Uma Bala Para o General é um filme ítalo-espanhol do gênero faroeste, conduzido pelo diretor de gênero Damiano Damiani ainda em início de carreira. A obra é conhecida por ser a pioneira na temática dos faroestes protagonizado por mexicanos.
A produção conta com nomes de grande peso atrás e diante das câmeras. Certamente a figura mais lembrada é a o do ator principal, o icônico Gian Maria Volonté, mas além dele também se destacam a dupla de compositores o maestro Ennio Morricone, que vinha de colaborações com Sergio Leone em Por Um Punhado de Dólares, além de contar com o trabalho do argentino Luis Bacalov, que fez a trilha do clássico Django, de Sergio Corbucci.
Os Bangue Bangue à Italiana tinham característica singulares, eram bem diferentes das produções da era dos faroestes clássicos. Suas histórias eram mais violentas e viscerais, seus personagens centrais tinham moral duvidosa e não tinham receio de fugir do arquétipo do herói bonzinho e do mocinho de vestes limpas. Era comum ver protagonistas com falhas morais, sujos, maltrapilhos com roupas rasgadas.
No entanto, a desconstrução maior não era no visual e sim nas temáticas abordadas. Normalmente os filmes dos anos dourados de Hollywood focavam no avanço dos brancos, demonizando os não caucasianos. Eis que esse Uma Bala Para o General lida com questões referentes a revolução mexicana, não só como pano de fundo, mas sim com o protagonismo, dando importância e voz a personagens cujas peles e sotaque são diferentes, saindo o branco falando inglês, para entrar o moreno que habla e não fala.
Aqui é mostrado um líder popular e revolucionário como o centro emocional da narrativa, sujeito esse que após um confronto, acaba conduzindo um mercenário estadunidense até próximo da fronteira de seu país.
O personagem obviamente é feito por Volanté, que ficaria famoso por esse tipo de papel, reprisando quase sempre o arquétipo em outras produções. Mesmo que o ator tenha nascido em Milão, na Itália. Suas feições ajudavam, já que ele parecia de fato ser mexicano.
Esse tipo de abordagem se tornou tendência, ganhou tanta fama e notoriedade que virou uma espécie de subspécie ou subgênero dentro dos faroestes italianos. Foi chamada de Zapata Western e ficou conhecido como movimento de cinema que mostrava a exploração ou conflitos compreendidos na fronteira entre Estados Unidos e México.
Além da obra analisada outros clássicos do Western Spaghetti engrossaram esse filão. Uma Bala Para o General foi o primeiro, depois foi seguido pela trilogia de Sergio Sollima: O Dia da Desforra, Quando os Brutos Se Defrontam e Corre Homem, Corre. Corbucci também fez alguns, entre eles Os Violentos Vão Para o Inferno e Companheiros, além de Tepepa de Giulio Petroni.
A maioria desses filmes tem como argumento central a crítica a manipulação de Hollywood sobre temáticas territoriais e de identidade do povo americano, não só dos Estados Unidos, mas do continente como um todo. No entanto isso é percebido de maneira subliminar.
A ideia central é sempre entreter, com ação, humor e aventura, como quase todo filme western geralmente é feito. A diferença é que há um subtexto perceptível para olhos e ouvidos treinados.
Se os filmes de mocinho pós John Ford valorizavam o imperialismo estadunidense, esses conversam com o desejo de independência e emancipação dos latino-americanos. Servem como um manifesto ideológico, uma vez que boa parte dos diretores desse segmento tinham aspirações políticas de ordem marxista. Alguns tinham envolvimento direto com partidos comunistas, utilizavam então o seu cinema para passar algumas mensagens caras a eles, de valorização do proletariado.
Tal qual ocorria com boa parte do cinema italiano, esse também possui dezenas de nomes diferentes. O registro na Itália foi "duplo", já que era possível achar como Quién Sabe, mas também em uma versão maior, carregando o apelido do protagonista: El Chucho Quién Sabe.
Também era possível achar como Dios Perdona. .¡ yo no! na Argentina, Yo Soy la Revolución na Espanha, Jó Sóc la Revolució na Catalunha, El Chuncho na França. No Brasil também é conhecido como Gringo, nome esse encontrado em outros países de língua latina. Em Portugal foi O Mercenário. Na maior parte do mundo, usa o nome em inglês, A Bullet for General, que serviu de tradução para o nome mais conhecido em terras brasileiras.
O longa-metragem foi rodado quase todo na Espanha, na região da Andalucía, com cenas em Granada, nas áreas desérticas de Almería, em San José e algumas tomadas internas no Cinecittá, em Roma.
O filme conta com roteiro de Salvatore Laurani, com auxílio de Franco Solinas. Foi produzido por Bianco Manini, do estúdio financiador, a MCM. Apesar desses destaques o ponto alto da produção certamente é o seu elenco.
Além do carismático Gian Maria Volonté fazendo o alcoviteiro El Chuncho Muños, havia também Martine Beswick, como a bela Adelita, o alemão Klaus Kinski como o religioso católico El Santo e Lou Castel, que faz o caçador de recompensas estadunidense Bill Tate, o Gringo do título.
O filme não tem tantos momentos dramáticos que possam ser estragados por spoilers, mas deixamos um aviso de que a partir daqui, falaremos abertamente sobre a narrativa.
A trama já começa com um comentário político. Assim que a câmera registra gente em tela, aparece uma fila de pessoas e um pelotão de fuzilamento, que coloca pessoas não caucasianas, na frente de um paredão claro, branco como a neve.
Os alvos gritam e clamando por liberdade. Um dos condenados praticamente implora para ser morto logo, já que o encerramento de sua vida poderia ser algo simbólico, poderia ter um peso maior do que o de uma mera execução de opositores de um regime autoritário.
Logo depois se fala que entre 1910 e 1920 o México foi devastado por lutas internas, por brigas de facções que se espalhavam pelo território do país. Curiosamente não há da parte do roteiro uma grande crítica os estadunidenses, que tomaram para si alguns territórios.
Chucho (ou Chuncho, dependendo da dublagem ou legenda) monta uma emboscada no deserto. O ardil ocorre com uma linha de tiros, em cima de montes, perto de uma linha férrea.
A conexão entre o início do filme e esse trecho é o estrangeiro, o "gringo" que Castel faz. Ele está a bordo de um trem repleto de oficiais do exercito mexicano, onde o sujeito de maior patente é o tenente Álvaro Ferreira, personagem do espanhol Aldo Sambrell, que anos mais tarde, se tornaria diretor de filmes western também.
Logo o oficial é posto em cheque, tendo que escolher entre morrer nos trilhos, graças as balas do protagonista, ou passar pelo capitão Enrique Sancho (Rufino Inglés), que é o sujeito está acorrentado aos trilhos. Tate faz questão de não participar dessa celeuma, lá dentro, trata de arrumar correntes, para fingir ser um prisioneiro. Enquanto isso, Ferreira manda que o maquinista passe por cima do seu superior, afinal, morreriam todos se ele nada fizesse.
Chuncho invade o espaço do trem, pega os pertences, faz saques e manda as pessoas saírem. O seu bando é mostrado em detalhes e no meio da grande bagunça instituída ali, ainda há espaço para um padre advertir El Santo, perguntando como alguém religioso está com um bando malvado como aquele.
Ao invés de evocar a veia revolucionária de Jesus, o personagem de Klinski diz que Jesus morreu entre dois ladrões. Sua saída covarde ajuda a determinar o quanto ele mesmo não tem a certeza de que a opção ideal é estar ali com os seus companheiros revolucionários.
O ideal para ele certamente seria o de ter uma vida mais pacata e tranquila, não violenta, sanguinária e saqueadora como é aqui.
Chuncho acha Tate simpático, apesar da timidez do sujeito. Ele rapidamente se afeiçoa ao loiro, o trata de maneira quase apaixonada, mudando o seu nome. A partir daquele ponto, ele se chama Niño.
O líder se compadece da história que Niño conta, sem saber que ele apenas fingia ser um prisioneiro. Como ambos são oprimidos pelas forças oficiais dos exércitos mexicanos e estadunidenses, Chuncho vê Tate como um igual, permite que o homem acompanhe os revolucionários, sem saber que o sujeito não nutre nenhuma simpatia por seu grupo, além de assumidamente detestar o México, buscando obviamente fugir do país o quanto antes.
A postura de Bill é bem diferente da que os novos companheiros tem, ele é fisicamente diferente, é bem mais discreto, calmo e silencioso do que seus novos chegados. Ele parece ser manipulador também, ainda que consiga esconder bem as suas reais intenções no começo.
No comportamento do grupo de revolucionários se percebem semelhanças com os cangaceiros do sertão nordestino brasileiro. O bando de Chuncho se apropria de casas de pessoas abastadas, no interior delas ameaçam as algumas.
No meio desse segmento, há algumas menções de violência sexual e até estupro. Não há nenhuma cena explícita, mas a sequência é dramática, começando pelo relato de Adelita, que disse ter sido violentada muito cedo, aos 12 anos.
As plateias mais sensíveis possivelmente não se escandalizarão caso vejam esse trecho, não pelo grafismo mesmo, mas possivelmente condenarão a justificativa que Adelita dá para a possibilidade de ocorrer violência sexual com uma mulher branca.
Há de se levar em conta a mágoa de quem foi abusado, fora da educação pregada por Paulo Freire, é dado que o oprimido sem educação tende a quer ser como o opressor. Isso é visto aqui, de maneira literal e o texto de Laurani e Solinas é avançado o suficiente para encarar o mesmo radical de pensamento da filosofia freireana.
A sequência ainda termina trágica, com a morte de Guapo (Santiago Santos), um capanga que parte para cima do gringo, depois que Niño acha nojenta a atitude abusiva do bando com a mulher de Don Felipe, o dono da fazenda invadida. Com o tempo até a condição de salvador branco (white savior) é discutida, até condenada, se levar em conta o final. Bill tenta parecer correto, mas é mais parte do problema do que da solução.
O texto não mente e não se preocupa em dourar a pílula, mostra seus dois personagens centrais - Tate e Muños- como gente de moral ruim, capazes de atitudes covardes e egoístas para atingir seus anseios libertários. Eles não tem receio de parecer com gente malvada, ao contrário, o ideal para eles é se tornar figuras de temor.
A grande relação do filme é a do líder revolucionário com o gringo. Até quando as ideias dos dois entram em conflito, há uma tentativa de remendar, para que continuem andando juntos. Enquanto o mexicano quer paz, quer se acalmar e assentar em uma pequena vila, o caucasiano lidera parte do bando em saques.
Isso coloca a amizade deles em cheque, mas eles seguem se admirando mutuamente, até o instante final.
Volanté faz o personagem mais complexo dessa narrativa. Chuncho parece passar por uma crise de identidade, vivendo na dúvida entre seguir seu pensamento de emancipar sua terra e simplesmente sossegar.
Eventualmente ele cede aos desejos dos seus soldados, ajudando eles a conseguir uma metralhadora, que cuspiria muito mais tiros que as espingardas e revólveres comuns. Mas a realidade é que ele segue sem ter certeza de qual é a melhor opção para si.
Damiani é um diretor experiente. Antes desse havia feito Sicário em 1961, Vidas Vazias e A Ilha dos Prazeres Proibidos. Depois fez Por Amor ou Por Vingança, Confissões de um Comissário de Polícia e alguns filmes com temática criminal, como Os Poderes da Máfia. Já nos anos 1980 foi para os Estados Unidos, fez filmes de horror como Amityville 2: A Possessão, retornando pouco depois para fazer mais filmes em seu país natal.
Já Manini seguiu produzindo filmes de bangue bangue à italiana, como O seu Nome Clamava Vingança, Um Trem Para Durango e O Preço do Poder.
Entre os aspectos técnicos se destaca positivamente a fotografia de Antonio Secchi, que valoriza os desertos espanhóis, além de usar e abusar dos closes fechadíssimos nos astros. Já a montagem de Renato Cinquini é confusa, estica demais os momentos com menos ação, acaba colaborando para que a apreciação seja pouca prazerosa.
Chuncho tem seu destino rapidamente modificado, de uma forma que seu final se torna digno de pena. Ele fica em situação de rua, dorme pelas praças, se tornar um pedinte, que é salvo por Tate, que o reconhece na rua. Ele então é empregado pelo gringo, graças a amizade que tiveram no passado.
Nesse trecho ele se veste melhor, se domestica, parece ter esquecido completamente quem era, com quem andou, se distancia assim dos seus ideais e simplesmente esquece de seus antigos companheiros, provavelmente por culpa, pelo remorso de não ter sido tão bom quanto poderia.
Já para Tate a ótica da situação é diferente. Gringo diz que ele tornou Chuncho em um homem rico e abastado, um sujeito civilizado, que usa ternos, quase um branco. No entanto, isso não o fez ser imune a tristeza e ao revanchismo. O mexicano sucumbe ao rancor, ao saber das mentiras do americano.
Decide baleá-lo, pouco antes de entrar no trem. Niño é chamado assim pela última vez, pouco antes de morrer. Chuncho anuncia que vai matar ele, mas Niño não reage, parece não acreditar em sua sina, diz para ele que não faz sentido a atitude, até pergunta para ele por que ele o matará. A resposta é "quien sabe", o título original.
Motivos não faltam, já que o estrangeiro fez ele condenar os seus homens, trair seus ideais, vender seus esforços para quem não o valorizou. Mesmo que o filme não seja super dinâmico, é fato que esse final surpreende, recoloca o personagem central como um agente do caos, como alguém confuso e imprevisível.
Uma Bala Para o General é irregular, não é tão sério ao abordar as questões políticas, peca sobretudo pela falta de dinamismo. Poderia ser mais divertido, caso se levasse menos a sério. Vale pelo pioneirismo dos Zapata Western e pela atuação absurda que Gian Maria Volonté entrega.
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