O cinema de horror costuma flertar com diversas pautas e assuntos, e entre esses não é incomum a discussão de questões ligadas a minorias incluindo as relacionadas a gênero,.
Pegando carona na data do Orgulho LGBTQIA +, fizemos uma breve seleção de filmes com temática que abordam relações e representações de gays, bissexuais, transexuais e demais classificações fora da heteronormatividade.
Vale lembrar que boa parte dos filmes listados, contém spoilers, portanto leia com cautela caso se importe com isso.
Acampamento Sinistro (1981) de Robert Hiltzik
Esse possivelmente é o filme mais controverso da lista. O diretor Robert Hiltzik interrompeu sua carreira como ortodontista, pegou o seguro de vida que sua mãe lhe proporcionou após a morrer e trouxe a luz uma das principais imitações de Sexta-Feira 13, pegando emprestado a locação de um acampamento para contar a história de Angela, menina interpretada por Felissa Rose que guarda um segredo sobre sua identidade e sobre um acidente no passado, que vitimou seu pai e irmão.
A questão de gênero só é revelada no final, embora se percebam alguns sinais ao longo da projeção, mas a maior polêmica do roteiro é sobre a orientação sexual da protagonista, uma vez que ela não teria liberdade alguma para decidir quem e o que seria, em relação a comportamento e a gênero.
Há quem defenda que o filme é transfóbico, outros analistas, consideram que a história narra a revanche de uma pessoa trans a quem agrediu e maltratou seu corpo e alma, uma vez que a série de assassinatos ocorre basicamente com pessoas que humilharam e fizeram bullying com a moça, e só por essa dubiedade, certamente a obra que merece ser visitada, além de possuir um trabalho de maquiagem dos mais bens elaborados no cinema de 1981.
A Hora do Pesadelo 2: A Vingança de Freddy (1985) de Jack Sholder
A continuação de A Hora do Pesadelo inovou ao ferir a mitologia de Freddy Krueger, mas chocou ainda mais pelo arco de Jesse Welsh, personagem de Mark Patton, que tinha uma clara dificuldade de relacionar com garotas, e apresentava nos fatos narrados no script, elementos que referenciavam clichês a "sair do armário", isso em meio aos anos 1980, um pouco antes do estouro de casos de AIDS no mundo inteiro.
Sholder não é bem um pouco sutil, mostra-se uma boate de bondage, cenas de intimidade entre garotos suados e sem camisa, dezenas de momentos de simbologia gay com a figura de Krueger tentando possuir o corpo de Jesse...
Ainda assim, o roteirista David Chaskin negou a intenção de alegoria de conflito entre hetero e gay no personagem que criou, fato é que o filme tem os seus bons momentos ligados a essa abordagem, e gera discussão até os dias de hoje.
Rocky Horror Picture Show (1975) de Jim Sharman
Musical de comédia, o longa de Sharman contém elementos de filmes de monstros da Universal com um texto sexual bastante explícito. Para começar ele é protagonizado por um Tim Curry que não tem vergonha nenhuma de soar afetado, sendo plenamente capaz de seduzir tudo que anda e respira.
Curry usa toda sorte de figurino feminino como o doutor Frank n Further, que ainda cria o ser humano perfeito, um homem, bem dotado, que nasce com corpo já adulto. As músicas de Richard O'Brien evocam a liberdade sentimental e sexual, efervescente e completamente queer, sem qualquer receio de ser assim, e mesmo os clichês que imitam as monstruosidades dos filmes clássicos da Hammer e Universal fomentam a causa de não reprimir desejos ou libido, é um mundo e um universo de completa liberdade.
O Silêncio dos Inocentes (1991) de Jonathan Demme
O filme de Demme não é exatamente de terror, mas contém elementos do gênero especialmente no retratar dos psicopatas. O personagem Bufalo Bill de Ted Levine é um sujeito que tem dificuldade de se localizar sexualmente, inspirado no psicopata canibal Ed Gein, tal qual foi Norman Bates em Psicose e Leatherface em O Massacre da Serra Elétrica.
A forma como se retrata o assassino é complicada, pois além de olhar para a questão transexual como algo quase como uma doença, ainda abre chance de associar a psicopatia a homossexualidade e questões de gênero normalmente excluída.
Há de lembrar que o livro de Thomas Harris tinha sua própria problemática, mas no longa as questões de gênero são suavizadas. De qualquer forma, ter personagens LGBT em filmes blockbuster rompe com a invisibilidade que esta parte da população normalmente sofria e sofre até hoje.
As Boas Maneiras (2017) de Juliana Rojas e Marco Dutra
Este é um exemplar nacional, dirigido pela dupla maravilhosa Marco Dutra e Juliana Rojas. A história tem dois atos, que em comum, tem a personagem de Clara, interpretada brilhantemente por Izabel Zuaa. A historia traz Marjorie Estiano, que aguarda para dar luz a um menino, que carrega em si uma condição trágica a amaldiçoada.
A história se vale de clichês de filmes de lobisomem para mostrar uma relação amorosa carnal entre duas mulheres que é tão intensa e tão forte que resulta em outro enlace amoroso, maternal, com Clara cuidando do filho de sua amada.
A forma como o "lobo humano" é mostrado é maravilhosa, tanto nos efeitos digitais quanto nos efeitos práticos, além disso, o filme assusta e não deixa nada a desejar para obras gringas com muito mais orçamento.
Entrevista com O Vampiro (1994) de Neil Jordan
Obra famosa por seus vampiros sensuais, a adaptação que Neil Jordan faz do romance homônimo de Anne Rice palco para um baita elenco. Além de Tom Cruise, no auge do seu sucesso como vampiro Lestat, também conta com Antonio Banderas como Armand, Kirsten Dunst estreando no cinema, Brad Pitt, como o protagonista Louis, e quase teve River Phoenix, cujo papel recaiu de última hora para Christian Slater, já que Phoenix faleceu pouco antes da produção começar a ser rodada.
O drama mostra uma fogueira de vaidades, sobre vontade de se mostrar em uma primeira camada. Já nas camadas mais profundas, o que se observa são as dificuldades que uma família formada por um casal homoafetivo tem em se mantar funcional.
Pitt e Cruise acertam demais em seus papéis, representam bem a forma como cada pessoa age e reage em se assumir com uma identidade que fere a normatividade conservadora do mundo antigo e atual.
Fome de Viver (1983) de Tony Scott
Se Entrevista com O Vampiro sugere relações homossexuais, Tony Scott conseguiu em sua estreia na direção de longas metragens tornar um amor entre pessoas de sexo igual se relacionando algo bem mais tangível e menos sugerido, isso com mais de dez anos de antecedência se comparado ao seu irmão de gênero.
Fome de Viver tem como um dos protagonistas David Bowie, artista icônico e conhecido por fugir de uma condição sexual binária, mas as referências a sexualidades vão além da escolha do elenco, já que depois da passagem de alguns atos, é mostrado um casal lésbico se formando.
As cenas de nudez são bem inventivas e psicodélicas, protagonizadas por Catherine Deneuve, uma beldade no auge da formosura, e pela já muito elogiada Susan Sarandon, que já havia brilhado em Rocky Horror Picture Show.
O filme ajudou a formar toda uma geração de obras cinematográficas com temática gótica tanto na década oitenta quanto na de noventa. É um clássico absoluto e inaugura uma forma de mostrar os elegantes sedentos por sangue de maneira bem diferenciada do que Béla Lugosi e Christopher Lee fizeram, com mais sutilezas e mais subtextos.
E é isso, essas são as dicas esse ano e certamente novas listas aparecerão nesse espaço, já que existem dezenas de outras manifestações artísticas ligadas a iconografia Queer, e é importante que assim seja, que a arte possa referenciar as agruras humanas sempre.
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