Jogos Mortais 3 é um filme de horror que faz parte da saga do assassino serial conhecido como John Kramer, aka Jigsaw. É dirigido por Darren Lynn Bousman e segue como a parte três de uma história contínua, iniciada lá atrás pela dupla James Wan e Leigh Whannell.
Esse episódio é conhecido por ser o que fecha uma trilogia sobre a origem de John, reforçando as marcas da franquia, como os extensos flashbacks e a violência gráfica crescente, além de refletir mais uma vez sobre sentimentos de rancor e revanchismo.
Produzido pela Twisted Pictures, é dito largamente que Wan e Whannell eram contra realizar esse terceiro volume. Os profissionais estavam cansados, queriam trabalhar em outras obras, só toparam voltar quando o produtor Gregg Hoffman morreu em 2005.
Decidiram então trabalhar em mais um roteiro, para fechar a trajetória de John Kramer. Esse seria então uma homenagem póstuma ao sujeito que ajudou ambos a terem uma carreira em Hollywood, já que sem ele, dificilmente Jogos Mortais ganharia vida, assim como dificilmente a carreira dos dois deslancharia.
Mais uma vez o longa conta com produção de Hoffman, Oren Koules e Mark Burg. Foi distribuído novamente pela Lions Gates Films, sendo lançado em 2006, um ano depois de Jogos Mortais 2.
O roteiro ficou a cargo de Whannell mais uma vez, com argumento dele e de Wan, que são também produtores executivos, junto a Stacey Testro, Daniel J. Heffner, Jason Constantine, e Peter Block. O roteiro passou por várias modificações ao longo das filmagens.
É dito nos bastidores que Leigh Whannell permaneceu no set, enquanto Bousman rodava a obra. Os dois trabalharam em conjunto, para eventualmente modificar os rumos da trama, que seguia sendo ainda mais movimentada e cheias de reviravoltas que as partes um e dois da franquia.
Várias cenas foram escritas pouco antes de serem rodadas, a exemplo de um dos pontos mais emocionantes envolvendo as personagens de Shawnee Smith e Bahar Soomekh. Uma briga das duas foi rascunhada em guardanapos apenas cinco minutos antes de ser filmada e essa resultou na sequência em que a doutora pede ajuda de Amanda para lidar com o personagem de Tobin Bell.
O longa teve praticamente uma única locação, foi feito em um complexo de armazéns em Toronto- Ontario no Canadá. O espaço era amplo, construíram ali todos os cenários que aparecem no filme.
No entanto, uma cena foi feita fora dali. O longa de comédia Todo Mundo em Pânico 4, lançado em 2006, parodiava o primeiro Saw, tanto que reconstruíram a perfeição o banheiro onde Adam e Dr. Lawrence Gordon estiveram.
Koules e Burg acharam a reconstrução impecável e perguntaram se poderiam usar o mesmo set. Eles receberam permissão para filmar ali e uma das sequências ocorreu nesse set, em Vancouver.
Foi rodado em um período curto, em 32 dias e pré-produção começou imediatamente após o bem-sucedido fim de semana de estreia de Jogos Mortais 2.
Houve um grande cuidado em esconder os momentos mais importantes do roteiro. Somente os atores que aparecem na cena final receberam o script completo, tal qual ocorreu nos capítulos anteriores.
Um evento externo que ajudou a alavancar a expectativa desse. O teaser trailer que passava antes de O Segredo do Abismo foi pirateado e contrabandeado, divulgado na internet a revelia dos produtores.
Em tempos onde materiais de divulgação não eram tão alardeados, isso fez muito barulho, gerou um burburinho e muita expectativa.
A partir daqui falaremos com spoilers, leia sabendo disso.
A ação começa com o Eric Matthews de Donnie Wahlberg acendendo uma lanterna, no banheiro onde foi abandonado no final do segundo filme.
Rapidamente se nota um apego a cronologia, além de referenciar obviamente ao elenco antigo.
Wahlberg fez um grande esforço para esconder que estava nesse filme. Ele até emitiu um comunicado à imprensa negando a aparição, tudo para manter uma surpresa para quem fosse ver a obra.
Eric protagoniza uma cena muito violenta, destruindo o próprio pé com um grande pedaço de concreto, mas faz isso no escuro. O que deveria ser assustador se perde em meio a subterfúgios estéticos de Bousman, que tem tara por filmar com pouca iluminação, escondendo até os bons efeitos que sua obra tem.
Há uma participação curta mas bastante importante, da policial Kerry, de Dina Meyer, a especialista em Jigsaw. Ela é apresentada como alguém desesperada, que se culpa por ter envolvido Eric no ardil do vilão, até por não saber que John Kramer havia feito um plano que envolvia o tira corrupto.
Na sua primeira participação ela encontra uma vítima do jogo e logo depois, é pega também, caindo em uma armadilha de anjo, que dentro dos parâmetros da saga, chega a ser bonita e até um pouco poética.
Ela topa os detalhes propostos pelo mestre dos jogos, sacrifica a própria integridade, enfiando a mão em um balde com ácido, para obter uma chave. Mas mesmo fazendo tudo isso, ela simplesmente não consegue escapar.
Mesmo tendo "vencido" o certame, ela morreu. O trecho é confuso propositalmente, marca bem que há mudanças de abordagem dessa nova versão.
Quem identifica o corpo de Kerry é o legista Hoffman, personagem de Costas Mandylor que se tornaria muito importante no decorrer da franquia. Vale lembrar que o personagem citado tem esse nome em homenagem ao falecido produtor Gregg Hoffman, e nesse, é creditado apenas com o sobrenome, sendo chamado depois de Mark Hoffman.
É dado também que a ideia original é que o protagonista fosse o oficial Rigg, de Lyric Bent, mas ele estava filmando Angela's Eyes e não teve espaço em sua agenda. Teve então seu papel reduzido, filmou sua participação em apenas um dia, voltando para ser o protagonista em Jogos Mortais 4.
O outro ponto de destaque é a crueldade nos jogos. A armadilha que o personagem Troy de J. LaRose participa é ainda mais difícil de se libertar do que a anteriormente citada. Ele morreu no esforço de sair, a porta que deveria estar aberta tinha uma tranca irremovível da parte de dentro estava soldada, mesmo ele topando o jogo, não havia como escapar com vida.
Nessa conversa no início é notável a admiração que Hoffman tem pelos métodos de Kramer, mas ele mesmo diz que há uma fuga do padrão que Jigsaw estabeleceu.
Bousman foi amadurecendo como um cineasta ao longo da franquia, mas até hoje é visto como alguém viciado em chavões, especialmente no que tange o uso de filtros coloridos sobre a tela. É bem comum que haja cenas de iluminação estourada nesse, fato que pioraria ainda na quarta parte, mas o que mais irrita aqui é o filtro esverdeado.
A montagem de Kevin Greutert consegue ser ainda mais confusa aqui. Há variações rápidas demais entre tomadas, a ideia era parecer uma edição moderna, mas não convence, ao contrário, torna vários pontos complicados de entender.
O resto da trama segue mostrando uma médica, doutora Lynn Denlon (Soomekh), que lida com vários problemas pessoas. Ela trabalha demais, tem um relacionamento que passa por uma crise e ainda é capturada pelos vilões.
Depois que ocorre a entrada de uma vítima de batida de carro - que foi colocada ali para parecer o John Kramer - ela é pega, acordando já no covil do Jigsaw, sendo levada ao personagem de Bell por sua aprendiz, Amanda Young.
Houve uma escolha narrativa de focar menos em trama policial, restando assim o enfoque emocional na dupla de mulheres, entre Amanda e Lynn, eventualmente em Jeff, personagem que seria mostrado um pouco depois.
Soomekh hesitou em participar de Jogos Mortais 3, uma vez que não era fã de filmes de terror. Na época das gravações ela alegou que teve pesadelos, especialmente nos primeiros dias de set.
Amanda aparece bem vestida, na versão mais bonita de Shawnee Smith até então, com um cabelo mais longo, toda maquiada, tentando emular uma femme fatale. O plano dela é bastante confuso, basicamente ela raptou a doutora para curar um homem com uma doença terminal.
Ela é testada com uma coleira, que vai disparar balas caso o monitor cardíaco de Kramer pare.
Um ponto fora do filme, mas que é bom relembrar, é que houveram inúmeras fanfics na internet, de romance entre a doutora Lynn e Amanda. Elas ficaram bastante populares entre o público LGBTQIA+, seja em histórias mais pueris ou mais tórridas.
Nesse ponto da trama John explica as regras de maneira paciente, enquanto sua aprendiz é mais sucinta e econômica, sendo agressiva na maneira de dar os detalhes do outro jogo, o que que envolve Jeff, um homem amargurado e interpretado pelo bom Angus Macfadyen.
A cena anterior a apresentação de Jeff se dá em uma transição com fade out típica de seriados. Seria Bousman assumindo que seus filmes lembram mais a linguagem de séries de televisão do que de cinema.
Curiosamente os elencos ficariam cada vez menos estrelados e a equipe técnica ficaria cada vez menos inspirada nas sequências, emulando a condição de muitos seriados, que perdem qualidade quando se passam os anos.
No entanto essa ainda é uma produção preocupada em jogar tensão em tela, a exemplo do momento em que John tem uma convulsão. Tanto Smith quanto Soomekh atuam muito bem, mesmo quando travam uma batalha de egos para entender quem tem razão.
A cena de cooperação das duas poderia ser ainda mais intensa caso a câmera não fosse super tremidaf como é. A direção de fotografia de David A. Armstrong não é de toda ruim, segue na mesma toada dos filmes anteriores, mas a escolha em filmar dessa forma diminui a força do episódio.
Outro aspecto negativo é a transformação de Amanda, que deixa de ser uma bad ass vingativa e engenhosa, para virar uma mulher que chora o filme inteiro.
Simplesmente se ignora tudo que ela aprendeu para forçar um defeito que não tem nada a ver com ela. Considerando os retcons estabelecidos nos filmes posteriores, essa postura se torna ainda mais vergonhosa, mas até aqui, é só uma conveniência mal pensada.
Há também um aumento no número de flashbacks. Ao longo da saga, essa utilização seria problemática, mas aqui, até que são pontuais, servem principalmente para flagrar a relação de John e Amanda,
Fica fácil entender os motivos dela ter tanta admiração pelo homem velho, uma vez que mostra ele montando cuidadosamente a armadilha que colocou nela, a máscara com timer do primeiro filme.
Tobin Bell e Shawnee Smith passaram várias semanas juntos, antes das filmagens. Fizeram laboratório para que o gestual deixasse claro o entrosamento entre eles.
O roteiro de Whannell é cirúrgico em mostrar como a Síndrome de Estocolmo se desenrola e como ela pode nascer.
Toda a preparação que John dedica a Amanda faz enriquecer a relação, assim como os detalhes dela capturando as vítimas dos outros dois filmes.
Esses trechos tem todo um clima de iniciação de culto. Essas tramas são tão familiares e capturam tanto a atenção do público que empalidecem a jornada de Jeff.
A ideia de ter várias histórias disputando a atenção do espectador não ficou tão boa quanto a equipe de produção imaginava, especialmente pelo fato de que Jeff praticamente não tem pecados, só é alguém deprimido, triste e impotente, culpado ao extremo desde que seu filho Dylan morreu em um acidente de carro.
As pessoas presas as armadilhas são ligadas a morte de Dylan, há gente que não prestou socorro quando ele foi atropelado, pessoas que participaram do julgamento do motorista, até o juiz do caso.
É curioso como Jigsaw pune Jeff por desejar revanchismo, mas essa régua não vale para si, já que é absolutamente rancoroso com todos, depois que descobriu ter um câncer terminal.
As armadilhas são criativas, uma delas até envolve um afogamento em tripas de porcos, que é justamente o animal simbolizado em uma das máscaras de Jigsaw. Esse trecho deu bastante trabalho, já que as carcaças de animais eram feitas de espuma, borracha e látex e não porcos reais. Haviam larvas de verdade, vivas e desinfetadas. Tobin Bell dizia que essa, conhecida como Pig Vat, era a sua armadilha favorita.
O ápice do longa é a cirurgia na cabeça de John.
Lynn abre o crânio dele, sem anestesia, tomando cuidado para mexer na cabeça com ele acordado e com uma furadeira perfurando a caixa craniana. Há um baita trabalho de efeitos práticos, tão reais que o Google pune se mostrar a cena em si.
Durante a cena da cirurgia cerebral, o cenógrafo James R. Murray teve que segurar os braços de Bahar Soomekh para os close-ups porque ela não conseguiu se firmar e manter a ferramenta sob controle.
Filmes de horror normalmente sofrem com cortes da MPAA, mas essa cena voltou da revisão do órgão sem qualquer reclamação. Os cineastas argumentaram que não era diferente do que aparecia em qualquer documentário médico na TV ou seriado segmentado para medicina, e de fato há razão nesses argumentos.
No meio do processo, John delira, uma vez que estava acordado, pois se dormisse, poderia morrer. Ele confunde a doutora com sua amada, uma mulher de cabelos loiros, que mal é citada, mas se chama Jill e é interpretada por Betsy Russell.
Essa seria introduzida de maneira mais detalhada em outros filmes também, se nota que Whannell mesmo escrevendo a contragosto, deixou muitas pontas soltas.
O que segue uma jornada ruim de acompanhar é a regressão de Amanda. Não basta o lamento e choro insistente, há também um ciúme que não faz qualquer sentido, já que ela sabe que Kramer pode estar delirando.
Ela claramente vê John como uma figura primordial e nesse ponto, a dúvida se ela nutre uma paixão platônica por ele ou não se dissipa, já que ela parece mesmo ter um sentimento de posse amorosa.
Não faz sentido. Amanda deveria olhar para ele apenas como um mentor, dar brecha para pensar que ela se apaixonou por ele é tolice. Dá para encarar que ela o enxerga como um pai postiço, cuja morte a faria novamente não ter mais nada. Dessa forma, sua recaída em se auto flagelar faz sentido, embora contradiga parte de sua trama. A ambiguidade aqui não é nada bem-vinda.
No final a grande provada é Amanda e ela falha justamente ao se considerar a pessoa iluminada, que entendeu tão bem os jogos mortais que tentou superar o mestre ainda em vida.
Isso pode ser encarado como um traço de soberba, no entanto parece mais uma insegurança exacerbada, já que ela é tem um pensamento tão inconstante que cai nas provocações tolas de Eric Matthews, que relembra e afirma o óbvio: ela não é Jigsaw.
Jogos Mortais 3 é possivelmente o último filme da franquia que se leva totalmente a sério. Mesmo tendo muitos problemas em sua concepção visual, sua história cativa a maior parte do tempo. Ainda há bons personagens, além de uma atuação e uma entrega grande de Tobin Bell, mesmo permanecendo deitado a maior parte da história, ainda consegue se mostrar como o ser dominante dessa cadeia alimentar.
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