Batalha Real : Distopia, delinquência juvenil e muito gore em um clássico do horror e drama

Batalha Real é um filme bastante conhecido, considerado um pequeno clássico, especialmente nessa versão que analisamos aqui. Produção cinematográfica japonesa lançada em 2000, é baseada no livro homônimo, de Koushun Takami, dirigido pelo veterano Kinji Fukasaku, apresenta uma história bizarra, sádica e distópica que encontra semelhanças com obras famosas no ocidente.

A história original é precursora de obras que envolvem jogos violentos, em lugar isolado -no caso em uma ilha - disputado entre jovens.

Curiosamente a trama tem semelhanças com uma obra anterior a ela, o romance O Concorrente (The Running Man) de Stephen King, lançado em 1980. O livro deu origem a uma adaptação para o cinema, em O Sobrevivente de 1987, que estrelava Arnold Schwarzenegger. Atualmente, a referência mais lembrada em comparação com esse certamente é a trilogia de livros de Jogos Vorazes (Hunger Games) de Suzanne Collins, iniciada em 2008 e que chegou aos cinemas em Jogos Vorazes, estrelando Jennifer Lawrence, em 2012 e em outros três filmes.

Batalha Real também influenciou obras mais recentes, como Dia de Trabalho Mortal, filme dirigido por Greg McLean e escrito por James Gunn, além do seriado sul-coreano mega popular Round 6, influenciou também jogos de videogame, tendo inclusive fases em Fortnite e o videogame PlayerUnknown's Battlegrounds de 2017.

A sinopse desse Batalha Real parte de um princípio absurdo para qualquer sociedade comum, mas que aqui é tratada como algo normal: 42 estudantes são enviados para uma ilha deserta por um governo autoritário, com provisões, armas e mapas.

Eles são espalhados pelo lugar e têm a missão de encontrar uns aos outros em três dias, com objetivo predatório, eles devem se matar entre si, até que sobreviva apenas um único aluno vivo.

Para que eles não desistam do "experimento", há a autorização dos pais deles - que provavelmente foram coagidos a aceitar isso - além de terem um colar explosivo que impede uma possível fuga mais...literal.

O romance original foi adaptado para mangá, lançado também em 2000, em 15 volumes, com texto de Koushun Takami e ilustrações de Masayuki Taguchi.

Batalha Real : Distopia, delinquência juvenil e muito gore em um clássico do horror e drama

O longa-metragem estreou no final do ano, em outubro, no Tokyo International Film Festival, sendo lançado em circuito em dezembro do mesmo ano. O roteiro foi adaptado por Kenta Fukasaku, que obviamente é o filho do diretor.

Foi produzido por ele e por seu pai, também por Kimio Kataoka de O Sabor de uma Paixão, Chie Kobayashi de Celular (2016), Toshio Nabeshima de Comando Samurai, Policial Violento e Adrenalina Máxima, também Masumi Okada de Blue.

Os nomes do longa não variam tanto, normalmente é chamado de Battle Royale, inclusive em países cuja língua não são inglesas, como Holanda, Itália e Portugal. Em japonês é Batoru Rowaiaru, tal qual o livro.

Os estúdios por trás da obra são a Toho, AM Associates, Fukasaku-gumi, Gaga, Kobi Co., MF Pictures, Nippon Shuppan Hanbai (Nippan) K.K., WOWOW e a Toei Company, que também distribui o filme.

Ao contrário do boato que se popularizou na internet, este filme nunca foi proibido nos Estados Unidos. Na verdade, ele não foi lançado de maneira oficial, no circuito comercial. Teve exibições em festivais, como Cleveland International Film Festival e no Seattle International Film Festival em 2001, mas a maioria do público americano se familiarizou com ele por meio de cópias piratas ou cópias internacionais.

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Existem, no entanto, várias explicações para o não lançamento do filme em território estadunidense. A maioria dessas teria a ver com a Toei, que rejeitou ofertas de várias empresas americanas para distribuir.

A taxa de licenciamento era consideravelmente alta, de modo que os distribuidores independentes menores não podiam pagar e os distribuidores maiores se recusavam a pagar, por ter receio de não ter o feedback financeiro que compensasse o investimento.

Também colaborou a tragédia de 1999, conhecida como massacre de Columbine. Pegaria mal trazer uma história cujo enredo envolve estudantes do ensino médio matando uns aos outros, mesmo que ele tenha sido bem recebido em 2001.

Ele foi de fato proibido na televisão da Coreia do Sul. Já na Alemanha ele foi incluído no índice de mídia que ameaça a juventude, sendo confiscado na década de 2010, proibido de passar e ser veiculado publicamente por alguns anos.

Nos Estados Unidos se pensou em fazer um remake norte-americano, desde o início dos anos 2000. O produtor Roy Lee - de outras refilmagens de obras japonesas e chinesas como O Chamado, O Grito e Os Infiltrados - obteve os direitos em 2006, mas demorou tanto a fazer o filme que Jogos Vorazes estreou em 2012, tornando inviável fazer essa versão sem haver comparações entre as duas distopias juvenis, mesmo que Battle Royale tenha sido lançado obviamente antes.

Foram gastos seis meses de pré-produção com leituras de roteiro e testes físicos com o elenco e com Fukasaku. Mais de 800 atores e atrizes fizeram testes para interpretar os estudantes e nenhum membro do elenco teve dublês, nem mesmo o protagonista, Tatsuya Fujiwara.

Batalha Real : Distopia, delinquência juvenil e muito gore em um clássico do horror e drama

O filme foi rodado em diferentes locais do Japão, inclusive na pequena ilha Hachijô-Kojima, um lugar desabitado, na cadeia de Izu, centenas de quilômetros ao sul de Tóquio.

Muitas cenas onde os estudantes são vistos à beira-mar são nesse local, assim como os momentos finais. Teve cenas em Shibuya-ku e no rio Tama, em Shukugawara Dam em Kawasaki-shi.

Kinji Fukasaku trabalhou em Luta sem Código de Honra, Duelo em Hiroshima e os outros volumes da série Yakuza Papers. Também fez Virus, Os 47 Ronins e o Fantasma de Yotsuya. Na época do filme ele estava vivendo o seu 70º aniversário, já no final da vida, já que faleceria dois anos depois, devido a um câncer de próstata, durante a produção da sequência Batoru rowaiaru II: Chinkonka, encerrando assim uma carreira de 40 anos na cadeira de diretor.

Kenta Fukusaku escreveu episódios em Marvel Anime e a versão animada de Blade. Se tornou realizador também, finalizando a parte dois dessa história, além de ter dirigido X (ekusu kurosu): makyô densetsu, Kiru e Kuronezumi.

Membros do parlamento japonês tentaram proibir a circulação do livro, sem sucesso. Quando o filme foi lançado tentaram proibi-lo também, fato que ajudou a influenciar o público a ir assistir, tanto que ele se tornou um dos 10 filmes de maior bilheteria no Japão, sendo o mais lucrativo de 2000, mesmo tendo sido lançado no final do ano.

A trama inicia embalada por uma música instrumental, com um aviso da situação política vigente. A mensagem determina que "no alvorecer do milênio" a sociedade entrou em colapso. É uma extrapolação do neoliberalismo, com temperos de regime fascista.

Como o índice de desemprego é gigantesco, a juventude se rebela contra o governo, tanto que boicotam as escolas e o sistema educacional como um todo, ao menos é essa a fala oficial das autoridades. O pretexto para fazer esses jogos é a taxa de criminalidade juvenil, que disparou nos últimos anos. Temendo os jovens, a população adulta instaurou uma lei de reforma educacional, a lei Battle Royale.

As semelhanças desse modo de ação com a de regimes nazi-fascistas são muitas, desde os modos mais rebuscados de suicídio, que tem em comum a droga ingerível com o exército do Fuhrer da Alemanha na Segunda Guerra, até a concentração pouco prática de inimigos do Estado em um campo isolado, feito isso basicamente para fazer o povo temer se insurgir contra os cabeças da nação.

A ideia de economia neoliberal aparentemente esgarçou tanto o Japão que gerou a miséria e a crise monetária que aqui se percebe - ainda que seja mais ao fundo, já que o foco narrativa é nas torturas e violência. Dessa forma, ao invés dos políticos pensarem em formas de reverter a economia, se procura um alvo, um bode expiatório, sendo eleitos os jovens, que certamente não aceitam esse sistema, se tornando assim a mais perfeita mira dos covardes e frouxos que mandam na nação.

Há uma versão do diretor, que permite adentrar um pouco mias na intimidade dos alunos/jovens, inclusive com cenas de jogos de basquete entre eles. Aqui há uma demonstração de competitividade, de disputa entre eles, mas não moralista e sanguinária, um certame saudável, não mortal.

Essa é a prova cabal de que se dependesse dos jogadores, essa disputa jamais ocorreria.

O filme não tem um protagonista muito estabelecido. Se destaca o personagem do professor Kitano, do veterano Takeshi Kitano.

Já entre os alunos, há um tempo maior dedicado a Shuya Nanahara (Fujiwara), um rapaz moço, que antes mesmo da trama bizarra começar, já tem um grande choque, já que ao chegar em casa, percebe que seu pai se suicidou.

Batalha Real : Distopia, delinquência juvenil e muito gore em um clássico do horror e drama

Esse início ajuda a mostrar também que os jovens estão praticamente sozinhos nesse universo. Suas desventuras serão vividas por eles e por mais ninguém. Não há socorro ou alternativa não mortal para os seus destinos.

Não há demora em mostrar os adolescentes sendo capturados, depois instruídos em uma sala de aula, por um homem idoso, cercado de militares fardados.

Nas conversas ministradas por Kitano, eles são conscientizados de que passarão por provações, em uma ilha desabitada, perto do Japão. Não há como recusar, alguns já são mortos antes mesmo da viagem, simplesmente por demonstrarem descontentamento com isso.

Takeshi Kitano na época assinava Bito Kitano. Sua participação é bastante emocional, já que o seu personagem é partesim do regime que oprime os jovens, mas ele mesmo possui seu drama pessoal, já que é ignorado por sua filha, que sequer quer atender as suas ligações.

Não fica claro se ele age dessa forma violenta graça a rejeição da filha ou se é esse isolamento que o empurra para essa função infame. O que fica claro é que ele tangencia entre o prazer de infligir dor e a obrigação de trabalhar nisso.

Batalha Real : Distopia, delinquência juvenil e muito gore em um clássico do horror e drama

Kitano vinha de Furyo: Em Nome da Honra, com David Bowie. Com os anos se tornou diretor fez Policial Violento, Adrenalina Máxima, Fogos de Artifício e Zatoichi.

Os jovens têm no pescoço uma espécie de coleira eletrônica, que possui um dispositivo com timer. Caso eles tentem fugir, aciona um mecanismo autodestrutivo, que estoura o pescoço do sujeito.

Na ilha eles são mais de 40 e o objetivo dado é o de reduzir o máximo, para apenas um. Todas as instruções são dadas por uma moça bonita, que parece uma apresentadora de canal de televisão aberta, dos programas matinais infantis.

A empolgação dela contrasta obviamente com a aproximação da morte que cada um dos competidores acaba tendo.

Batalha Real : Distopia, delinquência juvenil e muito gore em um clássico do horror e drama

Na ilha as crianças morrem rapidamente. Cada cadáver é devidamente catalogado em frente à tela. As mortes são mostradas de maneira tão gráficas e com tanto barulho no sistema interno de exibição, que beira a representação visual de onomatopeias, copiando assim uma forma de contar história oriunda dos quadrinhos ocidentais.

Sendo esse um filme japonês, baseado em um livro nipônico, chega a ser cínica e salutar a antropofagia cultural vista nesse segmento.

Por mais que seja algo visualmente inocente, há um bom acréscimo de drama, já que mostra que essas vidas são tratadas como meras mercadorias, como objetos do entretenimento dos espectadores do filme no cinema e até aos participantes dessa trama, uma vez que a competição mira entreter a população, mesmo que não seja garantido que esse programa gravado será exibido ao grande público.

Não falta gore. Os jovens se matam, com a maioria não tendo qualquer pena dos adversários dentro do jogo. Kazuo Kiriyama (Masanabo Andô) por exemplo é cruel, mesmo tendo uma idade infantil, já que atira covardemente em meninas desarmadas.

O elenco ainda possui Chiaki Kuriyama que faria Gogo Yubari em Kill Bill, a convite de Quentin Tarantino que era bastante fã da obra de Fukasaku. Aqui ela interpreta a bela moça virginal Takako Chigusa, que também entra em umas batalhas bizarras e sangrentas.

Batalha Real : Distopia, delinquência juvenil e muito gore em um clássico do horror e drama

Normalmente se encara a juventude e infância as fases de maior esperança de vida na sociedade, em Batalha Real isso é invertido, supostamente por culpa dos próprios jovens.

O senso de justiça é completamente torto, afinal, todo um secto de pessoas não deveria poder sofrer por conta da decisão de um indivíduo autoritário e manipulador. A lógica de genocídio é toda baseada nesse princípio e aqui ela é posta em prática, sem qualquer remorso, até com uma aura de assunto proibido.

Há também um conteúdo sexual surpreendentemente adulto, com referência a sexo e até a relações LGBT. Sendo um filme de 2000, é considerável a modernidade, mas claramente a ideia é chocar, tanto que faz crer que as meninas usam a sedução como arma.

Há momentos sui generis, como quando Kiriyama, retorna cego e distribui tiros em quem ousa fazer barulho, tendo depois desse trecho o seu trágico fim. Sua queda resulta em um momento poético, como um demônio noturno que se extingue diante da luz.

O verdadeiro vilão é o governo, mas o mais palpável certamente é o instrutor Kitano. Ele é baleado pelos três sobreviventes restantes. Ainda consegue saborear um biscoito, atirar com uma pistola de água os meninos e metralhar com balas reais seu celular.

A dúvida que fica no final é se ele iria ou não matar os garotos, já que sabia estar com uma pistola de brinquedo e outra real. Ele escolheu morrer? Ele poupou os garotos graças a um arrependimento ou por não enxergar mais motivos para viver daquele jeito? A dúvida jamais é respondida e é melhor assim, já que a dubiedade acrescenta dramaticidade a trama.

Batalha Real é visceral, violento e cheio de mensagens, consegue valorizar os clichês dos mangás shonen, estabelecendo os valores de amizade superior até a barbárie, sem deixar de lado o espectador que quer ver violência explícita, gore e sadismo.

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