Lúcio Fulci é um cineasta lembrado por sua carreira no cinema de horror, seja pelos filmes de zumbi, de horror sobrenatural, picaretices metalinguísticas ou até Giallo. Era um sujeito que trabalhava ecleticamente, sendo inclusive condutor de obras dentro do Western Spaghetti, o Bangue-Bangue à Italiana.
É esse o caso de Tempo de Massacre, obra lançado em 1966, que trouxe Franco Nero no papel de Tom Corbett, personagem bonzinho, trabalhador e pacifico, que retornou a sua antiga cidade por conta de um mal-entendido. Esse seria o primeiro de três outros filmes do cineasta dentro desse filão, seguido por Os Quatro do Apocalipse (1975) e Sela de Prata (1978).
Do original Le Colt Cantarono La Morte e Fu...Tempo di Massacre (que traduzido seria como Os Colt cantam para a morte, e foi: um tempo de massacre), ainda recebeu o sugestivo nome Django - Der Hauch des Todes na Alemanha, basicamente por que trazia Nero como ator central. Isso aliás era um artifício comum, vários filmes fingiam ser sequências de outras obras famosas, só para tentar surfar uma popularidade que não era sua.
Já nos Estados Unidos teve dois nomes, Massacre Time e The Brute and the Beast.
O início já é agressivo, com os bandidos da gangue de Scott (Giuseppe Addobbati) chegando até uma pequena cidade, obrigando as pessoas a obedecer seus desejos mimados e suas ordens absurdas.
Apesar de Scott ser o líder do bando, é seu filho, Jason Junior (Nino Castelnuovo) a figura mais temida nas redondezas. Nesse trecho ele libera um homem na mata. Se percebe que o sujeito está ferido, tanto que ele manca, logo depois ele solta os cães, para farejar o sujeito, limitando assim as suas chances de fugir.
A sequência acaba como um número de caça, cuja presa não tem qualquer possibilidade de sair vivo. É cruel, covarde, mas serve ao propósito de mostrar como Fulci será estiloso ao explorar fatos corriqueiros dos filmes de faroeste europeu, com boas cenas emulando o movimento de cavaleiros medievais.
Também mostra o quanto o o opositor é malvado, terminando a sequência com o rio sendo poeticamente manchado de sangue.
A introdução do antagonista o amaldiçoa, enquanto a do herói, o glorifica. Tom Cobert é visto em cenários simples, de garimpo, todo sujo de areia e fuligem. O personagem de Nero trabalha, depois se alimenta de maneira tranquila e humilde.
Ele recebe um recado, de Carradine, um velho amigo, mas sem grandes detalhes no bilhete, que pede apenas para que ele volte. Cobert então decide retornar ao lar de sua família, enquanto a viola de Coriolano Gori toca, com uma docilidade ímpar. Em sua preparação ele maneja o revólver com intimidade, depois passa uma demão de tinta.
Aqui já fica claro que ele matou pessoas, que não faz isso há muito tempo e que não quer praticar novamente atos como esse. Se o filme fosse mudo, ainda assim seria fácil entender as motivações do herói, daria para perceber a intenção do roteiro de Fernando Di Leo.
As músicas mudam completamente de estilo e tom entre as cenas, com variações drásticas entre elas, dependendo da situação que está em tela. Nas cavalgadas há um ritmo bem diferente e igualmente inspirado aos momentos de reflexão. Em batalhas tocam tambores, nos trechos mais calmos, flautas, tendo também bandolins na introdução da cidade, que é um lugar mais agitado, de mais festas. Fulci mistura bem as canções e com elas ajuda a montar a personalidade do seu herói calado.
Gori acaba sendo um bom parceiro para Fulci aqui, mas sua carreira passa por obras de diversos estilos e gêneros. Ele trabalhou em A Vingança de Django (1971) e Rastro do Ouro Sangrento (1973), dois filmes de faroeste, mas também no filme sobre máfia Battle of the Godfathers (1973) e no filme de horror proibido em diversos países Bestialita (1976).
A música tema do bando de Scott é bem tensa e assustadora. Quando ele e o seu bando se aproximam fica claro o medo geral dos locais. Cobert pôde testemunhar a crueldade do sujeito, que permite que seu filho mate um rapaz por nada, só para impedir que essa família saia do vilarejo. É unicamente para demonstrar poder e para determinar que eles são os donos do lugar.
Jason Junior quer todos ali, como reféns de suas vontades, como servos das suas vontades mimadas.
Não demora até que o protagonista ache seu irmão, embora poucas pessoas saibam dar o seu paradeiro. Claramente os Corbett esconderam, e quando ele entra na casa do irmão, percebe Jeff (George Hilton) agora passa os dias na cama, bêbado, tentando apagar algo de sua lembrança e mente. Cabe ao herói descobrir o que é.
Nero é lembrado sempre como um belo protagonista de filmes de ação no faroeste, mas normalmente faz figuras de caráter duplo, os famosos anti-heróis. Aqui não, ele é trabalhador, um homem tranquilo, que se vê obrigado a cumprir uma tarefa inglória.
Fatos do seu passado ou não são revelados ou são distribuídos aos poucos. Dá para afirmar que sim, ele é um herói, um bom homem, de honra e comportamento correto, só não é burro.
O filme foi rodado em Roma, no Tivoli Metropolitan City of Rome, além das cenas internas serem também na capital, nos Elios Studios, em Lazio. Vale lembrar que os bangue-bangue à italiana mais pomposos rodavam no deserto da Espanha, normalmente em Almería.
Considerando que esse é um western da década de sessenta e que é conduzido por um cineasta de filmes agressivos e medonhos, esse é um longa pouco violento. Há poucos momentos com tiros em tela, boa parte da ação se dá por meio de lutas, daquelas de mão aberta, como eram nos filmes com Bud Spencer e Terence Hill. Jeff participa de alguns números desses, até mais do que seu irmão.
Já as cenas de tiroteio são poucas e estilizadas. Em alguns pontos, parecem legais, mas o artifício de filmar a ação por ângulos diferente cansa um pouco, vira algo repetitivo. Em outros pontos, descamba para o nonsense, como na briga de chibatas com Jason Junior, que começa de maneira infantil, com empurrões sobre os móveis e termina com ferimentos mortais, que quase reduzem o personagem central a pó.
Scott posa como um homem bom e sábio, tenta parecer o bandido civilizado, mas acaba matando a mãe de Jeff e Tom, em um incidente que tenta parecer um fogo cruzado, quando claramente não é.
Já a parte dramática é bem forçada, incluindo o insuportável chavão de associar bandido e herói com o vínculo da paternidade. Vale lembrar que o filme é de 1966, 14 anos antes de O Império Contra-Ataca, onde Darth Vader assume ser pai de Luke Skywalker.
Scott diz ao filho perdido que não foi ele quem mandou os homens até a sua casa. Fica bem evidente que a culpa foi do outro membro da família. Essa sequência inteira é cheia de pieguices, resultando até numa briga entre irmãos, que termina subitamente, tão rápido como começou e sem necessidade de pedidos de desculpas entre eles.
As emoções são desimportantes, o importante é o balé de balas e corpos caindo. Fulci filma bem, valoriza os cenários que tem a sua disposição e tira o melhor de Nero enquanto astro de ação. Faz números bem variados e criativos, entre tiros e sopapos, narra a odisseia dos irmãos vingativos. Ainda utiliza bem o clichê dos homens que voam ao receber o impacto das balas.
A batalha final tenta emocionar, variando bastante entre quem está em vantagem e desvantagem, mas soa tola, ainda mais por ser embalada por uma música com letra evocativa.
Tempo de Massacre é uma obra que está longe de figurar no primeiro escalão entre os filmes europeus, em alguns pontos, mal parece um exemplar do estilo western spaghetti, já que tenta perverter as bandeiras do gênero mesmo com o apelo a alguns dos chavões, mas compensa, sendo criativo. Fulci investe em poesia narrativa em detrimento da ação desenfreada, fato que fará com que ele seja naturalmente apreciado mais por nicho do que pelo público fã do estilo.
Comente pelo Facebook
Comentários
Comente pelo Facebook
Comentários