Doctor Mordrid: O filme "fake" do Doutor Estranho

Produções sobre personagens de quadrinhos não eram nem de longe tão exitosas nos anos 1990 quanto são agora. Até então o comum era um filme ou outro ser lançado, como Superman: O Filme em 1978, uma superprodução, o barata O Monstro do Pântano em 1982, além do sucesso retumbante do Batman de Tim Burton, todas produções sobre personagens da DC. Faltava ousadia para traduzir o escapismo e lisergia dos quadrinhos da Marvel, pelo menos até 1992, com uma ideia de fazer um filme do Doutor Estranho,

Eis que a Full Moon, produtora de Charles Band, assumiu a bronca de (tentar) adaptar o universo do personagem místico de Stan Lee e Steve Ditko, mas depois de um tempo, eles perderam os direitos e desistiram não desperdiçar o roteiro.

Já sem os direitos e sem grandes cuidados com a propriedade intelectual alheia, o projeto mudou de nome para Doctor Mordrid: O Mestre do Desconhecido.

Curiosamente, Mordrid usa vestes azuis, que conversam diretamente com um dos visuais de Strange nas primeiras histórias do Mago Supremo, que anos mais tarde, teria um manto avermelhado compondo seu visual.

Doctor Strange Movie: 5 Things We Want to See

Esta versão conta com um elenco repleto de atores de produções baratas e foi lançado diretamente para o mercado de vídeos caseiros.

Sai então um herói sarcástico e poderoso e entra Anton Mordrid, um mago de idade secular, interpretado pelo (genial) Jeffrey Combs de Re-Animator: A Hora dos Mortos Vivos e da comédia sobrenatural Os Espíritos do neozelandês Peter Jackson.

Mordrid vive há mais de um século na cidade de Nova York, a principal megalópole do mundo. Apesar de parecer humilde, seu apartamento é internamente gigantesco, com uma enorme biblioteca que é acompanhada de uma cama - Sam Raimi inclusive referenciou isso em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, na casa de Stephen Strange - e toda essa estrutura está lá por motivos óbvios, já que ele guarda um portal mágico para a quarta dimensão, no meio da Roma Moderna, convenientemente no centro da civilização ocidental.

Dr. Mordrid – Teleport City

Ainda no início do filme é apresentado também o antagonista da trama, Kabal, um sujeito poderosíssimo, amante das artes místicas, que poderia ou não ser uma versão do Barão Mordo. Ele é vivido por outro ícone dos filmes baixo orçamento, Brian Thompson, que vinha de Stallone Cobra e faria anos depois Shao Khan no clássico podre Mortal Kombat: A Aniquilação.

Independente de toda a picaretagem da produção - é bom lembrar que a Full Moon é responsável pela saga interminável de Puppet Master/Mestre dos Brinquedos e da subestimada história de vampiros Subspecies - tanto Combs quanto Thompson são atores cujos dotes dramáticos subestimados.

Poucos atores fazem um sujeito insano tão bem quanto Combs. Sua capacidade de improvisação é absurda e ele tem ótimos momentos em seriados televisivos, especialmente ligados da Jornada nas Estrelas, tanto em DS9 quanto em Voyager, Enterprise e Star Trek Lower Decks. Também é conhecido por seu trabalho de voz em inúmeras animações.

Doctor Mordrid (1992) - IMDb

Ele é um verdadeiro arroz de festa em produções de horror, tanto em produções que traduzem contos de H.P. Lovecraft como o bom Do Além e Necronomicon, filmes B como Faust - Pesadelo Eterno, e produções terríveis, que só são consumíveis graças a sua participação como em Would You Rather ou Jogos Satânicos.

Já Thompson não é tão versátil quanto seu "concorrente", mas ainda assim é um brucutu que compensa sua incapacidade de atuar com bastante carisma. É uma pena que até hoje ele seja lembrado por ser a versão piorada de um dos maiores vilões de games de luta da história.

Entre seus personagens, estava o guerreiro Brok de Coração de Dragão, sujeito honrado que servia a um senhor malvado, e o líder de seita Night Slasher, que enfrentou Mario Cobretti em Cobra. Teve participações em seriados de teve como Enterprise, Aves de Rapina (conhecida no SBT como Mulher-Gato), Buffy, Arquivo X, Ds9 e até Hércules.

Dr. Mordrid – Uma versão obscura e picareta do Dr. Estranho! – Formiga Elétrica

Fato é que o dueto Thompson Combs funciona bem, mesmo com a pouca interação até o embate próximo do desfecho do longa. Há nessa rivalidade algo semelhante a luta de Connar MacLeod e Kurgal em Highlander, sobrando o espírito de que somente um pode existir nessa realidade.

Mesmo sendo uma produção de orçamento módico, há uma trilha sonora bem característica, com música de Richard Band. Outro aspecto positivo é a direção de arte de Alan Jay Vetter, que traz cenários que mesmo simples, evocam um bocado do ideal que Ditko fazia para o Doutor Estranho.

 

Isso e o design de produção de Milo dão ao longa o charme e a pouca identidade visual que ele tem.

Os Band faziam filmes que se valiam demais de outras marcas famosas, picaretas tal qual boa parte das produções de Roger Corman nos anos 80 e 90, mas aqui se vê um bom cuidado com os cenários. O design de produção aposta demais em salões grandiosos.

A casa de Anton é quase um personagem à parte, dada sua personalidade própria. Outros fatores ajudam a compor o personagem como alguém fora da realidade comum aos humanos, como o uso de um corvo como animal de estimação, antecipando até a tendência que J.K. Rowling instalaria em Harry Potter de colocar animais como auxiliar dos bruxos.

Mesmo alguns "defeitos" do elenco servem bem a trama. A falta de expressão de Combs faz ele parecer alienado, alijado dos sentimentos mundanos, refém total da condição de guardião das realidades. Sua incapacidade sentimental o faz parecer superior aos reles mortais.

Charles Band tinha o hábito de fazer filmes muito curtos. Esse não chega a ter nem 80 minutos. A pressa por terminar faz com que falte ação, restando apenas uma briga de fato, que ocorre depois de uma hora de exibição.

O Stop Motion é bem mal enquadrado, especialmente na luta de dinossauros, que era uma boa ideia, mas que foi executada de forma demasiadamente porca.

Doctor Mordrid (1992)

As criaturas das profundezas, escondidas ao longo do filme também carecem de um maior apuro visual. Percebe-las após a briga dos ossos dos animais ancestrais faz até valorizar o confronto anterior, que não havia sido tão bom.

Doctor Mordrid reúne várias boas ideias, mas desperdiça seu potencial e criatividade com uma narrativa morosa. Mesmo as atuações canhestras e exageradas soam charmosas dado o nonsense e a sem-vergonhice da obra. Se tivesse uma ação mais bem trabalhada pelos diretores Charles e Albert Band, certamente seria mais bem lembrada do que é atualmente.

Avatar

Comente pelo Facebook

Comentários

Comente pelo Facebook

Comentários

Deixe uma resposta