Crítica: O Preço do Amanhã

in-timeVocê já deve ter dito inúmeras vezes a expressão "tempo é dinheiro". Mas já parou pra pensar se seu significado fosse literal? E se a moeda de troca universal fosse realmente baseada nos minutos que você tem na sua vida? Baseando mais ou menos nessa premissa, Andrew Niccol traz seu mais novo longa. O Preço do Amanhã é uma ficção científica repleta de significado, embalada a uma crítica nada sutil à divisão de classes inerente ao capitalismo e a injusta distribuição de renda, se é que esse conceito faz algum sentido na sociedade atual.

Niccol é um cineasta mediano que conseguiu entregar boas obras numa carreira relativamente curta, o que hoje em dia já é algum lucro, já que bons diretores cada vez mais têm sucumbido à mediocridade. É dele um dos longas de ficção científica mais interessantes dos anos 90: Gattaca - Experiência Genética, que como a maior parte de seus filmes (e roteiros) trata de controle. Naquele caso, o controle para gerar seres humanos perfeitamente saudáveis. Em O Preço do Amanhã, o da aparência. A trama se passa num futuro em que a humanidade conseguiu criar um código genético capaz de fazer as pessoas pararem de envelhecer quando completam 25 anos. A partir daí, um relógio passa a contar o tempo de vida restante. Para todos, deveria ser apenas um ano, que pode ser estendido, desde que mais tempo possa ser comprado. Obviamente, apenas quem pode pagar consegue viver muito. E como o corpo não envelhece, não enfraquece. Ou seja, o jovem bonito que aparenta estar na casa dos vinte pode ter mais de 100 anos. O filme mostra isso logo no começo, quando Will Salas (Justin Timberlake) salva a vida do milionário Henry Hamilton (Matt Bomer). Salas faz parte da classe operária, que trabalha apenas para garantir o dia seguinte, cada vez mais difícil de ser alcançado, graças ao constante aumento do custo de vida. Hamilton faz parte da classe alta, que não se preocupa com o tempo. Isso eles têm de sobra pra gastar e podem continuar vivendo pra sempre, desde que não acabem morrendo em algum acidente bobo. E esse parece ser o medo predominante. Por conta disso, não têm coragem de viver intensamente ou, como o cinema americano adora dizer: "fazer alguma loucura." Por uma jogada do destino, o tempo de Hamilton vai parar nas mãos de Salas, que agora tentará chegar ao topo da sociedade para mostrar o quanto é injusta a política de que "muitos morrem para que poucos vivam".

A premissa do longa é boa. A idéia de criar uma metáfora usando o tempo como dinheiro não é genial mas é capaz de sustentar muito bem um bom roteiro de sci-fi. Mas, surpreendentemente isso não acontece em O Preço do Amanhã. O diretor, também responsável pelo texto, parece ter perdido o tato para criar personagens que realmente representem as frustrações impostas pela trama. O protagonista é o melhor exemplo. Sua motivação nunca fica clara pelo roteiro. Aliás, no plural, porque como se não bastasse um motivo, ainda força-se um outro, que não é completamente desenvolvido, deixando um enorme buraco sem nada para ser preenchido. Primeiro, a trama estabelece que Will vai se tornar uma espécie de "Vingador" da classe operária por conta da morte de sua mãe (Olivia Wilde). Depois, vem a desnecessária informação sobre o pai do personagem ter morrido por conta de sua rebeldia. Contra o quê? Essa o filme fica devendo. Timberlake até se esforça e cumpre bem o papel, mostrando mais uma vez que pode atuar, ao contrário de muitos músicos que se aventuram pelo cinema.

Outro elemento que incomoda a ponto de parecer alguma piada de mal gosto de Niccol é o inúmero uso de trocadilhos infames com a palavra "tempo". Nas duas primeiras vezes é engraçado, mas depois começa a irritar. O diretor, realmente, passa a sensação que não estava inspirado pra escrever esse filme e se entrega ao didatismo em determinados momentos, compromentendo toda a mensagem de sua obra, simplesmente por querer explicá-la demais. Há, por exemplo, uma situação em que o personagem de Cillian Murphy, o policial designado para prender Will, explica a mesma coisa duas vezes de formas diferentes, depois de seu companheiro de cena já ter dito exatamente o mesmo, com outras palavras.

O diretor, por outro lado, acerta ao embarcar seu casal protagonista (Timberlake e Amanda Seyfried) numa jornada no melhor estilo Bonnie e Clyde. Pena que não explora tão bem o conceito, deixando essa parte da ação apenas para o terceiro ato, resumindo a aventura principal em uma perseguição sem sentido à Will: tirar todo seu tempo de vida antes de prendê-lo, dando assim uma motivação para fuga, é inadmissível para um oficial da polícia com mais de 50 anos de serviço.

Visualmente, O Preço do Amanhã também não erra. A direção de arte, visivelmente limitada pelo orçamento, parte para a mesma simplicidade de Gattaca, um filme que não se deixou intimidar pelo pouco dinheiro e provou ser possível uma boa história de sci-fi sem grandes efeitos especiais servindo como muleta. Infelizmente, faltou no novo longa de Niccol a parte da boa história. A intenção até foi interessante, mas a execução irregular quase faz a ida ao cinema se tornar uma perda de tempo.

Texto publicado originalmente no blog Re-Enter!

Alexandre Luiz

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