter o mistério, já que o personagem desapareceria pelos próximos passos da trama, tendo sua figura explorada somente um tempo depois.
O roteiro trata a sua mitologia na base do ridículo, com personagens humanos tão gananciosos que parecem de mentira. O' Grady parece se importar mais como o fato da esposa não ter morrido na Irlanda e está mais preocupado com o tesouro do que com o fato de ser recém viúvo.
Várias perguntas ficam sem respostas, como o motivo dele ter ficado preso 10 anos, já que mesmo encerrado, foi capaz de induzir o seu antagonista a um ataque de coração que poderia tê-lo levado a óbito.
A trama pula dez anos à frente, mostrando uma família se muda para a velha casa, onde o leprechaun segue preso, em uma caixa de madeira, hibernando. Aparentemente um simples trevo de quatro folhas é capaz de encerrar o poderio do diminuto vilão.
J.D. e sua filha Tory se mudam para a casa, e a menina não gosta do lugar. O pai é interpretado por John Sanderford e Tory por Aniston, antes de Friends, mas já aparecia com a mesma futilidade da futura que Rachel seria.
Curiosamente ela tem alguns momentos que assustam seu pai, em uma conversa, ela fala para ele, que responde:
-Eu sei bem como é a sensação de um homem passando a mão na minha perna
-Sabe?
Não demora a aparecer Nathan, o faz tudo da região, que auxilia a família a se instalar. Ele automaticamente vira o interesse romântico da mocinha, mesmo que ela negue, e faz sentido, pois seu interprete, Ken Olandt estava no auge da beleza.
Também aparecem os amigos Ozzie, um sujeito adulto, mas que parece ser mais imaturo do que o comum a sua meia-idade, e o pequeno Alex, uma criança esperta e cheia de personalidade.
Os dois são interpretados respectivamente por Mark Holton e Robert Hy Gorman e curiosamente é a criança quem defende Ozzie dos maltratos e movimentos de bullying que toda a cidade faz com Ozzie.
O vilão é peculiar na aparência, no vestuário e também em seus diálogos. O tempo inteiro ele repete a mesma fala, replicando um mi gold, pronunciado assim, como está escrito.
Outro fato que incomoda, é que a conversa rimada só ocorre quando querem, possivelmente foi dada atenção a isso só nos momentos das primeiras filmagens, excluindo as tomadas posteriores, que envolviam os momentos de morte.
Pegando carona nesse assunto, na pós-produção foi decidido fazer um filme mais violento, parecido com Filmes de Matança/Slasher Movie, e cenas de assassinato foram gravadas e colocadas no corte final já com a sequência de diárias encerrada. Então o filme não sabe exatamente qual é sua localização, se é algo mais sério, se é um filme de terror para crianças, imitando Gremlins de Joe Dante, ou se é uma mistura dos dois.
Reza a lenda que foi Davis quem decidiu por usar um tom mais cômico, e partir daí a produção escolheu exagerar o tom, colocando ele usando toda sorte de brinquedo e assessório. O Duende usa triciclo, mini trator, patinetes, patins, cadeira de rodas, um carrinho de brinquedo, pula pula.
Quando está a pé ele é ainda mais agressivo, enfiando unhas que rasgam a pele dos vitimados, provocando hematomas em quem o toca.
Ele atira, vai atrás de todos que pegaram alguma vez em suas moedas douradas, faz um escarcéu agressivo e é crudelíssimo, sem falar que aparentemente tem poderes sobre seres vulneráveis, já que manipula pets, fazendo os animais morderem os humanos.
Mesmo que a mitologia pareça confusa, há um cuidado de Jones em pelo menos estabelecer o ponto fraco do personagem por lustrar e polir sapatos, além dele ter uma vulnerabilidade ao trevo de quatro folhas, que sequer é uma planta típica da Irlanda, onde a planta mais semelhante tem três pontas.
Isso até seria algo a reclamar, mas perto dos absurdos mostrados em tela, como o fato de O'Grady estar vivo apesar do infarto de dez anos antes - além de também não haver nenhum indício anterior de que ele sobreviveu, ao contrário, se pensava que ele estava morto, e provavelmente estava mesmo.
O retorno dele tem bem a cara de que foi uma ideia já das novas filmagens, esqueceram de editar o filme depois e ficou por isso mesmo. Essa teoria conversa bem com a pachorra de trazer o sujeito de volta, unicamente para ele morrer no instante posterior a se saber que ele ainda estava vivo.
Ainda há um belo aceno a comédia pastelão, já que os mocinhos pões em prático um plano de arremessar sapatos para que o Duende se distraia enquanto eles procuram perto do poço, o tal trevo mágico que o deixaria vulnerável.
A pergunta que fica realmente é por que leprechaun precisa tanto do ouro, já que tem muitas posses - incluindo seus assessórios de transporte - e não parece ter onde gastar.
O ouro não é a fonte de poder dele, afinal, ele se transforma, se regenera e até teletransporta sem as moedas. Possivelmente o ouro é uma obsessão dele, algo como uma droga é para um adicto em abstinência.
A maquiagem do personagem é ótima. Warwick Davis havia trabalhado em Willow: Na Terra da Magia, com um personagem meio parecido com o Duende em essência, mas olhando em separado, eles são bem diferentes, com esse primeiro sendo simpático, enquanto o Leprechaun é assustador, mesmo sendo engraçado.
A parte final, da criatura derretendo e se deteriorando é ótima, a técnica é única, super detalhada faz lembrar os bons momentos de Gremlins. É um trabalho muito bom do profissional Gabriel Bartalos (Gabe Bartalos na época). O final mostra alguns dos melhores efeitos especiais, de sangue, assassinato e gore.
O Duende assusta mais do que os terrir tradicionais, e tem uma veia cômica que funciona. O que a franquia se tornou depois é bem distante do que foi concebido por Davis e Jones, mas nesse primeiro o saldo é positivo, ainda mais se o espectador for assistir sabendo que se trata de uma piada em forma filme.
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