A Breve Noite das Bonecas de Vidro : Um giallo onírico de Aldo Lado

A Breve Noite das Bonecas de Vidro : Um giallo onírico de Aldo LadoA Breve Noite das Bonecas de Vidro é um filme de horror italiano, um giallo onírico, até em comparação com outros filmes do gênero, já que esse filão normalmente apresenta obras que brincam com uma atmosfera idílica. Lançado em 1971 e dirigido por Aldo Lado, é uma coprodução europeia, situada em Praga, que narra a história de um sujeito que está "desacordado" de maneira misteriosa, cujas lembranças envolvam a procura dele por sua namorada perdida.

A história é narrada a partir da vida de um jornalista estadunidense, que está na Europa investigando esse estranho sumiço. Há quem defenda que esse seja um filme kafkiano, especialmente graças aos motivos do personagem central, mas parece apenas um giallo menos focado em assassinato e sim e em uma desventura mental, já que o protagonista sofre algo como um coma induzido.

Pela internet há algumas sinopses esquisitas, que apontam esse como um filme que se passa na Pensilvânia, ao invés de iniciar na cidade tcheca. Isso possivelmente se deu graças a dublagem que o filme sofreu em certos países. Era bem comum nas obras gialli se mudar substancialmente os fatos do roteiro, já que cada país tinha sua forma de dublar e apresentar histórias.

Aldo Lado foi diretor e escritor do longa-metragem e teve auxílio na construção dos diálogos do alemão Rüdiger von Spies. Nos créditos diz que ele é baseado em uma cantata, chamada The short night of the butterflys do alemão Jürgen Drews, que até tem uma ponta no filme, cantando a música, no entanto há apenas pequenas semelhanças entre as obras.

Enzo Doria é o produtor do filme, Dieter Geissler foi o produtor também, mas não creditado, com Luciano Volpato como produtor executivo. Os estúdios responsáveis pela obra foram o Rewind Film e Surf Film, também pelos não creditados Dieter Geissler Filmproduktion, Doria G. Film, Dunhill Cinematografica e Jadran Film.

Teve distribuição da Cinerama Filmgesellschaft MBH na Alemanha Ocidental, Overseas Film Company na Itália, Malastrana Films nos Estados Unidos, tanto nos anos setenta quanto em 2015. A Anthology Film Archives lançou o filme em vídeo nos Estados Unidos, em 2015.

Aldo Lado originalmente queria Terence Hill no papel de Gregory Moore, mas acabou optando por Jean Sorel, que desempenha muito bom o papel de alguém que varia entre a preocupação desesperadora e a sensação de alguém que está se alienando aos poucos.

Essa é uma coprodução entre Itália, Alemanha Ocidental, Iugoslávia e Checoslováquia também é lembrada por conta de sua trilha sonora inspirada e lisérgica - porém comedia, já que é pouco intrusiva - conduzida por Bruno Nicolai e composta por Ennio Morricone, além de ter um elenco grandioso e vultuoso.

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O longa também é bastante louvado por conta de antecipar boa parte dos dramas vistos no clássico erótico de Stanley Kubrick, De Olhos Bem Fechados, especialmente por seu final, que falaremos depois do aviso de spoilers.

A maioria das cenas do filme foram rodadas no Leste Europeu, em países que formaram a Iugoslávia e Tchecoslováquia, além da Itália, claro.

Em Zagreb, na atual Croácia, filmaram em Josip Juraj Strossmayer Park, Klinika za traumatologiju KBC-a Sestre milosrdnice, Glavni kolodvor, Trg Kralja Tomislava 12, Trg Republike Hrvatske e Katarinin trg.

Também houveram cenas em Liubliana na Eslovênia, tomadas aéreas em Praga (na atual República Tcheca), além de cenas internas no Incir De Paolis Studios, Roma, Lazio.

Histórias de bastidores revelam que Lado e o diretor de fotografia Giuseppe Ruzzolini brigaram bastante durante as filmagens, graças às constantes críticas e comentários negativos do cinematógrafo. O motivo seria o excesso de cenas aparentemente despropositadas e um certo desperdício das cenas em locações.

Claramente ele não conseguiu compreender as ideias do cineasta, que além de estar em início de carreira, também tentava fazer um filme tão onírico que era difícil até de definir para a equipe de produção.

O título original na Itália é La corta notte delle bambole di vetro enquanto na Iugoslávia era Kratka noc leptira. No Brasil também se chamou Malastrana. E países de língua inglesa é Short Night of Glass Dolls ou Paralyzed( no título em vídeo.

Na Espanha é La corta noche de la muñeca de cristal, na França é Je suis vivant!, já na Itália também foi chamado de Malastrana, enquanto nos pôsteres de cinema, podia ser visto como La corta notte delle farfalle. Em Portugal tem o mesmo título brasileiro.

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Aldo estreou como diretor nesse longa-metragem. Era conhecido por ser assistente de direção em faroestes como Pecos Vem Para Matar, A Grande Rapina do Oeste, Um Colt na Mão do Oeste, além do famoso drama O Conformista, de Bernardo Bertolucci.

Ele dirigiu depois o giallo Quem a viu Morrer? o drama Sepolta viva e a comédia picante A Prima Desejada. Fez também o sci-fi O Humanóide, junto a Enzo G. Castellari.

Rüdiger von Spies estreou nesse, depois fez Quem a viu Morrer. Foi produtor executivo Monolith: A Energia destruidora em 1993. O alemão Dieter Geissler trabalhou em Kill, Quem A Viu Morrer, Que? e Barão Sanguinário, no entanto é mais conhecido pelos filmes internacionais A História Sem Fim, A História Sem Fim II e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça de Tim Burton.

Doria fez De Punhos Cerrados, Os Canibais e Trinity...Alguém te Espera (que ele também escreveu) A Revanche do Último Tubarão, O Caçador de Tubarões e O Bandido dos Olhos Azuis. Escreveu A Ilha Azul e Adão e Eva: A Primeira História de Amor (ambos ele produziu) também atuou em Noites Brancas de Luchino Viconti, A História de Judite e Holofernes e A Doce Vida de Federico Fellini e O Velho Testamento de Gianfranco Parolini.

Luciano Volpato foi gerente de produção de O Velho Testamento, Mortos que Matam e O Forasteiro Silencioso. Foi produtor executivo apenas nesse A Noite das Bonecas de Vidro, mas foi supervisor de produção em Ano 79: A Destruição de Herculano.

A crítica entendeu o filme como uma obra tensa. Resenhas especializadas afirmavam que ele era de "roer as unhas", além de acusar ele de confrontar a agitação política e social dos anos 1970, através de simbolismos.

Também se falou que a narrativa era sobre ser um relato de um homem vagando por uma cidade sombria enquanto descobre camadas de sujeira, além de ser encarado com uma metáfora social simples, que se vale por conta de cenários imaginativos.

Um elogio comum ao filme era a valorização da tensão em oposição ao gore e violência comuns aos filmes gialli, mas houve quem o achasse chato e com ritmo lento. Nenhuma dessas reprimendas e elogios são sem motivo, já que A Breve Noite das Bonecas de Vidro reúne todos esses predicados, mesmo os negativos, apesar de ser extremamente curioso e inspirado.

A trama já inicia de modo bizarro, com um funcionário de um lugar público encontrando um corpo de um homem meio aos arbustos de um lugar luxuoso, que mais tarde, seria nomeado como Clube 99.

Antes de chamar uma ambulância ele é acompanhado por um homem sem pernas, que movimenta por um veículo de rodas, tipo skate. Trata de avisar que não foi ele quem fez aquilo.

Curiosamente esses dois personagens não retornariam a trama, mas aqui já se determina que pessoas de tipos diferenciados estariam habitando esse universo semi-fantástico.

Aquele corpo era o de Gregory Moore, um jornalista estadunidense, que é o protagonista dessa trama, o mais próximo de um herói que o filme apresenta. O personagem do francês Jean Sorel é dado como morto, mas segue pensando, o público acompanha os seus pensamentos.

A Breve Noite das Bonecas de Vidro : Um giallo onírico de Aldo Lado

Nesse início não fica claro se ele de fato morreu ou se está vivo, já que ele pensa, mas não se move.

Caso a realidade contemple a primeira opção, a narração é uma espécie de epitáfio poético do além vida, se ele de fato está vivo e com a mente funcionando, essa é uma tentativa de manter-se ativo e pensante, mesmo que as funções vitais do sujeito não estejam em atividade, ao menos não em plenitude.

Quando ele é posto em uma gaveta frigorífica, ele passa a se lembrar de como chegou ali. O personagem passa por um escritório, onde discute a natureza de seu trabalho, para depois aparecer na estação de trem, onde encontra sua amada, Mira Svoboda, de Barbara Bach.

Entre as lembranças românticas do casal, se inserem breves momentos na parte fria do equivalente ao instituo médico legal na Tchecoslováquia, com mais corpos entrando no recinto. Se Gregory está vivo, deve ter pressa para despertar, afinal, será encerrado em uma área congelante.

Na parte das lembranças o casal vai até uma casa de aristocratas, a tal boate Clube 99, que serviria de palco para vários momentos esquisitos do filme.

Em determinado ponto, acabam encontrando Jessica, personagem de Ingrid Thulin, uma moça que parece ter um passado com Gregory, tanto que lamenta que ele tenha trazido seu par. Na festa, reencontra seu amigo Jacques Versain, um bon vivant, feito por Mario Adorf.

Enquanto o corpo de Gregory é examinado, ele lembra que sua amada sumiu. Boa parte da trama envolve a busca dele pela moça, entre reuniões que envolvem ele, Jessica, Jacques e Valinski, personagem local vivido por José Quaglio.

Como era bastante comum nos filmes gialli, quem procura a moça é o protagonista e não as autoridades locais. A polícia não parece muito preocupada, ao menos não até o final do filme, quando surgem com uma solução quase mágica, cujo desenrolar dramático é no mínimo discutível do ponto de vista ético e moral.

A personagem da ex-bondgirl - Bach fez o icônico 007 O Espião que me Amava - segue sumida, tendo seu destino revelado só próximo do desfecho do longa.

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O filme brinca com elementos de paranormalidade, embora não se debruce tanto sobre esse assunto. Tudo aqui é supostamente realista.

Gregory é um sujeito incrédulo, até se apresenta assim, mas só até a página dois, até por conta de ele tentar conversar telepaticamente com o doutor Ivan, de Relja Bašić, enquanto ele está em coma induzido. Aos poucos é mostrado que ele está daquele jeito graças a ações de terceiros.

Na parte vívida da trama, o personagem segue indo atrás de pistas, acaba encontrando muita gente que envolve o seu par, percebe que pessoas são assassinadas, mas as pistas são escondidas do público, fato que possivelmente deixa quem gosta de filmes que dão pistas ao seu público.

Para um filme que consiste em desvendar um mistério, os fatos escondidos de fato incomodam, mas não necessariamente estraga a experiência.

O segundo terço é arrastado e meio truncado. As lembranças são as partes mais enfadonhas do roteiro, a parte da operação e da ação do doutor e professor Karting (Fabijan Šovagović) acabam sendo mais interessantes, já que ele insiste em analisar o corpo do protagonista, que insiste em não entregar os pontos mesmo depois de horas no frigorífico.

Ele segue quente.

A partir daqui falaremos sobre os segredos da trama. Haverá spoilers. O aviso está dado.

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Mira aparece morta, em uma cena bastante peculiar e dúbia, por conta de parecer uma ilusão, possivelmente um devaneio, já que foi bastante rápida, quase como em uma visão de relance.

Em conversa com Gregory, seu colega Jacques assume que tinha uma obsessão por Mira. Afirma de maneira franca e direta que tentou possuí-la, a estrangulou e jogou no rio, depois matou ainda mais mulheres. Ele confessa isso ao protagonista, mas não reage mal, ao contrário, dá de ombros para aquela situação.

A sequência é estranha, como boa parte da trama envolve estados alterados da mente, fica a dúvida se ele está hipnotizado, se está alienado ou algo que o valha. Ele nega o que ouviu? O homem tenta se auto enganar? Teria apenas imaginado aquela conversa ou simplesmente leu os pensamentos do amigo? Nenhuma dessas perguntas é respondida, essas questões não possuem uma resposta direta e retilínea.

Se o filme inteiro tem uma atmosfera onírica e bizarra, a meia hora final é ainda mais insana e viajante. Parece uma tragédia idílica, que resulta inclusive em um estranho encontro de Gregory com Mira, vendo ela já morta, dentro de uma geladeira.

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Vale lembrar que a cena anterior, de Sbovda cercada de flores, não foi assistida pelo seu par.

Esse clichê, da mulher na geladeira (woman in regrigerator) que foi muito popularizado pelos quadrinhos de heróis é tão absurdo visualmente que parece uma outra ilusão. Essa sequência termina com ele apontando a arma para a própria boca, fugindo para não ser pego pela polícia.

Há quem defenda que ele se matou naquele momento e toda a trama na verdade é uma viagem já no além, com a alma do homem se negando a entender que matou sua amada e se suicidou. Essa é uma interpretação válida.

Gregory é acusado de todas as mortes, rola até uma explicação bastante óbvia do comissário Kierkoff (Piero Vida), que acusa o personagem central, por falta de provas contra a estranha sociedade secreta que é apresentada no final do filme, a mesma que permite uma orgia de idosos caucasianos, grupo esse que assume seduzir adeptos com droga, dinheiro e sexo.

Foram eles que causaram a catalepsia no sujeito, fazendo assim ele ter uma maldição de viver, mas sem chances de falar sobre eles. Curiosamente, ele só despertaria após ser enterrado, tanto que - se tudo for real - ele sobreviveu até depois de passar horas em um frigorífico, sem alimento ou água.

Os momentos finais são desesperadores, onde os médicos da autopsia mexem no corpo do protagonista, enquanto ele apela, pede telepaticamente a todos que parem, possivelmente conseguindo conversar com Jessica, que grita, ou por conta do contado ou por ver o seu amado sendo dissecado e mortalmente ferido.

A Breve Noite das Bonecas de Vidro é agressivo, esquisito, irregular e sensacionalista. É uma boa pedida para quem quer assistir um giallo diferenciado e agoniante. É entre os clássicos do gênero um dos mais criativos e especulativos.

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