Crítica: O Espetacular Homem-Aranha

A trilogia de filmes sobre o Homem-Aranha dirigida por Sam Raimi e estrelada por Tobey Maguire rendeu aos cofres da Sony um lucro inestimável. O sucesso do herói no cinema se deve, antes de tudo, aos competentes primeiros longas, em especial ao segundo (instantaneamente considerado um dos melhores do gênero "adaptação de HQ"), que deixou público e crítica pedindo por mais. Infelizmente, embora tenha feito sucesso, o terceiro exemplar ficou muito abaixo de qualquer expectativa, o que fez o estúdio repensar a estratégia: manter a mesma equipe e tentar consertar os erros num filme que desse continuidade àquela história ou mudar tudo e optar por reboot, com novos diretor e elenco? Quando O Espetacular Homem-Aranha foi anunciado, comandado pelo correto Marc Webb e com a promessa Andrew Garfield no papel-título, muitos torceram o nariz, outros apostaram que com uma proposta diferente, o filme pudesse dar novo fôlego ao personagem. Com a estreia, que acontece neste final de semana no Brasil, o sabor de novidade não é assim tão fresco. Numa analogia esdrúxula, é como se os dois primeiros filmes feitos por Raimi fossem aquele suco feito na hora, a partir da pura polpa da fruta. Já este novo longa não passa de um preparado, daqueles em pó, que precisa ser diluído na água. Tenta ter o frescor e a qualidade do original, mas não passa de uma mera imitação.

Embora tenha sido vendido como reboot, O Espetacular Homem-Aranha chega a irritar o espectador mais atento quando boa parte de suas cenas parecem muito mais com uma refilmagem do que um reinício (e em determinado momento, quando o vilão passa a discutir com uma voz em sua mente, o resto de esperança por novidade vai por água abaixo). Qualquer roteirista mediano consegue recomeçar uma franquia sem precisar contar novamente toda a origem do personagem principal (O Incrível Hulk está aí pra comprovar isso), especialmente quando a história é tão popular quanto a do Amigo da Vizinhança. Mas James Vanderbilt, responsável pelo texto deste novo longa (auxiliado por Alvin Sargent e Steve Kloves), pensa o contrário e perde um tempo enorme estabelecendo um pano de fundo para algo que nunca se resolve e recriando inúmeras cenas amplamente conhecidas pelo público em geral. Para parecer que está inovando, no entanto, o faz alterando estes momentos, mas não para melhorá-los. Um bom exemplo é a ação que leva à morte do Tio Ben, interpretado aqui por Martin Sheen. Talvez na cabeça do autor e de Webb, mostrar Peter usando seus poderes para ganhar dinheiro em eventos de luta livre não seja tão impactante quanto o recurso clichê de uma briga familiar, empregado desta vez. Ou fazer o mesmo Ben Parker dizer que "Com Grandes Poderes, vem Grandes Responsabilidades" (uma adaptação de uma citação de Voltaire) seja pior do que criar um diálogo bobo e sem a icônica frase, que significa a mesma coisa só que de forma sem graça.

O roteiro ainda cai na armadilha mais banal dos filmes de quadrinhos: a de adaptar a origem do personagem para que todos os eventos estejam interligados. Tim Burton fez isso ao transformar o Coringa no assassino dos pais do Batman e Raimi cometeu o mesmo erro com a retcon da morte do Tio Ben no último longa. Mas em O Espetacular Homem-Aranha é tudo tão "amarrado" que soa como aquelas tramas de novela das oito em que a empregada está ligada ao jogador de futebol, que por sua vez é amigo de um playboy, filho de uma rica empresária, dona de uma mansão onde a empregada citada trabalha. Se soa forçado na leitura, é ainda pior na encenação: o pai de Peter (Cambell Scott) era parceiro de experiências do Dr. Curt Connors (Rhys Ifans), quando trabalhavam na Oscorp, onde também trabalha Gwen Stacy (Emma Stone), o interesse romântico do herói, filha do Capitão Stacy (Denis Leary), policial que fez da missão de sua vida, capturar o Homem-Aranha. A pesquisa de Connors com Richard Parker inclusive, é o gatilho para a criação tanto dos poderes do protagonista quanto da mutação que transforma o cientista interpretado por Ifans no vilão Lagarto. É como se o espectador tivesse que receber tudo de forma mastigada para não forçar nenhum tipo de dúvida. Fazer o público debater e tentar ligar sozinho alguns pontos definitivamente não é o forte nem de Vanderbilt e nem de Webb.

Por outro lado, a acertada escolha de elenco traz realmente algo novo e bom à franquia. Andrew Garfield, carismático e natural como Peter Parker e Emma Stone no papel de Gwen Stacy rendem os melhores momentos. A química do casal, a forma como entregam os diálogos e a linguagem corporal de ambos fazem das cenas em que estão juntos um deleite para os fãs mais antigos e para os mais recentes. E mesmo a caracterização de Parker sendo falha (o garoto é genial mas tenta convencer Connors de que não sabe como lagartos se comportam na natureza?) e inconstante (sim, adolescentes o são, mas o problema aqui é como o personagem é mostrado no roteiro, principalmente quando diz respeito a sua identidade secreta), Garfield se sai bem, lembrando tanto o clássico das primeiras histórias quanto a recente versão do universo Ultimate da Marvel. Sheen também não desaponta como Tio Ben, sendo bem humorado e ao mesmo tempo conseguindo manter a aura de sabedoria que Peter mais tarde passa a idolatrar tão profundamente nas HQs. Apenas Sally Field deixa a desejar com sua May Parker um tanto inexpressiva e conivente.

É no núcleo humano, portanto, que O Espetacular Homem-Aranha cativa o público, pelo menos em sua primeira metade, quando os problemas são menos evidentes. No entanto, quando Peter finalmente se torna o Teioso, as coisas mudam. O roteiro perde o foco. Sobre o que é mesmo essa história? E qual a motivação do vilão, que age de forma tão caricata? E o relacionamento do casal principal, que tem de enfrentar a hostilidade do Capitão Stacy? Porque o sentido de Aranha é tão funcional ao alertar dos perigos de uma bola de basquete mas some quando o herói é atacado pelo Lagarto? E, principalmente, o que aconteceu com a "história nunca contada" da origem do Aranha? Sim, porque todo aquele mistério acerca dos pais de Parker é simplesmente esquecido no meio do caminho e só é retomado em uma cena durante os créditos, deixando a revelação que pode trazer uma drástica mudança no que realmente faz Peter desenvolver seus poderes, para uma próxima vez.

Por conta dessa falta de direcionamento do texto, mesmo as cenas de ação acabam não empolgando tanto quanto o esperado, principalmente por surgirem quase de forma aleatória para lembrar o espectador ocasionalmente que aquele é um filme do Cabeça de Teia. Por melhores os efeitos especiais, não é isso que estipula a qualidade da produção como um todo e se as cenas com câmera subjetiva (em primeira pessoa) chamaram atenção nos trailers, dentro do longa são tão aborrecidas que nem mesmo aparecem de forma integral (como a do teaser, fortemente editada no corte final). Para acompanhar os momentos mais agitados, uma trilha sem personalidade composta por James Horner, que surpreendentemente entrega um trabalho muito abaixo de sua capacidade (e compor temas é uma de suas qualidades, vide Jornada nas Estrelas II - A Ira de Kahn ou Rocketeer).

Se por um lado Marc Webb corrige alguns problemas dos filmes de Raimi (como a falta de humor do Homem-Aranha, que agora finalmente zomba dos inimigos), por outro, tenta alterar o que funcionava tão bem, refilmando sequências à sua maneira, as tornando frias e sem impacto, seja pela falta de novidade ou pela inaptidão do cineasta em estabelecer alguma cena que faça realmente jus à grandiosidade do personagem, dentro ou fora das telas. Afinal, não é a toa sua enorme popularidade. Resta esperar que o grande público não se acostume ao "suco instatâneo". Além de inferior no sabor, faz mal se cosumido em demasia.

-----------------Fim da crítica, continue lendo apenas se você já assistiu ao filme------------------

Texto adicionado ao post em 08 de julho de 2012.

Peter Parker: A Jornada do Babaca

Estou muito incomodado com a reação de algumas pessoas sobre o Peter Parker de Andrew Garfield. Pelo twitter, asneiras como "esse é o verdadeiro Peter dos quadrinhos" me fazem pensar que passei 20 anos da minha vida lendo outra HQ, porque sinceramente não sei de onde estão tirando a ideia de que o alter-ego do Homem-Aranha seja esse completo idiota mostrado no novo filme. E depois de rever Homem-Aranha do Sam Raimi, esse incômodo se torna ainda maior, já que fica claro que pouquíssimas pessoas realmente entenderam a diferença entre a "Jornada do herói" mostrada em ambos os filmes.

Apesar de semelhanças irritantes entre O Espetacular Homem-Aranha e o filme de 2002, são nos temas abordados que ambos os filmes se diferenciam e que fazem o novo ser tão inferior ao antigo. Como disse na crítica acima, se Andrew Garfield é um ponto alto, é simplesmente porque sua interpretação é convincente e natural. Já o personagem que vive é problemático, incoerente e em uma análise mais radical, a subversão de tudo que ser um herói significa.

Em resumo, Peter, na versão de Raimi, aprende a duras penas a lição de seu tio Ben de que "Grandes Poderes trazem Grandes Responsabilidades". Ele começa o longa sofrendo nas mãos do valentão da escola, tímido e apaixonado por sua vizinha Mary Jane e com os típicos problemas financeiros de uma família de classe média. Ao ganhar seus poderes, os usa da forma que mais lhe convém: se defendendo de Flash Thompson e tentando ganhar dinheiro para impressionar a mulher que ama. Ou seja, uma reação mais do que natural para alguém de sua idade. Ao ignorar a responsabilidade que acompanha sua novas habilidades, deixa um bandido escapar, tornando-se indiretamente o responsável pela morte de Ben Parker. Só então percebe que pode fazer uso de seus poderes para algo maior do que motivos egoístas. E quando a tia May é atacada pelo Duende Verde justamente porque o vilão descobriu a identidade secreta do Aranha, Peter entende que precisa sacrificar o relacionamento com MJ para não colocá-la em perigo. O longa termina com o protagonista se afastando da garota com a expressão de que não está disposto a fazê-la sofrer, mesmo que isso custe o que mais mais queria na vida.

Agora, vamos tentar resumir o que ocorre com o Parker do filme dirigido por Marc Webb. O personagem começa sofrendo nas mãos do valentão da escola? Sim, mas já parou pra pensar porquê? Se Flash está abusando fisicamente de um garoto mais novo, Peter opta por tentar humilhar Thompson na frente de todos seus amigos o chamando por seu nome verdadeiro. Ok, não que você deva dar a outra face em situações assim, mas o espectador se identificaria muito mais se a agressão gratuita fosse direcionada a Parker em primeiro lugar. Mas ao tentar estabelecer um "espírito nobre de proteção", o roteiro troca os pés pelas mãos e simplesmente o mostra como um agressor não muito diferente de Flash, que se agride nosso "herói" o faz meramente por conta de uma provocação tola. Quando ganha seus poderes pela picada da Aranha, a reação natural deste novo Peter Parker é andar de skate e agir de forma irresponsável quando deixa de buscar sua tia no emprego numa situação egoísta, mas que nada tem a ver com as habilidades que ganha e sim com sua fascinação por um segredo jamais revelado envolvendo o trabalho de seu pai. Ben Parker tenta então dizer a Peter sobre as responsabilidades que uma pessoa tem quando pode fazer coisas que outras não podem. Peter discute, vai até uma loja de conveniência comprar Nescau e briga com o caixa porque este não quer vender o produto, já que seu dinheiro é insuficiente para comprá-lo. O Parker da nova geração é infantilizado a esse ponto: ao ver um bandido roubando a loja o deixa escapar (afinal, o atendente não quis vender fiado para um total desconhecido), se tornando indiretamente o responsável pela morte do tio Ben. E aprende que lição? Nenhuma, já que se empenha em uma missão de vingança contra o assassino de seu tio. Apenas ao salvar uma criança e entendendo a força que pode ser como símbolo, os ensinamentos do homem que o criou fazem algum sentido. Temporariamente, claro, porque este Peter Parker não é um herói.

Se Sam Raimi optou por representar um sacrifício com o abandono de uma vida ao lado da pessoa amada, Marc Webb opta por mostrar um desvio de caráter deplorável quando ao final da película, Parker ignora um juramento feito no leito de morte do Capitão Stacy, uma pessoa decente que quer apenas proteger Gwen, sua filha, de qualquer perigo caso alguém descubra a identidade do Aranha (o que não é difícil, já não há a menor preocupação por parte do protagonista em escondê-la). "As melhores promessas são aquelas feitas para serem quebradas" é a mensagem final que a nova geração é obrigada a engolir, num momento de estupidez do roteirista que prova, de duas, uma: ou é incoerente, já que coloca o personagem principal tomando uma decisão que nunca tomaria se realmente tivesse entendido o que seu tio tentou ensinar ou que não entendeu a essência de Peter Parker. Você, caro leitor, pode até dizer que a aprendizagem virá apenas com a morte de Gwen num futuro filme. Talvez, sim. Mas é pedir muito numa nova franquia que faz questão de abandonar a "Jornada do herói", pra começar seu primeiro capítulo mostrando a "jornada do babaca".

Alexandre Luiz

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4 comments

  1. Avatar
    Igor Frederico 8 julho, 2012 at 15:39 Responder

    Well….. dizer que concordo com tudo é não ter opinião própria? sashuasha

    Porque é isso mesmo cara, o Peter de Webb é tosco ao ponto de "matar" seu tio por conta de leitinho. O que de certa forma interage com os problemas dos jovens atualmente: Todinho, mesada, si mesmos.

    O filme funciona com a "galera" (só eu no cinema não ri das gags infantis criadas por Webb como as do teclado.) pois dialoga com sua estupidez mór em que se encontram hoje em dia. O Parker ao fim quebra o juramento que fez ao pai de Gwen simplesmente porque ele não se preocupa com ninguém a não ser ele mesmo. O filme reforça isso a toda instante, é um garoto mesquinho, chato, bobo que só age de forma incinsequente independente de conselhos ebom senso, apenas para ter o que quer.

    A diferença clara do primeiro filme de Raimi para este está no amadurecimento do personagem, onde o Peter de Raimi consegue deduzir as coisas por si mesmo e resolver por conta própria privar sua "amada", enquanto o Peter de Webb é um adolescente atual e que não consegue ter um pensamento verossímel.

    Como o Pablo Villaça disse em seu video: é um homem aranha "Burricido".

  2. Avatar
    Henrique 13 julho, 2012 at 10:12 Responder

    Tomara que esse Troll, nunca entre pros filmes dos Vingadores, e que essa praga nã faça sucesso nenhum, odeio esse filme que distorceu severamente o universo do aracnidio, o que custa fazaer uma historia não igual mais parecida com as dos quadrinhos, espero sinceramente que a Sony desista desse projeto de merda que foi esse Espetacular Troll Aranha.

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