O Homem da Máfia : O registro melancólico e triste sobre o crime organizado dos anos Obama

O Homem da Máfia : O registro melancólico e triste sobre o crime organizado dos anos ObamaO Homem da Máfia é um episódio recente entre os filmes sobre máfia, crime organizado e gângsteres nos Estados Unidos. Dirigido e escrito por Andrew Dominik, é uma história sobre um país em crise e sobre as dificuldades dos cidadãos em conviver com as questões do capitalismo tardio e sobre como a crise financeira interfere até em âmbitos de criminalidade.

Protagonizado por Brad Pitt e baseado no livro Cogan's Trade de George V. Higgins, o longa narra a história de uma investigação a respeito de um assalto em um jogo de pôquer que envolve gente do crime organizado em Nova Orleans.

Acompanha o matador profissional e homem de negócios Jackie Coogan (Pitt), que é chamado para investigar o caso, já que os chefões da máfia desejam que os responsáveis sejam punidos, mas sem sujar as mãos com isso, por serem intimamente ligados com os bandidos que protagonizaram o incidente.

A partir desse ponto ocorre uma série de desenganos e atos estranhos, bizarros, com enganos e desencontros pitorescos.

Depois de trabalhar em Bastardos Inglórios, Brad Pitt abordou o produtor (e cancelado) Harvey Weinstein para adaptar o livro Cogans Trade. Na época, o ator estava ciente das acusações de assédio sexual contra Weinstein muitos anos antes de o filme ser rodado.

Angelina Jolie, que foi esposa de Pitt disse em entrevista ao The Guardian em 4 de setembro de 2021 que brigou com o ator por causa da participação de Weinstein havia assediado sexualmente ela quando estava em início de sua carreira, mas mesmo sabendo disso, não abria mão do sujeito como produtor executivo. Pitt também namorou Gwyneth Paltrow, que também acusou Weinstein de assediá-la sexualmente na década de 1990, justamente enquanto ela namorava o ator.

O Homem da Máfia : O registro melancólico e triste sobre o crime organizado dos anos Obama

Material de divulgação de O Homem da Máfia, sem Harvey Weinstein, que se tornou persona non grata

É bem difícil de falar a respeito desse filme sem lembrar dessas e de outras histórias periféricas. Pitt é produtor dessa obra e acabou também trabalhando como produtor executivo em Ela Disse, um filme biográfico que mira exatamente a história do assediador que foi Harvey.

Os produtores foram Pitt, claro, Dede Gardner, Anthony Katagas, Paula Mae Schwartz e Steve Schwartz. Assinaram produção executiva Marc Butan, Megan Ellison, Bill Johnson, Jim Seibel, Spencer Silver, Adi Shankar, Harvey e Bob Weinstein.

Os estúdios por trás do filme foram Plan B Entertainment, 1984 Private Defense Contractors, Annapurna Pictures, Chockstone Pictures e Inferno Entertainment.

Originalmente o projeto seria chamado de Cogan's Trade, mas optaram por Killing Them Softly. No Canadá é conhecido como Cogan - La mort en douce, já na França era Cogan: Killing Them Softly. Nos países de língua espanhola, como Chile, Colombia, Equador e Argentina era Mátalos suavemente, já em Portugal era Mata-os Suavemente.

Situado em Boston, Massachusetts, foi filmado inteiramente em Louisiana-Nova Orleans. Teve locações em Claiborne Avenue Bridge, Union Passenger Terminal - Loyola Avenue, New Orleans International Airport - 900 Airline Drive e em Casamento's Restaurant, 4330 Magazine St.

Dominik fez até então dois filmes, Chopper: Memórias de Um Criminoso em 2000 e o western O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford em 2007. Em 2005, foi câmera de segunda unidade de Novo Mundo de Terrence Malick. Também conduziu episódios de Mindhunter, seu último trabalho foi o criticado Blonde, em 2022.

Higgins escreveu alguns livros, como The Friendds of Eddie Coyle e The Rat on Fire. O primeiro desse foi adaptado em Os Amigos de Eddie Coyle, chegando aos cinemas em 1976.

Dede Gardner produziu 12 Anos de Escravidão, Selma: Uma Luta Pela Igualdade, Moonlight: Sob a Luz do Luar e Se a Rua Beale Falasse. Anthony Katagas também fez 12 Anos de Escravidão e Ad Astra: Rumo às Estrelas, ambos estrelando Pitt.

Brad Pitt também produziu Ad Astra, O Rei, Blonde. Ao longo dos anos trabalhou atrás das câmeras em diversos filmes e seriados. Fora os já citados, foi produtor executivo em The OA e na cinebiografia Bob Marley: One Love.

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Paula Mae Schwartz trabalhou em A Árvore da Vida e O Conselheiro do Crime, já Steve Schwartz fez A Estrada, O Conselheiro do Crime e Um Jantar Entre Espiões.

Esse foi um dos 22 filmes a ter um CinemaScore "F". CinemaScore é uma empresa que trabalha em pesquisa para avaliar as experiências de visualização do público, com notas de cartas.

Dessa forma, relata os resultados e prevê receitas de bilheteria com base nos dados. F obviamente prevê uma arrecadação baixa e esse O Homem da Máfia foi classificado assim junto com Filha do Mal (2012) e A Casa Silenciosa de 2011.

Um dos fatos curiosos sobre o filme envolveu A Turquia. Um ex-ministro da Cultura achou o filme tão ofensivo que disse à imprensa que queria que o limite de idade para este filme fosse aumentado de 13 para 18 anos ou, se possível, removê-lo completamente dos cinemas.

O pontapé narrativo é o anúncio bastante óbvio de que o país está em crise. O caminhar de Scoot McNairy e seu Frankie é reto, mas parece cambaleante.

O silêncio é interrompido de maneira intermitente, entra uma tela preta que mostra o nome do filme, enquanto os Estados Unidos se preparam para escolher entre Barack Obama e John McCain.

O personagem encontra Russell (Ben Mendelsohn) um bandido da ralé, que trabalha como cuidador de cães, já que obviamente não consegue renda o suficiente para não precisar fazer bicos. Até as pessoas que orbitam o crime organizado - nem Frank e nem Russell parecem ser parte da máfia, Cosa Nostra ou qualquer organização criminosa pomposa - precisam ter mais de uma função empregatícia.

Aparentemente, o crime não compensa, ao menos não nas esferas mais baixas. A corrida em busca de capital segue maltratando as classes menos abastadas, mesmo em um cenário criminal como esse.

A dupla encontra Johnny Amato, personagem de Vincent Curatola e se preparam para fazer um trabalho, mesmo que o chefão italiano não ache Russell confiável.

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De fato, Mendelsohn está parecendo alguém suspeito. Sua conduta é insegura, ele parece alguém prestes a explodir, além disso, está malvestido, sujo, sua postura é desleixada, de um modo que parece estar sempre dopado, drogado e dormindo nas ruas.

Ele e Frank conversam sobre trivialidades, algumas patéticas, várias delas são bastante sexistas. Claramente a tradução que Dominik faz do livro mira a verborragia sobre o nada típica dos filmes de crime de Quentin Tarantino e Martin Scorsese, especialmente Cães de Aluguel, Pulp Fiction e Os Bons Companheiros.

Esse é um filme que se baseia demais em conversas e lembranças. Quando Frankie retorna ao escritório de Amato, eles falam sobre épocas mais simples, mas falam de episódios violentos, que envolve jogatina e língua solta, como o causo envolvendo Markie Trattman, de Ray Liotta e seu jogo de cartas que foi roubado - por ele mesmo, diga-se.

Os bandidos usam de métodos mambembes, usam luvas de cozinha, toca de meia calça e uma espingarda de cano serrado quase até o final. A ideia é culpar Markie, já que ele abriu o precedente de falar que cometeu esse erro.

Entre os assaltantes há um grande jogo de blefe, como quando Markie fala com Russell, diz que ele vai morrer. Esse parece um jogo de blefe melhor que muitos jogos de pôquer ou outros de carteado. Gananciosos, resolvem limpar até os jogadores, que claramente são bandidos.

Ao fundo, se ouvem comentários políticos e até pregações de presbíteros evangélicos. A sequência é tensa, parece que vai dar tudo errado, mas não dá.

Aparece Jackie Cogan, o personagem de Brad Pitt, em um carro, ele é chamado para intervir na situação. Depois de conversar com o personagem sem nome de Richard Jenkins, suspeita do óbvio, que Trattman cometeu o mesmo erro de antes.

Os áudios sobre a política local e sobre a nova situação do país passam ao fundo da história e tem em comum com o plot central a questão de um povo apreensivo. No primeiro plano acontecem atos criminosos e violentos, como o interrogatório de Markie, ao fundo se pensa que o país vai melhorar, a despeito de suas muitas crises.

Barry (Max Casella) e Steve Caprio (Trevor Long) são designados para interrogar ele, sobre o pretexto de pegar leve com ele. Ainda assim, a cena é violenta. Dominik brinca com perspectiva, varia de velocidade, usa slow motion, dá cenas escatológicas, faz o personagem de Markie sofrer, mas não define nada.

A narrativa é quase sempre levada por ações desimportantes, por conversas de bandidos que dialogam sobre outros crimes, sobre momentos engraçados e de burrice de outros bandidos.

Em um desses momentos, Russell assume a sua própria ignorância, inclusive, admite que falou demais, com um informante do chefão Dillon, o mesmo que sofreu prejuízo no roubo ao jogo de Markie.

Mesmo sabendo a identidade dos "garotos", há quem ainda suspeite de Markie, mas Coogan é cauteloso, não quer fazer nada sem ter certeza. Seu personagem é engraçado, verborrágico, dotado de personalidade forte e reta.

Ele afirma não querer se envolver com esses assassinatos, por que pode ficar emocional demais, pode parecer uma desculpa, mas de fato há um peso. É de uma fala sua que vem a frase que dá nome ao filme, já que ele gosta de matar suavemente, portanto: killing them softly.

Por isso ele convida Mickey, personagem de James Gandolfini, normalmente ele é caro, mas Jackie acha que ele aceitaria o trabalho por 15 mil, dois dias, nessa crise.

O sujeito está tão mal, tão deprimido e melancólico, que não consegue se concentrar em nada, exceto em seus problemas conjugais e seus dramas com a justiça. Ele está muito mal, havia quem associasse esse estado depressivo a Gandolfini, que morreu em 2013, um ano depois desse, de ataque cardíaco, provavelmente por excessos, como os que Mickey pratica.

O Homem da Máfia : O registro melancólico e triste sobre o crime organizado dos anos Obama

Brad Pitt e Gandolfini já haviam atuado juntos em duas obras, em Amor à Queima Roupa de Tony Scott e em A Mexicana, mas é nesse que os dois tem chance de realmente contracenarem, inclusive em momentos fortes.

A próxima cena com Mickey é ainda mais tragicômica. Ele, que já estava um caco, ainda se consome em droga e bebedeira. Segundo a fala de Coogan, a chama do sujeito parecia estar se extinguindo, se apagando de vez, desse modo ele deixou de ser um bom candidato para executar o serviço.

Markie e Jackie acabam se encontrando no meio do procedimento de um trabalho. Aqui é demonstrado como é o comportamento do personagem de Pitt, demonstrando como ele gosta de trabalhar.

A cena é bonita, especialmente por tocar Love Letters de Ketty Lester.

Jackie passa por uma briga de rua, que passa na parte de trás da tela. Na verdade, só se ouve, uma discussão ao fundo, além de tiros. Ninguém interfere, cada pessoa cuida apenas de suas próprias coisas e seus próprios negócios, afinal, nesse mundo perigoso, é preciso ter muito cuidado.

Coogan é muito amedrontador. Ele ataca e não precisa gritar, nem mostrar arma, sequer se apresenta. Seu trabalho é só conversa e postura. Acaba convencendo Frankie a entregar onde Johnny vai estar. O cinematógrafo Greig Fraser coloca a câmera colada na janela do banco do carona, para convidar o espectador ao mesmo nível de sensação estressante pela qual Frankie passa.

O filme é tão imersivo que mal se nota a hora passar. Enquanto Jackie conduz a ação a sensação é de algo trágico está para acontecer. É sempre assim.

Depois de um trabalho executado, Jackie vai a um bar, aguardar o seu contato. Durante a espera, ocorre o discurso da vitória de Obama.

A fala sobre todos estarem em pé de igualdade e serem tratados como tal obviamente contrasta com a violência estabelecida aqui.

Aos criminosos, restam as discussões sobre dinheiro, sobre como se paga, sobre a crise e sobre o cinismo/praticidade de Coogan, que não aceita receber menos do que o preço combinado, mesmo que o seu empregador tente pagar menos, em uma manobra em cima da hora do pagamento.

Ele é bom no que faz e sabe quem é, não vai ser uma questão circunstancial que freará isso, ao menos em teoria, já que entram os créditos finais depois da conversa dele com o motorista...

A oportunidade de praticar o mal ganha novos e estranhos contornos aqui, mas não sem motivo.

Dominik faz em O Homem da Máfia um experimento sobre uma América que abandona a característica esperançosa e que mostra como funciona a criminalidade nas periferias, afetando não só os bandidos tradicionais como as pessoas da classe mais pobre. Acaba sendo um libelo sobre o consumo voraz do capitalismo tardio, que interfere e envenena as classes menos abastadas dos Estados Unidos.

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